CÉU ABAIXO – o filme: narrativas em torno do garimpo na região da capital mundial das pedras preciosas

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Juliana Lemes da Cruz.
Doutoranda em Política Social – UFF.
Pesquisadora GEPAF/UFVJM.
Coordenadora do Projeto MLV.
Contato: julianalemes@id.uff.br

O feriado de 15 de novembro de 2021 marcou a estreia do filme Céu Abaixo, que ocorreu no espaço da Expominas, no município mineiro de Teófilo Otoni, não por acaso, conhecido como a capital mundial das pedras preciosas. Sem pensar duas vezes, garanti minha entrada.

O lançamento contou com a casa cheia, espectadores de distintos municípios e faixas etárias. No amplo espaço destinado à exibição do filme encontravam-se, tanto autoridades e representantes das esferas públicas – executivo e legislativo, quanto do âmbito da cultura. A produção teve trilha sonora baseada no contexto regional, previamente apresentada pelo artista/cantor Pereira da Viola.

O roteiro trouxe como pano de fundo uma história de garimpo, escrita e dirigida por dois jovens, o Gabriel Ferreira e o Arthur Sambuc. Para a produção, os idealizadores da trama passaram pela experiência imersiva em um garimpo. Oportunidade que os levou a captar aspectos importantes das relações constituídas entre as pessoas e quanto à dinâmica estabelecida naquele ambiente. O enredo, ficcional, baseou-se na especificidade de um garimpo e pretendeu englobar os costumes, valores, crenças e modo de vida por essas terras. Os jovens, empenhados em registrar em filme suas inquietações, julgaram imperativa a necessidade de valorização das pessoas desse lugar e enfatizar o quanto os territórios do Vale do Mucuri e Jequitinhonha representam para cada uma delas.

A atividade de extração de pedras preciosas e semipreciosas caracterizou, por um bom tempo, a região que circunda o município de Teófilo Otoni, garantindo-lhe, inclusive, o reconhecimento de capital mundial das pedras preciosas.

Em que pese, eu também tenha um histórico familiar associado ao garimpo, confesso que nunca cheguei a pesquisar localmente ou parar para ouvir os mais velhos contarem seus causos. Penso que o Céu Abaixo assumiu este papel de despertar tanto em mim, quanto em inúmeros outros espectadores, o interesse de saber mais sobre a imbricada relação do povo desse lugar com o garimpo.

As produtoras do filme foram duas aguerridas mulheres. Digo dessa forma porque imagino o quão difícil tenha sido, nessa nossa região, persuadir investidores a apostarem em algo tão subjetivo como a arte e a mobilizar a população a consumir cultura feita por gente nossa, sem a característica das superproduções do cinema tradicional. Mais do que justo que reconheçamos a habilidade e destreza do empenho de Marcélia Aguiar Ferreira e Rinara Lopes Negreiros Kokudai. Juntas ou separadas, elas mobilizaram “mundos e fundos”, literalmente, para que o Céu Abaixo se tornasse algo real. Foram muitas intervenções em canais de rádio, entrevistas e similares. A perseverança foi uma marca dessas mulheres, afirmo e reafirmo isso porque, de fora, distante do “corre” que fizeram, percebi o quanto se empenharam.

Posteriormente à exibição do filme, em um bate papo com Marcélia, que conheci recentemente, justamente em razão dessa produção, confirmei o que acabara de perceber assistindo ao filme. Que o enredo girava em torno da intenção de trazer algumas características regionais, destacando aspectos que fizeram parte do cenário do garimpo, como a perspectiva da fé cristã, da ganância e do anseio de cada personagem de encontrar uma pedra preciosa que pudesse transformar sua vida. Muitos dos personagens não eram atores profissionais, o que deixou a história ainda mais aproximada do público.

O sentimento de pertencimento foi despertado ao longo da exibição porque os detalhes do modo de vida da nossa gente foram fielmente reproduzidos. Por tal motivo, talvez possa ter causado estranheza a forma da comunicação entre os personagens, por vezes, com linguajar carregado de regionalismos e sem censura quanto aos palavrões empregados. De fato, tomar pé da realidade da linguagem regional, envolta por gírias e entonações, pode assustar, mas, é a mais perfeita tradução da verdade sobre nós.

As relações constituídas e rompidas; o espaço de intimidade familiar; as preocupações e aspirações dos trabalhadores da “lavra”; a fiscalização rígida do dono das terras; a justiça feita na clandestinidade por contratos informais entre os indivíduos; os cenários dos botecos e do álcool como refúgio às tensões cotidianas; a segurança privada do garimpo; e as estratégias de sobrevivência de um povo que trabalha duro e anseia por mudança são meus pontos de destaque sobre a obra. A produção não omitiu os sons da natureza, tampouco, o jeito desconfiado, tímido e por vezes, ousado das pessoas.

Diante do que vi, tecnicamente, pouco ou nada posso opinar. No entanto, pelas sensações produzidas pelo filme, traduzidas na reação das pessoas, não posso dizer que ele não atendeu ao que pretendia. O enredo é parte da história de cada um. Isso pode ser percebido pelas gargalhadas diante de situações expostas no filme que são corriqueiras aqui no mundo real e pela ansiedade gerada só de visualizar por curto período a aflição do protagonista ao tentar localizar a pedra de brilho intenso. Apesar da diversidade de características locais que percebi, notei que a história foi interrompida antes de ser finalizada.

Talvez não tenha sido a intenção dos autores, mas, o Céu Abaixo pareceu mais um único episódio de uma série da Netflix, e que por isso, merece continuidade. Certamente, os daqui, dos vales Mucuri e Jequitinhonha que tiveram a trajetória de seus familiares embreada por anos na atividade de garimpo, gostaria de ter registros tão fiéis de novos episódios de suas histórias. Céu Abaixo é uma história comum das gentes desse lugar, uma ousadia juvenil que despertou memórias que, sem registros, vão-se com o tempo. E não é bem isso que queremos. De cá, ansiosa por Céu Abaixo II (Imagem: divulgação de Céu Abaixo).

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