Sopinha de Letras do Diagnóstico Laboratorial da Covid-19 (CONTINUAÇÃO)

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COVID(ando) a Refletir

Bruno Oliveira
Farmacêutico Analista Clínico
Pós Graduado em Química (UFLA) – Pós Graduado em Docência do Ensino Superior (DOCTUM) – Pós Graduado em Vigilância em Saúde Ambiental (UFRJ) – Pós Graduado em Vigilância em Saúde (Instituto Sírio-Libanês de Ensino e Pesquisa).

Olá, tudo bem? Confesso que foi difícil achar inspiração para escrever esta semana. Ando muito desanimado com a conduta do Brasil frente à Pandemia. Decerto que nunca fomos bem, mas a impressão que tenho é que a sensatez perdeu a guerra, agora vamos apenas enxugar gelo e contar corpos (já passamos de 83 mil) até que tenhamos a imunidade de rebanho pela incompetência ou pela vacina. Mas vamos lá.

Na semana passada fiz uma introdução sobre alguns conceitos básicos e falei sobre os exames disponíveis para o diagnóstico da Covid-19. Agora falaremos um pouco sobre as interpretações dos resultados e os principais erros cometidos na realização dos exames. Para quem não viu o artigo da semana passada, é importante acessá-lo para que compreenda melhor o de hoje. Basta acessar a página do jornal (https://diariotribuna.com.br/), clicar em ÚLTIMA EDIÇÃO e achar a edição do dia 16/07/2020.

Inicialmente iremos complementar com informações mais específicas sobre os exames disponíveis para o diagnóstico da Covid-19 repassadas no último artigo:

a) O exame recomendado para o diagnóstico da Covid é o RT-PCR (padrão ouro), que deve ser realizado no início dos sintomas. A coleta deve ser feita do 1º ao 10º dia de sintomas, preferencialmente no 3º ou 4º dia (maior sensibilidade). Até então o SUS disponibiliza este exame apenas para uma pequena parcela mais vulnerável da população e em todos os casos estes precisam estar SINTOMÁTICOS (ter sintomas), são eles: Amostras de Unidades Sentinelas, todos os casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave, hospitalizados, profissionais de saúde e da segurança pública, em caso de surtos em locais fechados, privados de liberdade, idosos, pacientes com comorbidades e populações ou grupos sociais de alta vulnerabilidade. Os planos de saúde geralmente não cobrem este exame e para fazer particular, se conseguir, o valor será em torno de R$350,00. Não possuímos laboratório de biologia molecular na região que realize este exame, por tanto os exames coletados são enviados para a FUNED-BH (público) ou para os laboratórios parceiros da rede privada de laboratórios.

b) Os exames sorológicos além de ter uma sensibilidade e especificidade baixa, impactando em resultados Falso-Positivos e Falso-Negativos, em geral só podem ser realizados a partir do 8º dia de sintomas. Uma revisão sistemática e meta-análise canadense, de 40 estudos epidemiológicos, publicada no British Medical Journal, em 01/07/2020, sugere que os testes sorológicos atuais têm utilidade limitada no diagnóstico da Covid-19 aguda e que para reduzir a probabilidade de erros de classificação, o padrão de referência deve consistir em RT-PCR. Sugere ainda que o fraco desempenho dos testes sorológicos existentes para a covid-19 levanta questões sobre a utilidade de usar esses métodos para a tomada de decisões médicas https://www.bmj.com/content/370/bmj.m2516). Dos exames sorológicos testados os que tiveram um melhor desempenho foram o ELISA e a Quimioluminescência, ambos realizados apenas em laboratórios e com amostras coletadas por punção venosa (veia). Os Testes Rápidos, em geral, tiveram um desempenho muito ruim, variando muito de marca para marca. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) mudou e flexibilizou as regras de controle, liberando vários destes testes no início da Pandemia, com o objetivo de diminuir as burocracias e permitir o abastecimento mais rápido do defasado mercado nacional. Mas muitos destes testes importados pelo Brasil não têm aval nem do controle sanitário dos países de origem para serem comercializados lá. Outra modalidade de Teste Rápido disponível no mercado são os que pesquisam antígeno (pedaços do vírus) em amostras coletadas por Swab nasal. Este exame também é feito nos primeiros dias de sintomas e, diferentemente dos testes sorológicos que pesquisam anticorpos, este pesquisa pedaços do vírus. Vocês podem estar se perguntando: então é igual ao RT-PCR? Calma lá, as semelhanças param por aqui. Ao que tudo indica, estes Testes Rápidos que pesquisam pedaços de vírus possuem um desempenho ainda pior que os que pesquisam anticorpos. Aliás, não consegui achar nenhum estudo sobre estes testes e nenhuma recomendação para o uso deles. O pior desta história é que alguns laboratórios da cidade vendem este exame como se fosse o RT-PCR feito por biologia molecular.

Após exposição de mais alguns detalhes sobre os exames disponíveis para o diagnóstico da Covid, vamos para algumas dicas

Primeira dica: de tudo que vou tentar transmitir para vocês neste artigo, o mais importante é que não devemos ficar reféns dos resultados dos exames para promover as medidas de distanciamento social e a proteção individual através dos hábitos de higiene e uso de máscara. A transmissão do vírus que pode acontecer antes mesmo do início dos sintomas e as limitações dos testes diagnósticos inviabilizam usar resultados de exame como critérios para nortear essas medidas de controle. Essas condutas devem ser permanentes, até que a Pandemia esteja controlada.

Segunda dica: com raras exceções, o ideal é não fazer nenhum dos exames se não apresentar sintomas. O critério para saber qual é o exame mais apropriado a ser realizado é o dia de sintomas que o indivíduo está. Então não justifica fazer exame se não for sintomático. A menos que seu desejo seja apenas saber se teve contato com o vírus em algum momento, mas mesmo assim, temos que ficar sempre desconfiados com as possibilidades de resultados falso- positivos e falso-negativos.

Terceira dica: Não são os resultados de testes sorológicos de anticorpos que determinam se o sujeito ainda está transmitindo o vírus, ou seja, não deve ser este o critério para saída do isolamento e retorno ao trabalho. Essa transmissão acontece, em média, dois dias antes dos sintomas e até 7 a 8 dias pós início dos sintomas. Segundo o ministério da saúde, todo paciente com síndrome gripal, suspeito de COVID-19, deve cumprir 14 dias de isolamento domiciliar e após, independentemente de exame sorológico, está liberado. Resumindo, não é presença ou ausência de anticorpos que determina período de transmissão e o comportamento deles (IgM, IgG e IgA) varia muito nas pessoas e nas diferentes patologias. Uma analogia que gosto de fazer é com o vírus HIV, onde os anticorpos sempre estarão presentes no sangue, e nem por isso o indivíduo deixou de transmitir ou está curado da doença. Mas, infelizmente, estamos presenciando situações bastante esdrúxulas nesta condução. Chegamos ao ponto de hospitais estarem exigindo um Teste Rápido positivo para Covid, mesmo com todas as limitações deste exame, para aceitar a entrada do paciente suspeito. Há também instituições cobrando a ausência do anticorpo IgM e a presença do IgG nos exames sorológicos de pessoas que tiveram RT-PCR Detectável para Covid, para que elas retornem ao trabalho.

Bom pessoal sinceramente termino este artigo sem saber se eu mais descompliquei ou compliquei. Teria assunto e estudos na área da imunologia, virologia e diagnósticos que dariam uma ampla discussão para cada uma das situações colocadas. É muito difícil apresentar uma análise simples e padronizada quando se trata de um assunto novo da área biológica. Propositalmente não foquei na interpretação dos resultados, pois Como coloquei na semana passada, todos terão que ter muito cuidado nesta análise e sempre contar com a ajuda de um profissional de saúde experiente para avaliar de forma completa e UNÍVOCA caso a caso. Quando estes exames são interpretados de forma errada, pode atrapalhar no controle da disseminação da doença e expor os pacientes e seus contatos a riscos desnecessários. Continuo à disposição pelo WhatsApp (33) 98845-6160 para tirar dúvidas sobre o tema e ajudar na interpretação de resultados.

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