
Delegado Geral de Polícia – Aposentado. Prof. de Direito Penal e Processo Penal. Mestre em Ciência das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Especialização em Combate à corrupção, antiterrorismo e combate ao crime organizado pela Universidade de Salamanca – Espanha. Advogado. Autor de livros
“(...) é coerente afirmar que gerenciamento é substituir músculos por pensamentos, folclore e superstição por conhecimento, e força por cooperação, nas sábias palavras de Peter Ferdinand Drucker, e assim, não se pretende mudar o mundo, mas é possível mudar a concepção dos gestores, lançar luzes em trevas, conscientizar os agentes públicos para adoção de postura firme e austera, mudança de atitude em prol da preservação do patrimônio público, pois a maior necessidade de um Estado é a ter em suas fileiras gestores corajosos e dispostos a lutar contra o interesse econômico que predomina nas relações de investidores no setor público, não se olvidando que a Administração Pública não é lugar para a realização de sonhos, não é parque de diversões para extravasar emoções, quimeras e devaneios, mas lugar onde se predomina o somatório de riqueza coletiva, fruto de incessante luta e suor do povo(...)”
Resumo: O presente artigo tem como objetivo principal analisar a modalidade de Parceria Público-Privada (PPP) no sistema prisional brasileiro. Para isso, aborda-se o contexto normativo da execução penal no Brasil, bem como a possibilidade de delegação da administração de unidades prisionais à iniciativa privada, conforme previsto na legislação vigente.
Palavras-chave: sistema prisional; parceria público-privada; execução penal; concessão; gestão penitenciária.
1. Introdução
A sociedade moderna é pautada pelo Estado Democrático de Direito, o qual permite ao cidadão a prática de qualquer ato que não seja expressamente vedado pela legislação. Quando há violação de direitos, nasce para o Estado o dever de punir o infrator, em nome da coletividade. No âmbito penal, essa punição deve seguir o devido processo legal, princípio fundamental previsto no artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal de 1988, que estabelece que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.
A persecução penal se dá em duas fases: a pretensão punitiva estatal e a execução da pena. Após o trânsito em julgado da sentença condenatória, inicia-se a fase executória, na qual o Estado deve garantir o cumprimento da pena nos termos da legislação aplicável.
A Lei de Execução Penal (LEP), instituída pela Lei nº 7.210/1984, regula a execução das penas privativas de liberdade e das medidas de segurança, estabelecendo diretrizes para a reintegração social dos condenados. Estados da federação podem complementar essa legislação, como fez Minas Gerais por meio da Lei nº 11.404/1994. A LEP prevê que a execução penal deve proporcionar a ressocialização do preso e garantir seus direitos fundamentais, salvo aqueles atingidos pela sentença condenatória. Além disso, o Estado deve incentivar a participação da comunidade na execução penal.
A legislação também disciplina os tipos de estabelecimentos prisionais, conforme disposto nos artigos 82 a 104 da LEP, abrangendo penitenciárias, colônias agrícolas ou industriais, casas de albergado, centros de observação, hospitais de custódia e cadeias públicas.
No âmbito estadual, Minas Gerais promoveu modificações significativas em sua legislação penitenciária com a edição da Lei nº 15.299/2004, que introduziu os artigos 176-A e 176-B à Lei de Execução Penal mineira. Essa norma permitiu que entidades civis de direito privado sem fins lucrativos, mediante convênio com o Estado, assumissem a administração de unidades prisionais destinadas ao cumprimento de penas privativas de liberdade, conforme o inciso VIII do artigo 157 da legislação estadual.
As entidades gestoras dessas unidades possuem atribuições como:
I – Gerenciar o cumprimento das penas nas unidades administradas, conforme os termos do convênio firmado;
II – Zelar pela manutenção, vigilância e conservação dos imóveis, equipamentos e mobiliários das unidades prisionais;
III – Solicitar apoio policial para segurança externa, quando necessário;
IV – Apresentar relatórios periódicos ao Poder Executivo e ao Judiciário sobre a movimentação dos detentos;
V – Prestar contas mensalmente dos recursos recebidos;
VI – Submeter-se à supervisão do Poder Executivo, permitindo o acompanhamento da execução do convênio.
A execução penal, por se tratar de um serviço público essencial, deve observar o artigo 175 da Constituição Federal, segundo o qual cabe ao Poder Público prestar serviços públicos diretamente ou por meio de concessão ou permissão, sempre mediante licitação. Esse dispositivo também determina que a legislação específica deve dispor sobre o regime jurídico das concessionárias e permissionárias, os direitos dos usuários, a política tarifária e a fiscalização dos contratos administrativos.
2. O Sistema Prisional e a Concessão Mediante Parceria Público-Privada
A crescente crise do sistema prisional brasileiro, caracterizada pela superlotação, infraestrutura precária e dificuldades na ressocialização dos detentos, tem levado à busca por novas formas de gestão penitenciária. Nesse contexto, as Parcerias Público-Privadas (PPPs) surgem como alternativa à tradicional administração estatal.
A Lei nº 11.079/2004, que institui normas gerais para licitação e contratação de PPPs, permite que a iniciativa privada participe da gestão de estabelecimentos prisionais, respeitando os princípios constitucionais e normativos aplicáveis à execução penal. Esse modelo prevê que o parceiro privado assuma responsabilidades operacionais e infraestruturais, enquanto o Estado mantém a função de fiscalização e o poder coercitivo sobre os internos.
A implementação das PPPs no setor prisional já ocorre em estados como Minas Gerais, onde unidades como o Complexo Penitenciário de Ribeirão das Neves funcionam sob esse modelo. Nessas unidades, a empresa contratada é responsável pela manutenção, alimentação, assistência médica e ocupacional dos detentos, enquanto a segurança externa e o poder disciplinar permanecem sob controle estatal.
Os defensores desse modelo argumentam que as PPPs garantem maior eficiência na gestão prisional, melhores condições para os internos e custos potencialmente menores para o Estado. No entanto, críticos apontam desafios como a necessidade de controle rigoroso sobre os contratos, o risco de mercantilização do sistema prisional e a responsabilidade estatal inalienável sobre a privação de liberdade.
3. Reflexões Finais
A adoção das Parcerias Público-Privadas no sistema prisional representa uma mudança significativa na gestão da execução penal no Brasil. Embora esse modelo traga promessas de maior eficiência e melhores condições carcerárias, sua implementação deve ser acompanhada de mecanismos rigorosos de controle e fiscalização para garantir que a dignidade dos presos seja preservada e que os objetivos da pena, incluindo a ressocialização, sejam efetivamente alcançados.
A experiência de estados como Minas Gerais demonstra que a parceria entre o setor público e o privado pode trazer benefícios, mas exige um equilíbrio cuidadoso entre eficiência administrativa e respeito aos direitos fundamentais dos detentos. Assim, a expansão desse modelo deve ser feita de forma criteriosa, garantindo a transparência nos contratos e a manutenção do papel do Estado como garantidor da ordem pública e dos direitos humanos.
Desta feita, o Estado deve adotar uma fiscalização rigorosa das cláusulas contratuais, especialmente em contratos de longa duração, como aqueles que podem vigorar por até 35 anos. Para isso, é fundamental contar com gestores comprometidos com a moralidade pública e com os princípios que regem a boa administração. Somente assim será possível evitar a influência indevida do poder econômico e garantir a correta aplicação dos recursos públicos.
A gestão desses contratos não pode ser conduzida por amadores ou inexperientes. É essencial que sejam observadas, com fidelidade, as diretrizes do artigo 4º da Lei nº 11.079/2004, assegurando: a eficiência no cumprimento das missões do Estado e na aplicação dos recursos da sociedade; o respeito aos interesses e direitos tanto dos destinatários dos serviços quanto dos entes privados responsáveis por sua execução; a indelegabilidade das funções de regulação, jurisdição, exercício do poder de polícia e outras atividades exclusivas do Estado; a responsabilidade fiscal na celebração e execução das parcerias; a transparência nos procedimentos e decisões; a repartição objetiva dos riscos entre as partes; e a sustentabilidade financeira, bem como as vantagens socioeconômicas dos projetos de parceria.
Discorrendo sobre administração pública gerencial, BOTELHO nos deixa ensinamentos importantes acerca da temática:
Com a nova concepção de uma Administração Pública no modelo gerencial, numa ideia de modernidade, cuja essência é marcada por um forte esquema de controle, a priori e a posteriori, com os olhos voltados para a evolução dos meios tecnológicos, reprimindo a abjeta intervenção de abusos do poder econômico, deve o agente público ter a necessária consciência e clareza de que sua missão é cuidar dos interesses públicos, é amar os valores da coletividade, e toda vez que houver conflito entre bens ou interesses individuais e coletivos, a conduta do agente público deve se aproximar da lógica da preponderância, a melhor decisão a ser tomada é aquela que se inclina para o atendimento à supremacia da coletividade, mesmo porque o setor público não é balcão de fantasias nem desejos econômicos, não pode servir de lugar para a exploração de riquezas, devendo prevalecer a ideia consistente na máxima segundo a qual a administração pública é um depositário do conjunto dos bens alocados e pertencentes ao povo, cabendo ao gestor público cuidar dessa riqueza coletiva e prestar contas de sua administração, com transparência e lisura, sob pena de cometer crime nojento de peculato contra a sociedade.[1]
[1] BOTELHO. Jeferson. Estado gerencial e concessão em regime de parceria Público-privada. Um toque de qualidade na gestão pública. Disponível em Estado gerencial e concessão em regime de parceria Público-privada – Jus.com.br | Jus Navigandi. Acesso em 13 de março de 2025.
Diante do exposto, torna-se evidente que a execução da pena, seja por meio da administração direta ou da delegação de parte das atividades a terceiros, deve estar fundamentada em princípios inegociáveis como transparência, moralidade e responsabilidade na gestão do erário público. O verdadeiro gestor não é aquele que busca apenas a manutenção burocrática do sistema, mas sim aquele que enxerga na ressocialização um propósito maior, um compromisso com a transformação humana e a justiça social.
Nesse sentido, a escolha dos profissionais responsáveis por essa missão deve ser pautada na excelência técnica, no profissionalismo e, acima de tudo, no compromisso ético. Apenas aqueles que exercem suas funções com dedicação, zelo e respeito à dignidade humana podem contribuir para um sistema que, em vez de propagar o ódio e a tirania, promova a reconstrução e a reintegração social.
É preciso, portanto, afastar do processo decisório aqueles que se movem por interesses obscuros, pelo fisiologismo e pela manipulação de expectativas, pois a administração pública não pode ser palco para vaidades pessoais ou jogos de poder. O dinheiro do povo é sagrado, e a sociedade tem o direito e o dever de exigir que ele seja empregado de maneira justa, eficiente e verdadeiramente comprometida com o bem comum. Afinal, a história já demonstrou que, por mais que se tente ludibriar a população, ninguém consegue enganar todo o povo o tempo todo.
Referências
BOTELHO. Jeferson. Estado gerencial e concessão em regime de parceria Público-privada. Um toque de qualidade na gestão pública. Disponível em Estado gerencial e concessão em regime de parceria Público-privada – Jus.com.br | Jus Navigandi. Acesso em 13 de março de 2025.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: [site oficial]. Acesso em: 13 mar. 2025.
BRASIL. Lei de Execução Penal (LEP). Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Disponível em: [site oficial]. Acesso em: 13 mar. 2025.
MINAS GERAIS. Lei Estadual nº 11.404/1994. Disponível em: [site oficial]. Acesso em: 13 mar. 2025.
MINAS GERAIS. Lei Estadual nº 15.299/2004. Disponível em: [site oficial]. Acesso em: 13 mar. 2025.
BRASIL. Lei de Concessões Públicas. Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. Disponível em: [site oficial]. Acesso em: 13 mar. 2025.
BRASIL. Lei de Parceria Público-Privada (PPP). Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004. Disponível em: [site oficial]. Acesso em: 13 mar. 2025.
REVISÃO. Ajustes adverbiais e coerência. Disponível em ChatGPT. Acesso em 13 de março de 2025.