Imitando os Animais

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COVID(ando) a Refletir

Bruno Oliveira
Farmacêutico Analista Clínico
Pós Graduado em Química (UFLA) – Pós Graduado em Docência do Ensino Superior (DOCTUM) – Pós Graduado em Vigilância em Saúde Ambiental (UFRJ) – Pós Graduado em Vigilância em Saúde (Instituto Sírio-Libanês de Ensino e Pesquisa).

Olá pessoal. Quando pensei no título deste texto recordei da música da Xuxa com este mesmo nome (Imitando os Animais). Quem tem filho(a) adolescente hoje, com certeza lembrará das músicas da coleção “Xuxa Só para Baixinhos”. Seria uma espécie do “Mundo Bita” da década passada. Mas, infelizmente, as boas recordações da infância da minha filha nada têm a ver com o sentido deste título. Hoje falaremos da tão comentada Imunidade de Rebanho.

Antes de iniciar sobre o assunto é importante dizer que ainda temos mais perguntas do que respostas sobre a nossa resposta imunológica ao Coronavírus SARS- -COV2. Sabemos que há produção de resposta (defesa) celular e de anticorpos quando entramos em contato com o vírus, mas o quão é efetivo esta defesa e por quanto tempo ela dura, ainda não foi totalmente desvendado. Imunidade de rebanho é uma resistência coletiva a um patógeno que acontece quando uma parcela suficientemente grande de indivíduos na população adquire imunidade à infecção a ponto de que não encontre outras pessoas suscetíveis à doença, ou seja, desacelerando ou parando a disseminação e protegendo o percentual da população que ainda não teriam imunidade, sendo assim, pondo fim a Pandemia numa localidade.

A proporção para atingir a imunidade de rebanho varia de doença para doença. Inicialmente foi divulgado que na Covid-19 necessitaria de aproximadamente 60% da população imune para interromper esta cadeia de transmissão, mas com o avançar das pesquisas tem observado que este número pode ser menor. Um artigo publicado na revista Science concluiu através de um modelo matemático que leva em conta a heterogeneidade da população que, no caso da COVID-19, a taxa de indivíduos imunes seria de 43% para atingir a imunidade de rebanho.

Esses valores levam em conta que 100% da população fossem, no início da Pandemia, suscetível ao coronavírus, já que se trata de um vírus novo e que, portanto, causa uma doença nova. No entanto, alguns estudos publicados na revista NATURE e na revista CEll demonstraram que uma porcentagem da população possui uma imunidade cruzada ao Coronavírus SARS-COV2, muito provavelmente provocada por contato com outros coronavírus causadores de resfriados leves. Enfim, ainda não sabemos ao certo qual seria a porcentagem da população para se chegar à imunidade de rebanho e nem por quanto tempo um indivíduo infectado ficaria imune, mas sabemos que há duas estratégias para chegarmos nela.

A primeira e menos sofrida é através da vacina. Teríamos que ter uma política de saúde focada em manter o número de casos sempre muito baixo. Para tal, teríamos que testar todas as pessoas que apresentassem sintomas gripais com o exame adequado (RT-PCR) e em tempo oportuno, com posterior isolamento dos infectados e monitoramento destes e de todos os seus contatos. Isso manteria um número de casos novos baixos e, consequentemente, não causaria o caos na rede hospitalar. Desta forma, poderia haver um relaxamento da quarentena e a abertura da economia aos poucos. Esta foi à estratégia usada pelos países com os melhores desempenhos frente à Pandemia. Se tivéssemos sucesso nesta estratégia, poderíamos aguardar a chegada das vacinas e pouparíamos vidas.

A outra maneira de conseguir a imunidade de rebanho é através da infecção de um número elevadíssimo de pessoas. Estes teriam imunidade à doença, mesmo que provisória, e protegeria a menor parte da população que não tivesse sido infectada. Seria da mesma forma que acontecia com os seres humanos antes da descoberta das vacinas (1796) ou o que acontece no mundo animal selvagem, já que até os animais domesticados (cães, gatos, bovinos, etc.) também têm vacinas a disposição. Não há uma estratégia de controle da doença, os indivíduos vão se infectando e adquirindo imunidade à custa de muitas mortes.

Adivinha qual estratégia o Brasil escolheu? Na verdade nossa estratégia foi não ter estratégia. Optamos por fazer um isolamento meia-boca, investimos mais recursos em exames ineficazes no controle da doença (Testes Rápidos Sorológicos), os políticos não entraram em consenso, a população foi desorientada por fake news e optamos em focar mais no tratamento de doentes do que evitar que as pessoas adoecessem. Com raras exceções em atitudes firmes de alguns prefeitos em casos isolados, aqui desde o início foi um barco a deriva sem carta náutica. Um “seja o que Deus quiser”. Cansei de ouvir políticos e até gestores da saúde falarem que “não tem como fugir e a maioria vai se infectar mesmo”.

Neste ritmo de infecção que estamos presenciando, encarando o problema de forma estabanada e atrapalhada, fazendo da Pandemia um pandemônio, imagino que não vamos demorar muito a alcançar nossa meta macabra e atingiremos a imunidade de rebanho. Mas não da forma alinhada com a ciência e humanizada, mas pela incompetência. “Imitando os animais” selvagens, abrindo mão de tentar controlar a doença, infectando a maioria da população e sacrificando milhares de vidas.

ARTIGOS CITADOS:

https://science.sciencemag.org/content/369/6505/846

https://www.nature.com/articles/s41586-020-2550-z

https://www.cell.com/cell/fulltext/S0092-8674(20)30610-3

Gostaria de aproveitar e agradecer aos organizadores da Live Cultural promovida pela Paróquia Santo Antônio em comemoração a Semana Nacional da Família, pelo convite para um bate papo sobre a Covid-19. O evento aconteceu no último sábado (15/08) e teve transmissão pelo YouTube. Teve uma programação recheada de informações, músicas de qualidade, sorteio de brindes e recebeu doações de fraldas geriátricas, leite, etc. Obrigado, foi uma honra participar do evento.

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