Estado gerencial e concessão em regime de parceria Público-privada

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Um toque de qualidade na gestão pública

Jeferson Botelho Pereira – Professor de Direito Penal e Processo
Penal. Especialização em Combate à corrupção, Antiterrorismo e
combate ao crime organizado pela Universidade de Salamanca –

Espanha. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida
de Vitória/ES. Advogado e autor de obras jurídicas. Palestrante.

No campo da segurança pública, ganha destaque a parceria público-privada para a construção de estabelecimentos prisionais, sejam para cumprimento de pena privativa de liberdade, seja para o cumprimento de medidas socioeducativas, art. 112 da Lei nº 8.069/90, esta última modalidade rotulada de juvenil, com alguns ensaios de colorido inédito e caráter inovador para implantação no Brasil, projeto piloto que seria levado a efeito em Minas Gerais e Santa Catarina, como meios alternativos de atendimento ao adolescente em conflito com a lei, numa perspectiva traçada pelo Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), Lei nº 12.594, de 2012, sendo um dos objetivos perseguidos a integração social do adolescente e a garantia de seus direitos individuais e sociais, por meio do cumprimento de seu plano individual de atendimento.

Resumo: O presente texto tem por objeto primordial analisar de forma não exauriente a lógica do Estado gerencial na celebração dos contratos de parceria público-privada, com desiderato voltado para a consecução dos objetivos do Estado, de atender as necessidades da coletividade, e para isso, atuar dentro dos patrões da legalidade, moralidade e eficiência.

Palavras-chave: Estado; administração; gerencial; parceria; interesse; coletividade.

INTRODUÇÃO

Ab initio, torna-se imperativo conceituar Estado, tarefa nada fácil, mas segundo a grande maioria doutrinária, trata-se de uma entidade com poder de mando, e soberano para governar um povo dentro de uma área territorial delimitada. Assim, pode-se dizer que os elementos constitutivos do Estado se resume no poder, povo, território, governo e leis.

Na esfera sociológica Max Weber, entendia que o Estado traduzia no uso legítimo da força, e até nos dias atuais existe a percepção de que esse uso legítimo da força ocorre dentro dos parâmetros da legalidade observando a cláusula de direito fundamental segundo a qual ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei, art. 5º, inciso II, da Constituição da República Federativa de 1988.

E nesse sentido, quando o Estado chama para si a missão de distribuir justiça social, ele o faz obedecendo as normas de comando dentro dos critérios de atuação voltados para a realização do bem comum, nunca arbitrário, nem boçal, mais sempre fincado em propósitos destinados a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, consoante a parte exordial da Constituição Fortaleza.

A delegação de serviços públicos é uma prática instrumental, que busca concretizar o princípio da eficiência na Administração Pública. De acordo com o Manual para elaboração de Projetos de Concessão de serviços públicos ou uso público no âmbito do programa Paraná Parcerias, a concessão de serviços públicos é cada vez mais relevante na esfera internacional e nacional.

O mecanismo de delegação de serviços públicos por meio da concessão comum, administrativa ou patrocinada tem sido cada vez mais relevante na esfera pública internacional e nacional. Entre outros motivos, destacam-se dois fatores que contribuíram para o incremento do número de concessões. Primeiro, devido aos resultados gerados. A concessão de serviço ou de uso mostrou-se ao longo dos últimos anos uma ferramenta mais eficaz e eficiente em relação ao modelo de administração pública weberiana tradicional, permitindo uma melhor aplicação dos recursos públicos. Segundo, por fatores macroeconômicos que influenciam a arrecadação do Estado e trazem à luz políticas públicas de desoneração como alternativas de manutenção dos investimentos em períodos de baixo crescimento econômico.[1]

Assim, o propósito específico deste ensaio é analisar o Estado gerencial na consecução do contrato de parceria público-privado, passando necessariamente pelos conceitos de Administração Pública, na sua versão patrimonialista, burocrática e gerencial, abordando noções perfunctórias sobre contratos administrativos, com foco na análise nos contratos de parceria público-privada a teor da Lei nº 11.079, de 2004.

1 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

1.1 Conceito

O conceito de Administração Pública perpassa valores ligados a construção formal, material, operacional e visão global. Destarte, num conceito formal, Administração Pública é o conjunto de órgãos instituídos para consecução dos objetivos do Governo. Em sentido material, é o conjunto das funções necessárias aos serviços públicos em geral.

Numa acepção operacional é o desempenho perene e sistemático, legal e técnico, dos serviços próprios do Estado ou por ele assumidos em benefício da coletividade.

Por último, numa concepção global, Administração é, pois, todo o aparelhamento do Estado preordenado à realização de seus serviços, visando à satisfação das necessidades coletivas.

De tão importante o tema Administração Pública, que a Constituição Federal de 1988, reservou um capítulo para definir as normas gerais da matéria e estabelecer os princípios reitores, art. 37, dando conta que a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

[1] Manual para elaboração de Projetos de Concessão de serviços públicos ou uso público no âmbito do programa Paraná Parcerias. Disponível em http://www.parcerias.pr.gov.br/sites/parcerias/arquivos_restritos/files/documento/2020-04/manual_maio2018.pdf. Acesso em 04 de março de 2021.

  1. 2. Evolução histórica da Administração Pública

A evolução da Administração Pública se apresenta como histórica, é um processo da evolução humana. Assim, num modelo primitivo patrimonialista, não existia distinção por parte dos líderes políticos entre aquilo que era parte do patrimônio público e o privado em um determinado governo num dado instante da sociedade. Havia confusão entre os patrimônios público e particular.

Santiago afirma com autoridade que os governantes consideram o Estado como seu patrimônio, numa total confusão entre o que é público e o que é privado, noção que prevaleceu durante o período dos estados absolutistas. Tal fenômeno, (considerado como danoso para as economias e o desenvolvimento das modernas sociedades), porém, se mostra ainda bastante forte, e dependendo do desenvolvimento de cada país, estado ou município, sua intensidade é maior ou menor.[1]

Com o avançar dos tempos, surge a modelo de Administração Pública burocracia, deixando de existir a confusão entre o que era privado e o que era privado, surgindo hierarquia e rígidos regulamentos e uma rotina rígida, inflexível, dotada de uma influência ou prestígio de uma estrutura complexa de departamentos na administração da coisa pública.

A Administração Pública, nesse modelo burocrático, surge a nítida diferença entre o político nato e o administrador público. Nesse modelo, surgiram as burocracias públicas compostas por administradores profissionais com recrutamento e treinamento específicos. O relacionamento entre estas pessoas e os políticos devia ser marcado pela neutralidade dos primeiros. Os Estados democráticos, durante o século XX, tinham como principal modelo de administração pública.

Mafra entende que o modelo burocrático, presente na Constituição de 1988 e em todo o sistema do direito administrativo brasileiro, é baseado no formalismo e na presença constante de normas e rigidez de procedimentos.[3]

O tempo passa e logo, na segunda metade do século XX, surge a expansão das funções econômicas e sociais do Estado e ao desenvolvimento tecnológico, simultaneamente com os efeitos da globalização da economia mundial, e assim, os problemas associados à adoção do modelo burocrático passam a ser detectados de forma clara, exigindo tomada de postura do administrador para se adaptar à nova realidade dos tempos modernos.

O Estado gerencial passa por evolução em três ciclos, a saber: o Modelo Gerencial Puro, o New Public Management e o Public Service Orientation. SANTOS, comentando com autoridade esses ciclos, origem histórica e características, define assim:

O Modelo Gerencial Puro (em inglês – managerialism) foi criado na Inglaterra, durante o governo de Thatcher, em 1979, Abrucio (1997). As primeiras ações buscavam a reduzir custos e aumentar a eficiência da administração pública.

Sendo mais eficientes, as práticas do setor privado começam a serem inseridas na administração pública. Basicamente o gerencialismo tem como características principais: controle por resultados “a posteriori”, maior autonomia e flexibilidade, descentralização, responsabilidade (accountability), orientação para o cidadão, participação social, transparência e eficiência.

[2] SANTIAGO, Émerson. Patrimonialismo. Disponível em https://www.infoescola.com/sociologia/patrimonialismo. Acesso em 03 de março de 2021.

[3] MAFRA, Francisco. Administração Pública burocrática e gerencial. Disponível em https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/administracao-publica-burocratica-e-gerencial. Acesso em 03 de março de 2021.

[…] a administração gerencial moderna, fortemente influenciada pela postura pragmática das mega-empresas assim como pela exigência de transparência praticada no mundo anglo-saxônico, desloca o foco de interesse administrativo do Estado para o cidadão, do mesmo modo que, antes, a transição da administração patrimonialista, que caracterizava o absolutismo, para a administração burocrática, já havia deslocado o foco de interesse do Monarca para o Estado. (MOREIRA NETO, 1998, p.39 apud CAMPELO, 2010, p. 313).

Posteriormente, na década de 80, surge o New Public Managemant (ou Nova Gestão Pública), que apresenta a premissa da efetividade e a busca da qualidade na prestação de serviços a sociedade, priorizando a satisfação das necessidades dos cidadãos e não os interesses da máquina pública. Seus principais pilares são a descentralização, incentivo à competitividade e flexibilização dos modelos contratuais.

Na década de 90, temos a ascensão do Public Service Oriented – PSO, um aperfeiçoamento do New Public Managemant, sendo que esta última fase passa a qualificar o usuário como cidadão. A este são atribuídos deveres e não apenas direitos.  O modelo apresentava tinha como principais premissas: accountability, transparência, planejamento estratégico, equidade, flexibilidade, justiça e participação popular.

O PSO busca uma sinergia entre cidadão e Estado, priorizando não apenas a eficiência na prestação dos serviços, mas também a participação da sociedade no processo de planejamento das políticas de Estado. Podemos dizer que o referido modelo aponta para a descentralização como um alicerce da implementação de políticas públicas. De forma resumida este defende a eficiência administrativa sem deixar de executar o necessário para o cidadão, de maneira a permitir a fiscalização da sociedade quanto a efetividade dos resultados.

No entendimento de Martins (1997), o Public Service Oriented foca na remodelagem da esfera pública, definição das finalidades do Estado, participação, transparência, accountability, equidade e justiça. Esse prioriza o senso de coletividade do cidadão, sendo a esfera pública um instrumento de aperfeiçoamento da cultura cívica da sociedade.

As práticas gerenciais mais recentes buscam a equidade no acesso aos serviços, através do planejamento estratégico das ações, autonomia gerencial, transparência, foco no cidadão, responsabilidade fiscal, utilização de indicadores de desempenho e avaliação dos resultados. Assim a sociedade surge como fator importante na formulação de alternativas aos novos desafios enfrentados pelo Estado.

Estas novas alternativas são discutidas pela chamada “Nova Gestão Pública”, que defende uma mudança quanto a forma de se chegar ao alcance dos resultados no âmbito da administração pública, surgindo como fonte de pesquisa e orientação voltada ao aperfeiçoamento e modernização da gestão pública.

A Nova Administração Pública é definida como um debate profissional sobre a estrutura, a gestão e o controle da administração pública. Tal diálogo envolvendo os funcionários e a academia deve concentrar-se na busca por respostas às questões de como estruturar, gerenciar e controlar os sistemas burocráticos públicos (MARINI, 1999).[4]

2 CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

De bom alvitre lembra que o contrato administrativo é regido pela Lei Federal n° 8.666/93, a qual trata-se de norma geral e abstrata, e de competência da União, aplicando-se lhes, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado.

Os contratos devem estabelecer com clareza e precisão as condições para sua execução, expressas em cláusulas que definam os direitos, obrigações e responsabilidades das partes, em conformidade com os termos da licitação e da proposta a que se vinculam. Pode-se conceituar contrato administrativo como sendo todo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares, em que há um acordo de vontade para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas. 

A Lei Federal nº 8.666, de 1993, estabelece a previsão das cláusulas que devem constar do contrato administrativo, dentre outras as que estabelecem o objeto e seus elementos característicos, o regime de execução ou a forma de fornecimento, o preço e as condições de pagamento, os critérios, data-base e periodicidade do reajustamento de preços, os critérios de atualização monetária entre a data do adimplemento das obrigações e a do efetivo pagamento, os prazos de início de etapas de execução, de conclusão, de entrega, de observação e de recebimento definitivo, conforme o caso, as garantias oferecidas para assegurar sua plena execução, quando exigidas, os direitos e as responsabilidades das partes, as penalidades cabíveis e os valores das multas, os casos de rescisão.

A Lei nº 8.666/93 ainda prevê os casos de alteração dos contratos, a fiel execução pelas partes, a inexecução total ou parcial do contrato, consequente rescisão e consequências contratuais previstas em lei ou regulamento, e um forte sistema de sanções administrativas previstas a partir do artigo 86 da Lei em comento.

Nos contratos de parceria Público-privada, segundo prevê a Lei nº 11.079/2004, a modalidade de contrato administrativo é a concorrência, aquela prevista no artigo 22, inciso I, da LL, cuja conceito é aquele fornecido legalmente como sendo a modalidade de licitação entre quaisquer interessados que, na fase inicial de habilitação preliminar, comprovem possuir os requisitos mínimos de qualificação exigidos no edital para execução de seu objeto.

Existe especial semelhança do contrato administrativo com aquele celebrado na esfera privada. Hely Lopes Meirelles, ensina que:

 “A instituição do contrato é típica do Direito privado, baseada na autonomia da vontade e na igualdade jurídica dos contratantes, mas é utilizada pela Administração Pública, na sua pureza originária (contratos privados realizados pela Administração) ou com as adaptações necessárias aos negócios públicos (contratos administrativos propriamente ditos). Daí por que os princípios gerais dos contratos tanto se aplicam aos contratos privados (civis e comerciais) quanto aos contratos públicos, dos quais são espécies os contratos administrativos, os convênios e consórcios executivos e os acordos internacionais”.[5]

O que distingue o contrato administrativo do privado, ensina LATIF, é a supremacia do interesse público sobre o particular, que permite ao Estado certos benefícios sobre o particular que não existe no contrato privado. Estes benefícios ou peculiaridades são denominados pela doutrina de cláusulas exorbitantes e são previstas nos contratos administrativos de forma explícita ou implícita. Vejamos então as principais cláusulas exorbitantes.[6]


[4] SANTOS, Ânderson Ferreira dos. Administração Pública Brasileira: O modelo gerencial e as ferramentas de melhoria na gestão pública. Disponível em https://www.nucleodoconhecimento.com.br/administracao/o-modelo-gerencial. Acesso em 05 de março de 2021.

[5] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. Malheiros Editores: São Paulo, 2004.

3. A LEI Nº 11.079/2004 E A PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA

Para situar o pensamento do legislador na produção normativa da Lei de Parceria Público-privada, é importante frisar que a Lei Federal de PPP foi publicada em um cenário no qual a disponibilidade de recursos públicos para investimentos em infraestrutura mostrava-se limitada para atender toda a demanda existente. Destarte, a presente lei institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. A lei em apreço aplica-se aos órgãos da administração pública direta dos Poderes Executivo e Legislativo, aos fundos especiais, às autarquias, às fundações públicas, às empresas públicas, às sociedades de economia mista e às demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

As PPP podem ser instituídas como mecanismo para viabilizar projetos em diversos setores e serviços da Administração Pública, incluindo, mas não se limitando, Educação, Habitação, Mobilidade urbana, Prédios públicos, Saúde, Saneamento básico, Segurança pública, Transportes, incluindo rodovias, ferrovias, portos e aeroportos.

A título de exemplos, citam-se a construção do Complexo penal em Ribeirão das Neves, em Minas Gerais e Hospital do Subúrbio em Salvador, na Bahia. 

Importa mencionar que há restrições previstas na legislação quanto à aplicabilidade de PPP a algumas atividades. Assim, não podem ser objeto dessa modalidade contratual os serviços considerados indelegáveis, a exemplo do exercício de poder de polícia, de funções regulatórias e jurisdicionais e de outras atividades exclusivas do Estado (art. 4º, III da Lei Federal nº 11.079/2004).

Art. 4º Na contratação de parceria público-privada serão observadas as seguintes diretrizes:

I – (omissis)

III – indelegabilidade das funções de regulação, jurisdicional, do exercício do poder de polícia e de outras atividades exclusivas do Estado

3.1 Conceito

O conceito de parceria público-privada é extraído do próprio comando normativo, especificamente do artigo 2º da lei em testilha. Assim, parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa, aquela é a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei nº 8.987, de 1995, quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado, e esta é o contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens.

As concessões patrocinadas em que mais de 70% (setenta por cento) da remuneração do parceiro privado for paga pela Administração Pública dependerão de autorização legislativa específica.

[6] LATIF, Omar Aref Abdul, Contrato Administrativo. Disponível em https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/contrato-administrativo/. Acesso em 06 de março de 2021.

3.2 Particularidades e diretrizes do contrato de parceria público-privada

De início ressalta-se a norma constitucional, artigo 175 da CF88, segundo a qual, incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

No que diz respeito aos contratos de parceria público-privada, já pontua que é vedada a celebração de contrato de parceria público-privada, cujo valor do contrato seja inferior a R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais), cujo período de prestação do serviço seja inferior a 5 (cinco) anos; ou que tenha como objeto único o fornecimento de mão-de-obra, o fornecimento e instalação de equipamentos ou a execução de obra pública. Na contratação de parceria público-privada serão observadas as seguintes diretrizes:

I – eficiência no cumprimento das missões de Estado e no emprego dos recursos da sociedade;

II – respeito aos interesses e direitos dos destinatários dos serviços e dos entes privados incumbidos da sua execução;

III – indelegabilidade das funções de regulação, jurisdicional, do exercício do poder de polícia e de outras atividades exclusivas do Estado;

IV – responsabilidade fiscal na celebração e execução das parcerias;

V – transparência dos procedimentos e das decisões;

VI – repartição objetiva de riscos entre as partes;

VII – sustentabilidade financeira e vantagens socioeconômicas dos projetos de parceria.

É certo que as cláusulas devem ser previstas em qualquer contrato, lembrando que as cláusulas dos contratos de parceria público-privada atenderão ao disposto no art. 23 da Lei das Concessões comuns no que couber, devendo também prever:

I – o prazo de vigência do contrato, compatível com a amortização dos investimentos realizados, não inferior a 5 (cinco), nem superior a 35 (trinta e cinco) anos, incluindo eventual prorrogação;

II – as penalidades aplicáveis à Administração Pública e ao parceiro privado em caso de inadimplemento contratual, fixadas sempre de forma proporcional à gravidade da falta cometida, e às obrigações assumidas;

III – a repartição de riscos entre as partes, inclusive os referentes a caso fortuito, força maior, fato do príncipe e álea econômica extraordinária;

IV – as formas de remuneração e de atualização dos valores contratuais;

V – os mecanismos para a preservação da atualidade da prestação dos serviços;

VI – os fatos que caracterizem a inadimplência pecuniária do parceiro público, os modos e o prazo de regularização e, quando houver, a forma de acionamento da garantia;

VII – os critérios objetivos de avaliação do desempenho do parceiro privado;

VIII – a prestação, pelo parceiro privado, de garantias de execução suficientes e compatíveis com os ônus e riscos envolvidos, observados os limites dos §§ 3º e 5º do art. 56 da Lei de Licitações e, no que se refere às concessões patrocinadas, o disposto no inciso XV do art. 18 da Lei das Concessões.

IX – o compartilhamento com a Administração Pública de ganhos econômicos efetivos do parceiro privado decorrentes da redução do risco de crédito dos financiamentos utilizados pelo parceiro privado;

X – a realização de vistoria dos bens reversíveis, podendo o parceiro público reter os pagamentos ao parceiro privado, no valor necessário para reparar as irregularidades eventualmente detectadas.

XI – o cronograma e os marcos para o repasse ao parceiro privado das parcelas do aporte de recursos, na fase de investimentos do projeto e/ou após a disponibilização dos serviços, sempre que verificada a hipótese do § 2º do art. 6º da Lei de Parceria. 

§ 1º As cláusulas contratuais de atualização automática de valores baseadas em índices e fórmulas matemáticas, quando houver, serão aplicadas sem necessidade de homologação pela Administração Pública, exceto se esta publicar, na imprensa oficial, onde houver, até o prazo de 15 (quinze) dias após apresentação da fatura, razões fundamentadas nesta Lei ou no contrato para a rejeição da atualização.

De acordo com o artigo 6º da Lei de Parceria público privada, a contraprestação da Administração Pública nos contratos de parceria público-privada poderá ser feita por:

I – ordem bancária;

II – cessão de créditos não tributários;

III – outorga de direitos em face da Administração Pública;

IV – outorga de direitos sobre bens públicos dominicais;

V – outros meios admitidos em lei.

4 A EXIGÊNCIA DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO NA PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA

Todo cidadão que vive em sociedade sabe muito bem que os contratos celebrados, verbal ou escrito, devem ser cumpridos. Essa obrigatoriedade, é claro, nasce nos termos do contrato e decorre naturalmente de sua função social. E aqui a ideia de em matéria principiológica, agora sim, todo profissional do direito sabe ou deve conhecer o vetusto princípio dessa obrigatoriedade, o conhecido por pacta sunt servanda, que traduz a obrigatoriedade decorrente dos termos ajustados, o que lhe confere utilidade econômica e social.

Em se tratando de contrato administrativo, vigora o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular, também conhecido como princípio da finalidade ou finalidade pública, decorre da superioridade do interesse coletivo frente ao particular. E a lei em vigor prevê as chamadas cláusulas exorbitantes, aquelas prerrogativas especiais da administração pública exatamente em função desse princípio da supremacia do interesse da coletividade, em especial, aquelas prerrogativas conferidas à Administração Pública em face do jus imperi, fazer cumprir com exatidão e correção as cláusulas pactuadas no contrato.

Dentre as importantes cláusulas exorbitantes estão a possibilidade de alteração unilateral do contrato pela Administração, a rescisão unilateral, a fiscalização e transparência nas decisões na execução dos contratos e a aplicação de sanções administrativas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sabe-se que a Administração Pública é uma grande empregada do povo, sua função primordial, consubstanciada nas ações de seus agentes públicos, na exata análise de Otto Gierke, precursor da Teoria do Órgão[1] ou Teoria da Imputação Volitiva é sem sombra de dúvidas executar com rigor e apreço a ética os trabalhos de gestão dos bens e interesses da sociedade com eficiência, respeito, lisura, probidade e legalidade estrita, sendo que a Lei de Parceria Público privada traz importantes diretrizes de cumprimento cogente, em especial aqueles definidos no artigo 4º da Lei nº 11.079/2004, notadamente a fiel eficiência no cumprimento das missões de Estado e no emprego dos recursos da sociedade, o respeito aos interesses e direitos dos destinatários dos serviços e dos entes privados incumbidos da sua execução, a indelegabilidade das funções de regulação, jurisdicional, do exercício do poder de polícia e de outras atividades exclusivas do Estado, a responsabilidade fiscal na celebração e execução das parcerias, a transparência dos procedimentos e das decisões, a repartição objetiva de riscos entre as partes e a sustentabilidade financeira e vantagens socioeconômicas dos projetos de parceria.

Acerca do controle dos bens reversíveis, é relevante considerar que a Lei de PPP determina de forma imperativa a realização de vistoria dos bens reversíveis, podendo o parceiro público reter os pagamentos ao parceiro privado, no valor necessário para reparar as irregularidades eventualmente detectadas.

Assim, o bom gestor público deve possuir senso de responsabilidade na condução de suas missões institucionais, zelando pela correta aplicação dos recursos públicos, inclusive no exercício do seu poder de polícia, poderá a administração pública na sua atividade, limitar e disciplinar direito, interesse ou liberdade, regular a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, a teor do artigo 78 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966.

E nesse sentido, arrisco em afirmar com todas as letras que o grande desafio do gestor na Administração Pública é a transparência dos procedimentos e justiça das decisões. A conduta do gestor público gerencial deve voltar sua atenção na gerência de investimentos e geração de empregos, no implacável incentivo a fiscalização e a transparência, na busca da redução dos custos dos serviços por meio de fontes alternativas de investimento e sobretudo na profissionalização da gestão dos serviços, mesmo porque não há lugar nesse modelo de gestão para sinecuras ou prebendas que vivem de favores de amigos, que pulam de galho em galho feito garrinchas e tizius para se manterem no serviço público.

Assim, as decisões administrativas devem ser tomadas a luz da legalidade, com responsabilidade e ética, se preciso for deve o agente público comprometido com os ideais de justiça, prender em flagrante delito na forma do artigo 301 do Código de Processo Penal, aqueles sanguessugas desavisados que gostam de dilapidar o erário público, aqueles marginais que vivem homiziados nos umbrais dos órgãos públicos e se arriscam em desviar suas condutas quando exigida retidão e apreço com os valores e bens públicos.[8]

[7] Teoria do Órgão. A teoria do órgão enuncia que toda atuação do agente público deve ser imputada ao órgão que ele representa e não à sua pessoa. Por consequência, sendo o órgão uma divisão das pessoas que compõe a Administração Pública direta ou indireta, a atuação dos servidores públicos é atribuída diretamente à pessoa jurídica para a qual trabalha. Essa ideia, também denominada teoria ou princípio da imputação volitiva, surgiu no fim do séc. XIX pelo trabalho do jurista alemão Otto Gierke. A inspiração é biológica, sendo os órgãos públicos entendidos como os próprios órgãos de nossos corpos. Da mesma forma que quando alguém bate em outro a culpa não é exclusivamente de sua mão, mas de todo o indivíduo, a atuação de órgão público deve gerar a responsabilização de toda a pessoa jurídica.

[8] Código de Processo Penal. Art. 301. Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.

Com a nova concepção de uma Administração Pública no modelo gerencial, numa concepção moderna,  cuja essência é marcada por um forte esquema de controle, a priori e a posteriori, com os olhos voltados para a evolução dos meios tecnológicos, reprimindo a abjeta intervenção de abusos do poder econômico, deve o agente público ter a necessária consciência e clareza de que sua missão é cuidar dos interesses públicos, é amar os valores da coletividade, e toda vez que houver conflito entre bens ou interesses individuais e coletivos, a conduta do agente público deve se aproximar da lógica da preponderância, a melhor decisão a ser tomada é aquela que se inclina para o atendimento à supremacia da coletividade, mesmo porque o setor público não é balcão de fantasias nem desejos econômicos, não pode servir de lugar para a exploração de riquezas, devendo prevalecer a ideia consistente na máxima segundo a qual a administração pública é um depositário do conjunto dos bens alocados e pertencentes ao povo, cabendo ao gestor público cuidar dessa riqueza coletiva e prestar contas de sua administração, com transparência e lisura, sob pena de cometer crime nojento de peculato contra a sociedade. 

Relevante lembrar que as PPP podem ser realizadas para viabilizar projetos em diversos setores e serviços, incluindo, educação, habitação, mobilidade urbana, prédios públicos, saúde, saneamento básico, segurança pública, transportes, incluindo ainda rodovias, ferrovias, portos e aeroportos.

No campo da segurança pública, ganha destaque a parceria público-privada para a construção de estabelecimentos prisionais, sejam para cumprimento de pena privativa de liberdade, seja para o cumprimento de medidas socioeducativas, art. 112 da Lei nº 8.069/90, esta última modalidade rotulada de juvenil, com alguns ensaios de colorido inédito e caráter inovador para implantação no Brasil, projeto piloto que seria levado a efeito em Minas Gerais e Santa Catarina, como meios alternativos de atendimento ao adolescente em conflito com a lei, numa perspectiva traçada pelo Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), Lei nº 12.594, de 2012, sendo um dos objetivos perseguidos a integração social do adolescente e a garantia de seus direitos individuais e sociais, por meio do cumprimento de seu plano individual de atendimento.

Por derradeiro, é coerente afirmar que gerenciamento é substituir músculos por pensamentos, folclore e superstição por conhecimento, e força por cooperação, nas sábias palavras de Peter Ferdinand Drucker, e assim, não se pretende mudar o mundo, mas é possível mudar a concepção dos gestores, lançar luzes em trevas, conscientizar os agentes públicos para adoção de postura firme e austera, mudança de atitude em prol da preservação do patrimônio público, pois a maior necessidade de um Estado é a ter em suas fileiras gestores corajosos e dispostos a lutar contra o interesse econômico que predomina nas relações de investidores no setor público, não se olvidando que a Administração Pública não é lugar para a realização de sonhos, não é parque de diversões para extravasar emoções, quimeras e devaneios, mas lugar onde se predomina o somatório de riqueza coletiva, fruto de suor do povo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Código de Processo Penal. Decreto-Lei nº 3689, de 03 de outubro de 1941. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689Compilado.htm. Acesso em 05 de março de 2021.

BRASIL, Lei nº 11.079, de 2004. Lei de Parceria Público-privada. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Lei/L11079.htm.

BRASIL. Lei nº 5.172, de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5172Compilado.htm.

BRASIL. Lei nº 8.987, de 1995. Dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal, e dá outras providências. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8987cons.htm. Acesso em 06 de março de 2021.

LATIF, Omar Aref Abdul, Contrato Administrativo. Disponível em https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/contrato-administrativo/. Acesso em 06 de março de 2021

MAFRA, Francisco. Administração Pública burocrática e gerencial. Disponível em https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/administracao-publica-burocratica-e-gerencial. Acesso em 03 de março de 2021.

Manual para elaboração de Projetos de Concessão de serviços públicos ou uso público no âmbito do programa Paraná Parcerias. Disponível em http://www.parcerias.pr.gov.br/sites/parcerias/arquivos_restritos/files/documento/2020-04/manual_maio2018.pdf. Acesso em 04 de março de 2021.

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