Pobreza menstrual: falta dinheiro, água e saneamento, sobra constrangimento

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Juliana Lemes da Cruz.
Doutoranda em Política Social – UFF.
Pesquisadora GEPAF/UFVJM.
Coordenadora do Projeto MLV.
Contato: julianalemes@id.uff.br

Uma série de questões importantes envolvem o tema da menstruação, que, antes de mais nada, ainda é um tabu. Chega a ser estranho reconhecer que menstruar faz parte do funcionamento do corpo humano, já que está tão associado à vergonha, ao nojo e ao constrangimento. A Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu no ano de 2014, o direito à higiene menstrual como questão de saúde pública e de direitos humanos. Embora seja uma condição conferida aos corpos que dispõem de útero, não é um processo de responsabilidade exclusiva dos corpos menstruantes, mas sim, da sociedade.

Para o desenvolvimento desse novo olhar e a quebra do tabu que envolve a menstruação, necessário reconhecer que há pessoas que não têm acesso aos produtos básicos de higiene menstrual. Muitas, inclusive, se utilizam de pedaços de pano, papelão, papel higiênico, jornal e até miolo de pão para contenção do fluxo durante o período menstrual. Segundo a ONU, uma a cada dez meninas falta à aula por conta da falta de privacidade nos banheiros da escola e/ou por falta de dinheiro para custear absorventes higiênicos.

O conceito de pobreza menstrual está diretamente relacionado à falta de três elementos: 1) dinheiro; 2) água; e 3) saneamento básico. Por isso, a correlação das distintas perspectivas de políticas públicas faz tanto sentido para a qualidade de vida dos corpos que menstruam. O não acesso aos produtos básicos de higiene menstrual, como absorventes descartáveis é um relevante problema para pessoas em situação de vulnerabilidade socioeconômica. Em média, há gasto de R$12 (doze reais) por mês para a compra de absorventes higiênicos tradicionais e/ou absorventes internos. Isso ainda afeta a questão do descarte dos resíduos, que, por vezes, se faz de maneira imprópria.

A falta da água, por exemplo, inviabiliza a utilização de opções sustentáveis para uso durante o ciclo menstrual, como exemplos: absorventes de pano (com base nas versões utilizadas por mulheres em décadas passadas); os copos coletores de silicone (com durabilidade de até 10 anos); e as calcinhas absorventes, que são laváveis. Além disso, no período menstrual exige-se mais a higienização do corpo, em razão do fluxo, que pode variar de um mês para o outro. A falta de saneamento básico impacta diretamente pessoas que menstruam, pois, o período exige controle do fluxo, privacidade para os cuidados básicos e descarte dos resíduos.

O(a) leitor(a) pode estar se perguntando: por que não falar diretamente sobre meninas e mulheres, ao invés de corpos menstruantes? Explico. Quando falamos em menstruação nos referimos aos corpos que têm útero, e nem sempre, a identidade desses corpos é feminina. Há pessoas que nascem com um útero, mas, não necessariamente se identificarão, ao longo da vida, como uma menina ou uma mulher. É o caso dos homens transexuais que, mesmo modificando alguns aspectos físicos, podem permanecer menstruantes.

E o que dizer dos corpos menstruantes em situação de rua, cárcere, albergados, moradores de áreas rurais/remotas e refugiados? Já parou para pensar como essas pessoas estão lidando com o ciclo menstrual? Pois bem. A pobreza menstrual é uma realidade e merece um tratamento diferenciado e espaço na agenda política do país. Em alguns estados do Brasil, a exemplo de Minas Gerais, a oferta de absorventes higiênicos nas escolas públicas, nas unidades básicas de saúde, nas unidades e abrigos e nas unidades prisionais já faz parte da pauta política. Por unanimidade (52 votos a 0), o Projeto de Lei nº 1428/2020, apresentado pela deputada estadual Leninha, foi aprovado pelo plenário da Câmara em primeiro turno em 01/06/2021.

Nos distintos ciclos de vida, o período menstrual afeta de maneiras específicas quem menstrua. Na adolescência, por exemplo, os corpos menstruantes absorvem e reproduzem ensinamentos do núcleo familiar, comumente, associando a menstruação à sujeira e à vergonha. As meninas têm a infância interrompida se menstruam (tornam-se “mocinhas”), são orientadas a fazerem uso dos absorventes com reservas, para que ninguém desconfie que ela está no período menstrual; e a conterem as cólicas menstruais com uso de medicamentos para as dores abdominais. Sem terem noção do que replicam, as famílias acabam por fomentar uma violência de gênero normalizada. É violento porque atribui a uma condição biológica das pessoas menstruantes, o constrangimento e a culpa por sangrar.

É violento porque, no mercado de trabalho, o ciclo menstrual e todas as alterações hormonais a ele relacionadas não são consideradas. É violento porque as mulheres são ensinadas a esconder que estão menstruadas; a acreditar que são/estão sujas; e por, nem sempre, encontrarem sanitários adequados para a troca do absorvente/coletor/ calcinha. Por vezes, corpos que menstruam, mesmo na emergência, são constrangidos a não acessarem certos espaços. O que reafirma o quão violento é, ser pessoa menstruante em uma sociedade em que a temática da menstruação ainda é tabu. (Sugestão: Pobreza menstrual – o filme. Disponível no Youtube).

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