Proteção da Infância, uma necessidade social
Podemos facilmente perdoar uma criança que tem medo do escuro; a real tragédia da vida é quando os homens têm medo da luz. (Platão)
RESUMO. O presente ensaio tem por escopo precípuo analisar sem caráter exauriente a criminalidade juvenil no Brasil, com abordagens na construção dos Tratados e Convenções Internacionais, a evolução histórico-legislativa alusiva ao direito juvenil no país, os atos infracionais praticados por adolescentes em conflito com a lei e as respectivas medidas socioeducativas aplicáveis.
Palavras-Chave. Política juvenil; proteção; socioeducacional; legislação; evolução; doutrina; integral.
NOTAS INTRODUTÓRIAS
Sabe-se que a política pública de Segurança no Brasil passa, necessariamente, por medidas multifatoriais, e nessa perspectiva é claro que o seu enfrentamento também se deve às medidas de combate à chamada criminalidade juvenil, não perdendo de vista que essas medidas são de natureza diversas, assim, quando se trabalha da produção de normas rígidas de proteção ao jovem, ou ainda quando se adotam as políticas socioeducativas ao adolescente em conflito com a lei, às vezes mudando de tratamento por meio de diversos órgãos, Ministério da Justiça e Segurança Pública, Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, e por vezes, criação ou modificação de atos normativos por meio de parlamentares do Congresso Nacional.
Com objetivo de proteger os jovens e a própria sociedade, o legislador tem tentado nos últimos tempos agravar as penas previstas na Lei sobre drogas quando a conduta do traficante se destinasse ou alcançasse crianças ou adolescentes. A guisa de exemplos, cita-se a revogada Lei nº 6368, de 1976, que previu no artigo 18, inciso III, uma causa de aumento de pena, cujas penas eram aumentadas de 1/3 a 2/3 quando os crimes visassem a menores de 21 anos.
Atualmente, a Lei sobre drogas, Lei nº 11.343, de 2006, que revogou a antiga Lei nº 6368/76, também contém uma causa de aumento de pena, no artigo 40, VI, na ordem de uma dois terços, quando a prática dos crimes envolver ou visar a atingir criança ou adolescente ou a quem tenha, por qualquer motivo, diminuída ou suprimida a capacidade de entendimento e determinação.
Ainda na esfera normativa protetiva dos direitos da Infância e da Juventude, surgem diversas normas penais importantes, previstas no Código Penal e no Estatuto da Criança e do Adolescente. No Código Penal, tem-se como circunstâncias agravantes, artigo 61, II, do CP, ter o agente cometido o crime h) contra criança, maior de 60 (sessenta) anos, enfermo ou mulher grávida. Ainda no Código Penal, tem-se o artigo 218, corrupção de menores, consistente na conduta de induzir alguém menor de 14 (catorze) anos a satisfazer a lascívia de outrem, com pena de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.
Nesse mesmo sentido o artigo 218-B, favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável, consistente na conduta de submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone, com pena de reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, aliás crime hediondo, previsto no artigo 1º, VIII, da Lei nº 8.072, de 90.
Já o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê inúmeras condutas criminosas, artigo 228 usque 244-B, justamente este último consistente na conduta de corromper ou facilitar a corrupção de menor de 18 (dezoito) anos, com ele praticando infração penal ou induzindo-o a praticá-la, cuja pena cominada é de reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.
A PROTEÇÃO DOS DIREITOS JUVENIS E O DIREITO COMPARADO
A proteção dos direitos da criança e do adolescente sempre contou com a participação de Organismos Internacionais, desde a Liga das Nações, construindo normas de proteção e respeito à dignidade dos jovens. Sem pretensão de exaurir esse palpitante tema, tem-se uma nota de corte a Declaração Universal dos Direitos da Criança de 1924, com a famosa Declaração de Genebra, aprovada em 26 de setembro de 1924 pela Assembleia da então Liga das Nações.
No dia 20 de novembro de 1959, por aprovação unânime, a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou a Declaração dos Direitos da Criança. Assim, essa Declaração dos Direitos da Criança, visando que a criança tenha uma infância feliz e possa gozar, em seu próprio benefício e no da sociedade, os direitos e as liberdades aqui enunciados e apela a que os pais, os homens e as mulheres em sua qualidade de indivíduos, e as organizações voluntárias, as autoridades locais e os Governos nacionais reconheçam estes direitos e se empenhem pela sua observância mediante medidas legislativas e de outra natureza, progressivamente instituídas, de conformidade com 10 princípios, a saber:
PRINCÍPIO 1º A criança gozará todos os direitos enunciados nesta Declaração. Todas as crianças, absolutamente sem qualquer exceção, serão credoras destes direitos, sem distinção ou discriminação por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição, quer sua ou de sua família.
PRINCÍPIO 2º A criança gozará proteção especial e ser-lhe-ão proporcionadas oportunidades e facilidades, por lei e por outros meios, a fim de lhe facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, de forma sadia e normal e em condições de liberdade e dignidade. Na instituição de leis visando este objetivo levar-se-ão em conta sobretudo, os melhores interesses da criança.
PRINCÍPIO 3º Desde o nascimento, toda criança terá direito a um nome e a uma nacionalidade.
PRINCÍPIO 4º A criança gozará os benefícios da previdência social. Terá direito a crescer e criar-se com saúde; para isto, tanto à criança como à mãe, serão proporcionados cuidados e proteção especiais, inclusive adequados cuidados pré e pós-natais. A criança terá direito a alimentação, habitação, recreação e assistência médica adequadas.
PRINCÍPIO 5º À criança incapacitada física, mental ou socialmente serão proporcionados o tratamento, a educação e os cuidados especiais exigidos pela sua condição peculiar.
PRINCÍPIO 6º Para o desenvolvimento completo e harmonioso de sua personalidade, a criança precisa de amor e compreensão. Criar-se-á, sempre que possível, aos cuidados e sob a responsabilidade dos pais e, em qualquer hipótese, num ambiente de afeto e de segurança moral e material; salvo circunstâncias excepcionais, a criança de tenra idade não será apartada da mãe. À sociedade e às autoridades públicas caberá a obrigação de propiciar cuidados especiais às crianças sem família e aquelas que carecem de meios adequados de subsistência. É desejável a prestação de ajuda oficial e de outra natureza em prol da manutenção dos filhos de famílias numerosas.
PRINCÍPIO 7º A criança terá direito a receber educação, que será gratuita e compulsória pelo menos no grau primário. Ser-lhe-á propiciada uma educação capaz de promover a sua cultura geral e capacitá-la a, em condições de iguais oportunidades, desenvolver as suas aptidões, sua capacidade de emitir juízo e seu senso de responsabilidade moral e social, e a tornar-se um membro útil da sociedade. Os melhores interesses da criança serão a diretriz a nortear os responsáveis pela sua educação e orientação; esta responsabilidade cabe, em primeiro lugar, aos pais. A criança terá ampla oportunidade para brincar e divertir-se, visando os propósitos mesmos da sua educação; a sociedade e as autoridades públicas empenhar-se-ão em promover o gozo deste direito.
PRINCÍPIO 8º A criança figurará, em quaisquer circunstâncias, entre os primeiros a receber proteção e socorro.
PRINCÍPIO 9º A criança gozará proteção contra quaisquer formas de negligência, crueldade e exploração. Não será jamais objeto de tráfico, sob qualquer forma. Não será permitido à criança empregar-se antes da idade mínima conveniente; de nenhuma forma será levada a ou ser-lhe-á permitido empenhar-se em qualquer ocupação ou emprego que lhe prejudique a saúde ou a educação ou que interfira em seu desenvolvimento físico, mental ou moral.
PRINCÍPIO 10º A criança gozará proteção contra atos que possam suscitar discriminação racial, religiosa ou de qualquer outra natureza. Criar-se-á num ambiente de compreensão, de tolerância, de amizade entre os povos, de paz e de fraternidade universal e em plena consciência que seu esforço e aptidão devem ser postos a serviço de seus semelhantes
Importante instrumento internacional foi a Convenção Internacional dos Direitos da Criança de 1989, promulgada pelo Brasil por meio do Decreto nº 99.710, de 21 de novembro de 1990. A referida Convenção é formada de 54 artigos, textos produzidos em árabe chinês, espanhol, francês, inglês e russo. Dentre outras considerações, a Convenção chama a atenção do fato de que toda criança deve estar plenamente preparada para uma vida independente na sociedade e deve ser educada de acordo com os ideais proclamados na Cartas das Nações Unidas, especialmente com espírito de paz, dignidade, tolerância, liberdade, igualdade e solidariedade.
E tendo em conta que a necessidade de proporcionar à criança uma proteção especial foi enunciada na Declaração de Genebra de 1924 sobre os Direitos da Criança e na Declaração dos Direitos da Criança adotada pela Assembleia Geral em 20 de novembro de 1959, e reconhecida na Declaração Universal dos Direitos Humanos, no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (em particular nos Artigos 23 e 24), no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (em particular no Artigo 10) e nos estatutos e instrumentos pertinentes das Agências Especializadas e das organizações internacionais que se interessam pelo bem-estar da criança.
E por fim, reconhece que em todos os países do mundo existem crianças vivendo sob condições excepcionalmente difíceis e que essas crianças necessitam consideração especial. Para efeitos da referida Convenção considera-se como criança todo ser humano com menos de dezoito anos de idade, a não ser que, em conformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada antes.
Existem outras Regras Internacionais tratando da política juvenil no mundo. Assim, tem-se as Regras Mínimas das Nações Unidas para Administração da Justiça Juvenil – Regras de Beijing (1985), as Diretrizes das Nações Unidas para Prevenção da Delinquência Juvenil – Diretrizes de Riad (1990), as Regras Mínimas das Nações Unidas para Proteção dos Jovens Privados de Liberdade – as Regras de Havana (1990), e as Regras Mínimas das Nações Unidas para Medidas Não Privativas de Liberdade – Regras de Tóquio (1990), também de 1990.
Assim, nas Regras de Beijing, conceder-se-á a devida atenção à adoção de medidas concretas que permitam a mobilização de todos os recursos disponíveis, com a inclusão da família, de voluntários e outros grupos da comunidade, bem como da escola e de demais instituições comunitárias, com o fim de promover o bem-estar da criança e do adolescente, reduzir a necessidade da intervenção legal e tratar de modo efetivo, equitativo e humano a situação de conflito com a lei. A Justiça da Infância e da Juventude será concebida como parte integrante do processo de desenvolvimento nacional de cada país e deverá ser administrada no marco geral de justiça social para todos os jovens, de maneira que contribua ao mesmo tempo para a sua proteção e para a manutenção da paz e da ordem na sociedade.
Na Diretrizes de Riad, são elencados alguns princípios reitores, dentre os quais, consta que a prevenção da delinquência juvenil é parte essencial da prevenção do delito na sociedade. Dedicados a atividades lícitas e socialmente úteis, orientados rumo à sociedade e considerando a vida com critérios humanistas, os jovens podem desenvolver atitudes não criminais. Para ter êxito, a prevenção da delinquência juvenil requer, por parte de toda a sociedade, esforços que garantam um desenvolvimento harmônico dos adolescentes e que respeitem e promovam a sua personalidade a partir da primeira infância.
Ainda nas Diretrizes de Riad, é necessário que se reconheça a importância da aplicação de políticas e medidas progressistas de prevenção da delinquência que evitem criminalizar e penalizar a criança por uma conduta que não cause grandes prejuízos ao seu desenvolvimento e que nem prejudique os demais. Essas políticas e medidas deverão conter o seguinte:
a) criação de meios que permitam satisfazer às diversas necessidades dos jovens e que sirvam de marco de apoio para velar pelo desenvolvimento pessoal de todos os jovens, particularmente daqueles que estejam patentemente em perigo ou em situação de insegurança social e que necessitem um cuidado e uma proteção especiais.
b) critérios e métodos especializadas para a prevenção da delinquência, baseados nas leis, nos processos, nas instituições, nas instalações e uma rede de prestação de serviços, cuja finalidade seja a de reduzir os motivos, a necessidade e as oportunidades de cometer infrações ou as condições que as propiciem.
c) uma intervenção oficial cuja principal finalidade seja a de velar pelo interesse geral do jovem e que se inspire na justiça e na equidade.
d) proteção do bem-estar, do desenvolvimento, dos direitos e dos interesses dos jovens.
e) reconhecimento do fato de que o comportamento dos jovens que não se ajustam aos valores e normas gerais da sociedade são, com frequência, parte do processo de amadurecimento e que tendem a desaparecer, espontaneamente, na maioria das pessoas, quando chegam à maturidade, e
f) consciência de que, segundo a opinião dominante dos especialistas, classificar um jovem de “extraviado”, “delinquente” ou “pré-delinquente” geralmente favorece o desenvolvimento de pautas permanentes de comportamento indesejado.
Pelas Regras de Havana, das Nações Unidas para a Proteção dos Menores Privados de Liberdade, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 14 de dezembro de 1990, declara que a colocação de um jovem numa instituição deve ser sempre uma decisão do último recurso e pelo mínimo período de tempo necessário. Reconhece que, dada a sua alta vulnerabilidade, os jovens privados de liberdade requerem uma atenção e proteção especiais e que os seus direitos e bem-estar devem ser garantidos durante e depois do período em questão privados de liberdade.
Por fim, pelas Regras de Tóquio, fomenta-se que as medidas não privativas de liberdade devem ser aplicadas de acordo com o princípio da intervenção mínima. Assim, devem ser estimuladas e encorajadas a aplicação cada vez mais de medidas alternativas da prisão.
EVOLUÇÃO LEGISLATIVA DO DIREITO JUVENIL NO BRASIL
Desde a edição das Ordenações Filipinas de 1603, o Brasil Colonial já dispunha de normas atinentes à política da Infância e da Juventude. Pode-se facilmente considerar que o sistema punitivo impingido ao menor infrator era severo, o que resta evidenciado pela seguinte passagem:
“De acordo com as Ordenações Filipinas, a imputabilidade penal iniciava-se aos sete anos, eximindo-se o menor da pena de morte e concedendo-lhe redução da pena. Entre dezessete e vinte e um anos havia um sistema de ‘jovem adulto’, o qual poderia até mesmo ser condenado à morte, ou, dependendo de certas circunstâncias, ter sua pena diminuída. A imputabilidade penal plena ficava para os maiores de vinte e um anos, a quem se cominava, inclusive, a pena de morte para certos delitos.
Nessa toada, logo após a Independência do Brasil, a Constituição Política do Império de 1824, de 25 de março, cujos direitos fundamentais foram tratados no artigo 179, bem na parte final do corpo constitucional, já determinava no seu parágrafo XVIII, a criação o quanto antes de um Código Civil e Criminal, fundado nas sólidas bases da Justiça e da Equidade.
Depois desse comando constitucional nasceu o primeiro Código Imperial de 1830. Sobre a imputabilidade penal, é importante mencionar o artigo 10 do Código Criminal de 1830, prescrevendo que não eram julgados criminosos os menores de quatorze anos, os loucos de todo o gênero, salvo se tiverem lúcidos intervalos e neles cometerem o crime e os que cometerem crimes violentados por força ou por meio irresistível.
Por outro lado, se ficasse provado que os menores de quatorze anos, que tiverem cometido crimes, obraram com discernimento, deveriam ser recolhidos às casas de correção, pelo tempo que ao Juiz parecer, com tanto que o recolhimento não exceda à idade de dezessete anos.
O Código Penal Republicano de 1890 adotou uma sistemática um pouco diversa, pois determinava a inimputabilidade absoluta aos menores de nove anos completos; aumentou, portanto, o marco anteriormente adotado. Para os maiores de nove e menores de quinze, procedia-se a uma análise acerca do discernimento para que fosse afirmada, ou não, a responsabilidade criminal. De acordo com o dispositivo da época:
Art. 27. Não são criminosos:
§ 1º Os menores de 9 anos completos;
§ 2º Os maiores de 9 e menores de 14, que obrarem sem discernimento.
Sobre a imputabilidade penal, a matéria atual recebe tratamento constitucional, no Código Penal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, a saber:
Constituição da República de 1988 – Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.
Código Penal de 1940 – Menores de dezoito anos
Art. 27- Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.
Estatuto da Criança e do Adolescente – Art. 104. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei.
Acerca do famoso Código Melo Matos, este foi idealizado por meio do Decreto 17.943-A, de 12-10-1927. Assim, em 1927, o Brasil teve o primeiro Código de Menores, conhecido como Código Melo Mattos.
Reafirma-se que o ‘Código Mello Mattos’ era o Decreto 17.943-A, de 12-10-1927. Tinha 231 artigos e foi assim chamado em homenagem a seu autor, o jurista José Cândido de Albuquerque Mello Mattos. Nascido em Salvador/BA, em 19-03-1864. Mello Mattos seria não apenas o seu idealizador, mas também o 1° juiz de Menores do Brasil, nomeado em 02- 02-1924, exercendo o cargo na então capital federal, cidade do Rio de Janeiro, criado em 20-12-1923, até o seu falecimento, em 1934.
Logo em seguida vigorou no Brasil, o Código de Menores de 1979 – Lei nº 6.697, de 10 de outubro de 1979, que foi revogado pelo artigo 267 do atual Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº 8.069, de 1990.
Importa salientar que o Estatuto da Criança e do Adolescente possui 31 anos de existência, já tendo sido modificado por 31 leis, exatamente uma modificação por ano, a saber: Lei nº 8.242, de 1991, Lei nº 9.532, de 1997, Lei nº 9.975, de 2000, Lei nº 10.764, de 2003, Lei nº 11.259, de 2005, Lei nº 11.185, de 2005, Lei nº 11.829, de 2008, Lei nº 12.010, de 2009, Lei nº 12.038, de 2009, Lei nº 12.015, de 2009, Lei nº 12.696, de 2012, Lei nº 12.594, de 2012, Lei nº 13.046, de 2014, Lei nº 12.962, de 2014, Lei nº 13.010, de 2014, Lei nº 13.106, de 2015, Lei nº 13.306, de 2016, Lei nº 13.257, de 2016, Lei nº 13.438, de 2017, Lei nº 13.436, de 2017, Lei nº 13.431, de 2017, Lei nº 13.441, de 2017, Lei nº 13.440, de 2017, Lei nº 13.509, de 2017, Lei nº 13.798, de 2019, Lei nº 13.845, de 2019, Lei nº 13.840, de 2019, Lei nº 13.812, de 2019, Lei nº 13.824, de 2019, Lei nº 13.869, de 2019 e Lei nº 14.154, de maio de 2021.
DO ATO INFRACIONAL PRATICADO POR ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI
Logo de plano é preciso definir o conceito de ato infracional. Assim, de acordo com o artigo 103 do Estatuto da Criança e do Adolescente, considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal. Para efeitos da Lei nº 8.069, de 90, deve ser considerada a idade do adolescente à data do fato, consoante parágrafo único, artigo 104 do ECA.
Desta forma, se o adolescente pratica um crime de homicídio, logo é correto afirmar que o adolescente em conflito com a lei praticou em tese um ato infracional análogo ao crime de homicídio definido no artigo 121 do Código Penal, podendo ser apreendido, e estando sujeito a aplicação de uma das medidas socioeducativas previstas no artigo 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Praticado ato infracional o adolescente em conflito com a lei passa a gozar dos direitos individuais, artigo 106 a 109 do ECA, e assim, reafirma-se que nenhum adolescente será privado de sua liberdade senão em flagrante de ato infracional ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente. O adolescente tem direito à identificação dos responsáveis pela sua apreensão, devendo ser informado acerca de seus direitos. A apreensão de qualquer adolescente e o local onde se encontra recolhido serão incontinenti comunicados à autoridade judiciária competente e à família do apreendido ou à pessoa por ele indicada.
A internação, antes da sentença, pode ser determinada pelo prazo máximo de quarenta e cinco dias. A decisão deverá ser fundamentada e basear-se em indícios suficientes de autoria e materialidade, demonstrada a necessidade imperiosa da medida. O adolescente civilmente identificado não será submetido a identificação compulsória pelos órgãos policiais, de proteção e judiciais, salvo para efeito de confrontação, havendo dúvida fundada.
Sobre as garantias processuais, deve-se observar a cláusula estatutária, segundo a qual nenhum adolescente será privado de sua liberdade sem o devido processo legal. São asseguradas ao adolescente, entre outras, as seguintes garantias:
I – pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, mediante citação ou meio equivalente;
II – igualdade na relação processual, podendo confrontar-se com vítimas e testemunhas e produzir todas as provas necessárias à sua defesa;
III – defesa técnica por advogado;
IV – assistência judiciária gratuita e integral aos necessitados, na forma da lei;
V – direito de ser ouvido pessoalmente pela autoridade competente;
VI – direito de solicitar a presença de seus pais ou responsável em qualquer fase do procedimento.
O devido processo legal é definido no Título VI, do Acesso à Justiça, a partir do artigo 141 do Estatuto da Criança e do Adolescente, lembrando ser de extrema relevância se observar o teor da Súmula 108 do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual, a aplicação de medidas socioeducativas ao adolescente, pela prática de ato infracional, é da competência exclusiva do juiz.
Importante ainda a dicção do enunciado da Súmula 605 do Superior Tribunal Justiça, in verbis:
“A superveniência da maioridade penal não interfere na apuração de ato infracional nem na aplicabilidade de medida socioeducativa em curso, inclusive na liberdade assistida, enquanto não atingida a idade de 21 anos.”
DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS APLICÁVEIS
As medidas socioeducativas são aquelas previstas no artigo 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069, de 1990, a saber:
Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:
II – obrigação de reparar o dano;
III – prestação de serviços à comunidade;
V – inserção em regime de semiliberdade;
VI – internação em estabelecimento educacional;
VII – qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.
A aplicação dessas medidas deve atender ao comando e às diretrizes traçadas pelo Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, por meio da Lei nº 12.594 de 18 de janeiro de 2012.
De acordo com a Lei do SINASE, as medidas socioeducativas têm por objetivos:
I – a responsabilização do adolescente quanto às consequências lesivas do ato infracional, sempre que possível incentivando a sua reparação;
II – a integração social do adolescente e a garantia de seus direitos individuais e sociais, por meio do cumprimento de seu plano individual de atendimento; e
III – a desaprovação da conduta infracional, efetivando as disposições da sentença como parâmetro máximo de privação de liberdade ou restrição de direitos, observados os limites previstos em lei.
Ainda consoante a Lei do SINASE, artigo 35, é de extrema importância definir os princípios que devem reger a execução das medidas socioeducativas:
I – legalidade, não podendo o adolescente receber tratamento mais gravoso do que o conferido ao adulto;
II – excepcionalidade da intervenção judicial e da imposição de medidas, favorecendo-se meios de autocomposição de conflitos;
III – prioridade a práticas ou medidas que sejam restaurativas e, sempre que possível, atendam às necessidades das vítimas;
IV – proporcionalidade em relação à ofensa cometida;
V – brevidade da medida em resposta ao ato cometido, em especial o respeito ao que dispõe o art. 122 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 ( Estatuto da Criança e do Adolescente)
VI – individualização, considerando-se a idade, capacidades e circunstâncias pessoais do adolescente;
VII – mínima intervenção, restrita ao necessário para a realização dos objetivos da medida;
VIII – não discriminação do adolescente, notadamente em razão de etnia, gênero, nacionalidade, classe social, orientação religiosa, política ou sexual, ou associação ou pertencimento a qualquer minoria ou status ; e
IX – fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários no processo socioeducativo.
Quanto à extinção das medidas socioeducativas, insta salientar as causas extintivas das medidas, artigo 46 do SINASE, sendo declarada extinta:
I – pela morte do adolescente;
II – pela realização de sua finalidade;
III – pela aplicação de pena privativa de liberdade, a ser cumprida em regime fechado ou semiaberto, em execução provisória ou definitiva;
IV – pela condição de doença grave, que torne o adolescente incapaz de submeter-se ao cumprimento da medida; e
V – nas demais hipóteses previstas em lei.
REFLEXÕES FINAIS
Quando vejo uma criança, ela inspira-me dois sentimentos: ternura, pelo que é, e respeito pelo que pode vir a ser. (Louis Pasteur)
Seria bom se pudéssemos ficar com a pureza da resposta da criança, viver e não ter a vergonha de ser feliz, cantar e cantar e cantar, a beleza de ser um terno aprendiz, nas belas palavras do poeta Gonzaguinha, assim, não haveria violência nem criminalidade, o mundo realmente seria uma pintura, juncado de fantasia, de baunilhas e manacás, sonhos e quimeras, de luzes estilhaçadas, luminosidade de arrebol, de céus estrelados, de brilho lunar, algo que estimulasse como néctar de uma bela pétala, enfim, retrato de um mundo de prazer. Mas como a vida não é sempre do jeito que se imagina, foi preciso a sociedade civilizada desenvolver políticas públicas para o eficaz enfretamento da violência infanto-juvenil, aquela praticada contra as crianças e adolescentes, como também aquela violência cometida pelo próprio adolescente em conflito com a lei.
Qualquer que seja a modalidade de violência, não se pode tolerar, porque alguém será vítima direta e, portanto, sofrerá as lesões em seus bens jurídicos. É correto afirmar que a legislação pátria adotou a doutrina da proteção integral dos direitos da criança e do adolescente, a ponto de a Constituição da República de 1988 prevê em seu artigo 227, o dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei nº 8.069, de 1990 estabeleceu a mesma obrigação em norma de repetição obrigatória prevista em seu artigo 4º, do referido estatuto.
Em se tratando de adulto, a lei penal adotou a teoria eclética na aplicação das medidas privativas de liberdade, artigo 59 do Código Penal. Assim, as medidas socioeducativas também têm caráter eclético, quando responsabiliza e reprova, conforme previsão na Lei do SINASE, que possibilita a responsabilização do adolescente quanto às consequências lesivas do ato infracional, sempre que possível incentivando a sua reparação, a integração social do adolescente e a garantia de seus direitos individuais e sociais, por meio do cumprimento de seu plano individual de atendimento, e ainda a desaprovação da conduta infracional, efetivando as disposições da sentença como parâmetro máximo de privação de liberdade ou restrição de direitos, observados os limites previstos em lei.
E por falar de política de enfrentamento com eficiência, esmero, exatidão, compromisso ético e adoção de programas de atendimento no cumprimento das medidas socioeducativas, o Estado de Minas Gerais, por meio da Subsecretaria de Atendimento Socioeducativo – SUASE tem demonstrado absoluta competência na gestão, por meio de profissionais que conhecem da política de atendimento, uma equipe de profissionais que desenvolvem atividades próprias do poder de polícia, indelegável, somando a um quadro de servidores qualificados, de comprovada experiência no trabalho, reputação ilibada, agregando princípios, regras e critérios na execução da política de atendimento contribuindo com a marca de um Estado mais seguro do Brasil.
Para comprovar a clara eficiência do Sistema Socioeducativo de Minas Gerais, cita-se a implantação do PAINEL SUASE, ferramenta de controle de dados e manifestação de transparência administrativa, e mais recentemente a assinatura da Resolução Conjunta nº 18, de 15/12/21, que instituiu a Central de Regulação da Gestão de Vagas do socioeducativo, em obediência à Resolução do CNJ nº 367, de 19 de janeiro de 2021, que dispõe sobre diretrizes e normas gerais para a criação da Central de Vagas no Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo, entendendo-se por Central de Vagas o serviço responsável pela gestão e coordenação das vagas em unidades de internação, semiliberdade e internação provisória do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo.
E mais recentemente, a Subsecretaria de Atendimento Socioeducativo – SUASE entregou 118 vagas de Semiliberdade e internação no Triângulo Mineiro e Alto do Paranaíba, em obediência ao Pacto de Expansão de vagas firmado com o Ministério Público de Minas Gerais, sendo 20 vagas de semiliberdade em Uberaba, Uberlândia, Patrocínio e Patos de Minas e mais 38 vagas de internação no município de Tupaciguara, num insofismável compromisso com a política socioeducativa em Minas Gerais.
Soma-se a tudo isso, a instituição do Comitê Integrado de Apoio à Política Socioeducativa – CIAPS em Minas Gerais, grupo interinstitucional envolvendo representantes do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Ministério Público, Defensoria Pública, Secretaria de Justiça e Segurança Pública, com objetivo de discutir toda política socioeducacional no Estado de Minas Gerais, instituído pela Portaria Conjunta nº 32/PR-TJMG, de 16 de março de 2021, coordenado brilhantemente pela Desembargadora Valéria Rodrigues Queiroz, conforme PORTARIA Nº 5176/PR/2021.
Assim, é importante rememorar a evolução histórica da política socioeducativa no Brasil, formação agregadora da legislação, Tratados e Convenções Internacionais de tutela, mas é confortável mencionar que não basta conhecer tão somente das normas de regência, é preciso sim, agregar a tudo isso o compromisso ético de trabalhar com intuito de respeitar a inteireza da política de atendimento, na sua concretude, sem perder de vista que o Estado deve responsabilizar, reintegrar e reprovar a conduta do adolescente pelas consequências lesivas do ato infracional e pelo grande mal que causou para a sociedade, mesmo porque o equilíbrio das relações humanas deve ser o ponto chave para a convivência em sociedade, deixando de lado as raízes tão somente unilaterais na execução da política de atendimento.
BIBLIOGRAFIAS
BRASIL. Lei sobre Drogas. Lei nº 11.343, de 2006. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm. Aceso em 22 de dezembro de 2021.
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei nº 8.069/90. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em 22 de dezembro de 2021.
BRASIL, Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE). Lei nº 12.594, de 2012. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12594.htm. Acesso em 22 de dezembro de 2021.
DECRETO Nº 99.710, de 21 de novembro de 1990. Promulga a Convenção dos Direitos das Crianças. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d99710.htm. Acesso em 22 de dezembro de 2021.
DIRETRIZES DE RIAD. Diretrizes das Unidas para a Prevenção da Delinquência Juvenil. Disponível em https://www.mpam.mp.br/attachments/article/2252/DIRETRIZES%20DE%20RIAD%20_%20PREVEN%c3%87%c3%83O%20DA%20DELINQU%c3%8aNCIA%20%20JUVENIL.pdf. Acesso em 22 de dezembro de 2021.
REGRAS DE BEIJING, Regras mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude. Disponível em http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/c_a/lex47.htm. Acesso em 22 de dezembro de 2021.
REGRAS DE HAVANA. Regras das Nações Unidas para a Proteção dos Menores Privados de Liberdade. Disponível em https://www.justica.pr.gov.br/sites/default/arquivos_restritos/files/migrados/File/regras_das_nacoes_unidas.pdf. Acesso em 22 de dezembro de 2021.
REGRAS DE TÓQUIO. REGRAS MÍNIMAS DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ELABORAÇÃO DE MEDIDAS NÃO PRIVATIVAS DE LIBERDADE. Disponível em http://gddc.ministeriopublico.pt/sites/default/files/regrasdetoquio.pdf. Acesso em 22 de dezembro de 2021.