Intolerância Religiosa: o desconhecimento cultural que resulta discriminação sobre religiões de matriz africana como Candomblé e Umbanda

0
943
Juliana Lemes da Cruz.
Doutoranda em Política Social – UFF.
Pesquisadora GEPAF/UFVJM.
Coordenadora do Projeto MLV.
Contato: julianalemes@id.uff.br

O conhecimento liberta e o desconhecimento aprisiona. É o que me parece adequado sugerir, mesmo que de forma breve, sobre a intolerância religiosa que nos cerca. A religião é pauta de conflitos em todo o mundo e no caso brasileiro, não é diferente. Membros de algumas religiões, principalmente, de matriz africana, como Candomblé e Umbanda, têm sido estereotipados e desrespeitados em razão da falta de conhecimento popular sobre outras culturas. Aquelas, que ganharam pouco ou nenhum espaço durante as aulas de história ministradas nas escolas às gerações anteriores ao ano de 2003, quando foi promulgada a Lei nº 10.639, que estabeleceu a obrigatoriedade do ensino de “história e cultura afro-brasileira” nas grades curriculares dos ensinos fundamental e médio do país.

Na última semana, aceitei o convite de uma pessoa conhecida para participar de uma celebração religiosa em um espaço do Candomblé. Em que pese ser cristã, procuro não me limitar a conhecer apenas as bases do cristianismo, assim como apresentado a mim por meus familiares. Explorar o que me parece pouco ou nada próximo culturalmente abre portas para novas descobertas e isso me cativa. Coincidência ou não, a semana em que conheci parte dos rituais daquele templo religioso foi a semana do combate à Intolerância Religiosa. E se o dia 21 de janeiro é lembrado assim, é porque a intolerância persiste nesse país predominantemente cristão e que se inscreveu em sua Carta Magna como Estado Laico.

Em uma breve pesquisa sobre o assunto levantei que as religiões mais afetadas pela “intolerância” são as de matriz africana, reconhecidas no Brasil, especialmente, como Candomblé e Umbanda. Antes de expor como as religiões estão espalhadas pelo Brasil, levanto uma outra questão. Kabengele Munanga, ao discorrer uma apresentação em um livro publicado em 2020 – Racismo religioso em escolas da Bahia: autoafirmação e inclusão de crianças e jovens de terreiro –, considerou “impróprias as palavras tolerar e intolerar, pois ninguém luta, trabalha e constrói para ser tolerado por outro, mas no mínimo, para ser respeitado e tratado igualmente em termos de direitos humanos fundamentais, entre os quais se inclui a liberdade de crenças, cultos e religiões. O que as religiões de matriz africana vivem no Brasil, hoje, não é a intolerância em si. É uma discriminação racial embutida no racismo à brasileira e que visa sua eliminação total do universo religioso brasileiro, que é por definição, plural”.

Nessa direção, confesso, conheço algumas pessoas de religiões não cristãs, ou mesmo, adeptas ao ateísmo, que não se sentem à vontade para professar o que acreditam em razão da discriminação que ronda o tema. Assim, se de um lado cultuam abertamente o formato de espiritualidade que os move, enfrentando toda a intolerância que esse “direito” os concede, por outro, estão sujeitos a viverem em plena privação de liberdade religiosa, quando para isso acontecer, exige-se simbolicamente, que sua crença fica em segredo.

Para Ivanir dos Santos, Babalaô e Doutor em História, a inércia do poder público, por meio da não resposta do Estado às situações de violência contra pessoas e diante da recorrente destruição de objetos em centros e terreiros, é a manifestação explícita do racismo institucional. A situação, provavelmente, seria diferente se a casa violada fosse outro templo religioso, como por exemplo, uma sinagoga (religião judaica). O discurso de Ivanir é reforçado por Alexandre Cabral, pastor e doutor em filosofia, que acrescentou que o ódio é uma experiência estrutural e que quando vozes negras se levantaram, alguns grupos manifestaram-se contra e com fervor.

Como o Censo Demográfico 2020 não aconteceu, tomei como referência os dados da derradeira pesquisa, realizada no ano de 2010. Os últimos censos dão conta de que, o Brasil, a cada década, está reduzindo o seu percentual de católicos, que foi uma marca do país por muito tempo. Isso porque, na década de 1950, a filiação religiosa ao catolicismo somava 94,50%; seguindo em ligeiras quedas: 1960, 93%; 1970, 91,8%; 1980, 89,2%; 1991; 83,3%; 2000, 73,9%; e 2010, 64,6%. Por outro lado, sobre a filiação evangélica, houve um salto: 1950, 3,4%; 1960, 4%; 1970, 5,2%; 1980, 6,6%; 1991, 9%; 2000, 15,4%; e 2010, 22,2%.

No ano de 2010, os católicos passavam dos 123 milhões, os evangélicos, mais de 42 milhões e os sem religião, somavam mais de 15 milhões de declarantes. Na tabela, é possível verificar onde estão concentradas as filiações religiosas no Brasil. E ao contrário do que o senso comum percebe, as religiões de matriz africana não se concentram no estado da Bahia, mas sim, estão predominantemente nos estados do Rio Grande do Sul (Umbanda) e Rio de Janeiro (Candomblé).

Apesar desses destaques, as religiões de matriz africana estão espalhadas pelo país, uma vez que fazem parte da história brasileira, mesmo que nem sempre, respeitadas na sua singularidade. Noto, pelo que testemunho no dia a dia, que o desconhecimento cultural resulta em discriminação contra membros de religiões de matriz africana como o Candomblé e a Umbanda, e na era do acesso virtual à informação, isso é o que deveria ser intolerável. Desenho: Orádia Porciúncula. Referências:

Vídeo: Intolerância Religiosa em 2019 | Conexão | Canal Futura.

https://youtube/wVHrYGhuM0U

https://journals.openedition.org/confins/7785?lang=pt

MUNANGA, K. Apresentação. In: CIRNE, A. Racismo religioso em escolas da Bahia: autoafirmação e inclusão de crianças e jovens de terreiro [online]. Ilhéus, BA: Editus, 2020, pp. 17- 23. Transfluência series. ISBN: 978-65-86213-16-4. https://doi.org/10.7476/9786586213294.0001.

Brandão, A.A.P.; JORGE, A.L. “A recente fragmentação do campo religioso no Brasil: em busca de explicações”. Revista de Estudios Sociales 69: 79-90, 2019. https://doi.org/10. 7440/res69.2019.07

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui