O que restou da Rua das Flores?

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Márcio Achtschin Santos, PhD em história pela UFMG
 Rua das Flores, início do século XX (Acervo: Fany Moreira/MUVIM)
Patrimônios recentes demolidos, Rua das Flores (Registros fotográficos: Márcio Achtschin Santos)

Está claro que a bola da vez do mercado imobiliário em Teófilo Otoni é a Rua Doutor Manoel Esteves. Foram muitos os patrimônios demolidos em um curtíssimo período de tempo nesta região. As avenidas Getúlio Vargas e Francisco Sá já passaram por esse processo.

Segundo o site do Museu Virtual Vale do Mucuri (MUVIM), a Rua Doutor Manoel Esteves é também conhecida como “[…] Rua das Flores, romantizada com esse nome pela referência à beleza de moradoras do local. A movimentada via ficava paralela à linha férrea, onde se misturavam imponentes sobrados residenciais da população de maior posse coexistindo com hospedagens, caso das pensões Glória e Carmen, e o Hotel Rex”. Hotéis, pensões e sobrados agora são entulhos. Mas, o que incomoda nesse cenário, tanto quanto o passado no chão, é o silêncio da comunidade.

A história do Vale do Mucuri foi marcada pela destruição. Intensificada a ocupação ao longo dos anos de mil e oitocentos, o nordeste mineiro se formou a partir de um discurso civilizatório e progressista. O roteiro era destruir a mata e tudo que nela existia. O desmatamento, seguido do plantio e do pasto, tornou-se a regra. Essa exploração foi a base da economia da região e estendeu-se por mais de um século.

A estrutura produtiva rural mucuriense foi extremamente lucrativa para alguns, pois era realizada por uma mão-de-obra de custo baixíssimo, o agregado. Somado a esse fator, com a abundância das matas, a exploração era exclusivamente predatória. Como consequência desse modelo, não houve estímulo para investimentos tecnológicos.

Resultou daí o dilema vivido pela elite do Vale do Mucuri e que repercutiu tragicamente em nossa formação: sair do atraso e chegar à modernidade capitalista, mas sem abrir mão dessa matriz exploratória. Desse impasse não resolvido, a cultura predatória foi a grande herança. Se há uma característica cultural comum no Vale do Mucuri, esta é a negação em ter viva sua memória. Rejeitamos qualquer indício que nos remete à preservação de nossa história.

Essa não aceitação se traduziu em ações de aniquilações permanentes dos patrimônios históricos. Entre os atos mais recentes, pode-se destacar a fazenda Monte Cristo, onde foi planejada a cidade que viria a ser Teófilo Otoni. Construída em meados do século XIX, o casarão foi destruído sem qualquer manifestação da comunidade. Também o Cine Palácio, que à época de sua demolição era a maior sala de cinema em funcionamento da América Latina, desapareceu diante da indiferença dos teófilo-otonenses. Resulta daí que na cidade, de quase 170 anos, inexiste em seu espaço urbano um patrimônio sequer datado do século XIX com suas características originais.

É um engano acreditar que preservar a memória é mero saudosismo. Ainda que paradoxal, uma comunidade que não tem uma referência do seu passado não vai conseguir construir o seu futuro. Como consequência desse modelo predatório, atualmente o Mucuri é a região mais empobrecida de Minas Gerais. E um dos fatores determinantes para essa condição está exatamente na ausência do sentimento de pertencimento.

Sem um reconhecimento de sua identidade, o processo de destruição foi até aqui a grande marca identitária mucuriense. E isso reflete, inclusive, na falta de projetos políticos que se aproximem da realidade regional. Concluindo, destaco novamente as informações do MUVIM, que apontam para a importância da conservação da memória: “Resgatar as origens dos que construíram o Vale do Mucuri é uma forma não apenas de preservar sua identidade cultural, mas também encontrar nesse processo mecanismos para o desenvolvimento da região”.

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