O mendigo, a esposa infiel e o marido traído: três personagens e o efeito meme

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Juliana Lemes da Cruz.
Doutoranda em Política Social – UFF.
Pesquisadora GEPAF/UFVJM.
Coordenadora do Projeto MLV.
Contato: julianalemes@id.uff.br

O caso da mulher que foi flagrada pelo marido com um homem em situação de rua dentro do próprio carro viralizou nas redes sociais por se tratar de uma situação inusitada. A mulher e o homem – popularmente nomeado de mendigo – estavam nus.

A situação, que foi registrada por câmeras de segurança de um local próximo de onde o veículo estava estacionado, ocorreu em Planaltina, no Distrito Federal, no dia 9 de fevereiro de 2022. O marido traído estaria espancando o tal mendigo por acreditar que o que via seria o estupro de sua companheira, que, diante da autoridade policial admitiu que se tratava de ação consentida.

Ao ganhar as redes sociais, e o noticiário da grande mídia nacional, a história deu margem para várias interpretações sobre os papéis de cada um dos personagens envolvidos no caso. A mulher, jovem, adepta dos exercícios físicos, recém integrada à uma igreja de viés cristão. O homem, em situação de rua, aparentemente jovem e que carecia de cuidados associados à higiene corporal, assim como outros que vivem nas mesmas condições. O marido da mulher envolvida, administrador de loja associada ao serviço de personal traineer – educador físico. Como algo corriqueiro, a saúde mental das pessoas envolvidas em situações como esta é negligenciada em detrimento da espetacularização do caso. A repercussão fomentada pelos veículos de comunicação de massa tratou de aguçar a criatividade dos receptores da notícia.

Em um áudio, supostamente reproduzido pela mulher, dizia que a referida estava confusa e que, ora enxergava Deus no tal mendigo, ora enxergava o seu marido. Que não estava entendendo a situação e que estava com o coração aflito e inquieto. O relato apresentou trechos desconexos, o que gerou margem para difusão de memes de distintos vieses. Por consequência, a chacota foi direcionada, principalmente, ao marido que, diante dos fatos, seria o corno da relação.

E o pior, corno de mendigo. Pelo alarde, parece- -nos que não há nada mais frustrante para a figura masculina que perder espaço para outra figura masculina em condição socioeconomica inferior. Nessa situação, percebe-se que a figura feminina, embora seja objetivamente a protagonista, assumiu papel secundário, uma vez que foi relacionada ao caso como um objeto em pleno uso por quem não detém sua propriedade.

Parece complexa essa minha colocação, mas, revela o que refletiram as inúmeras respostas populares diante do caso: um misto de culpabilização da mulher; pressão sobre a figura masculina do marido, que jamais pode ser traído ou, “corneado”; e a reafirmação da condição de subalternidade do homem em situação de rua – o tal mendigo.

Em entrevista ao canal Metrópoles, o marido traído relatou sua versão sobre o caso: ele teria procurado o influenciador digital Léo Dias e pedido espaço para desfazer o equívoco de interpretação que tem trazido transtornos para sua vida privada. O homem disse que independente de ser ou não morador de rua, diante da cena que ele presenciou, entendeu que precisaria intervir. O local era ermo e os vidros do carro estavam fechados. Ele o teria socado, até conseguir acessá-lo. Léo Dias conduziu de forma respeitosa a entrevista que expôs a versão do marido traído sobre alguns pontos.

Segundo ele, o caso tem sido divulgado de maneira errônea, de forma a macular a imagem de sua esposa com elementos que não condizem com o perfil dela. Em consulta ao médico que acompanha o caso, soube que qualquer pessoa está sujeita, um dia, a um surto. Isso depende do que ela esteja passando. O que pode se relacionar ao estresse do dia a dia e às mudanças, não necessariamente, está relacionado a algo que tenha ocorrido anteriormente.

O marido procurou desmentir afirmações; ressignificar as chacotas; desfazer a ideia de que a mulher quis lhe trair; de que sua atitude teria relação com atividade de “garota de programa”; dentre outros. A questão é que a situação chegou ao ponto de envolver seus filhos. Segundo o homem, a esposa segue internada em tratamento psiquiátrico e psicológico. Desde o fato, está isolada da situação e ele próprio, precisou se afastar para barrar as distorções da mídia. Trancou as redes sociais e se recolheu aos limites do ambiente doméstico para que sua saúde mental fosse menos prejudicada. Ou seja, parou sua vida sob questionamentos externos a respeito do relacionamento de três anos que mantém com a mulher. Sua vida mudou drasticamente e “tá uma bagunça” disse ele ao entrevistador. Desabafou que poucos são aqueles que se preocupam com a saúde mental dos envolvidos e a zoação não para.

Percebe-se, diante do caso, o poder dos canais de comunicação e seu alcance. O problema é que nem sempre as informações compartilhadas sinalizam a verdade dos fatos. Em regra, difunde-se o que chama mais atenção do público receptor. No caso brasileiro, em especial, esse tipo de notícia atinge seu ápice quando mobiliza as pessoas a partir do que compreendem serem os padrões das relações de intimidade, desde que elas próprias não sejam o alvo das discussões, chacotas e nemes. (Mencionado: canal Metrópoles – YouTube)

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