Projeto Mulher Livre de Violência: uma experiência de fortalecimento do protagonismo das mulheres rurais

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Juliana Lemes da Cruz.
Doutoranda em Política Social – UFF.
Pesquisadora GEPAF/UFVJM.
Coordenadora do Projeto MLV.
Contato: julianalemes@id.uff.br
Encontro mensal com palestra e roda de conversa

O projeto MLV teve apoio inicial da Associação Feminina de Assistência Social – AFAS, uma organização não governamental associada à Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) e ao Corpo de Bombeiro de Minas Gerais (CBMMG) que incentiva os projetos sociais idealizados, voluntariamente, por policiais e bombeiros de Minas Gerais junto as suas comunidades. Desde o ano de 2016, parcerias com outros militares, instituições, voluntários e, principalmente, com a equipe do Grupo de Extensão e Pesquisa em Agricultura Familiar (GEPAF) da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) têm sido fortalecidas. Inscrita desde 2018 como projeto de extensão universitária, registrado junto à Pró-Reitoria de Extensão e Cultura/PROEXC TO/UFVJM.

As principais motivações para a escolha do local do projeto foram: a localidade distante dos pontos de apoio às mulheres, as relações sociais sob forte apelo patriarcal e clientelista, a demanda de líderes comunitárias à equipe da Patrulha de Prevenção à Violência Doméstica do 19º BPM, relação de uma liderança com o projeto do Núcleo de Agroecologia do GEPAF e a invisibilidade dos relatos de violências sofridas, que não aparecem nas estatísticas oficiais, pois, são subnotificadas.

O projeto, enquanto ação de extensão do GEPAF/UFVJM permite o diálogo entre a comunidade acadêmica e as mulheres rurais de municípios da região, locais com baixos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) e historicamente marcados pelo coronelismo, com forte influência do patriarcado.

Desde o mês de abril de 2018 os encontros mensais, que duram em média quatro horas, acontecem com o objetivo de prevenir a violência contra meninas e mulheres apoiado em duas frentes: o empoderamento feminino e a autonomia econômica. Na primeira, são trabalhadas oficinas, dinâmicas, palestras, vídeos, intercâmbios e rodas de conversa, discutindo temáticas diversas. Na segunda, segue à produção do artesanato criativo, valorizando a memória local e explorando os significados que suas vivências trazem. Inspirado na experiência chilena adotou-se a técnica de bordado Arpillera, considerada um instrumento de resistência das mulheres no período da ditadura de Augusto Pinochet, naquele país, entre 1973 e 1990.

Esta proposta foi apresentada ao grupo e acolhida. Como insumo, o projeto recebeu doações de tecido do fardamento dos policiais e bombeiros militares de Minas Gerais, além de aviamentos e retalhos dos parceiros e pessoas da sociedade civil. O material é transformado em bolsas dos tipos tira-colo e nécessaire, cuidadosamente ilustradas com as realidades das mulheres. Muitas, nunca antes verbalizadas.

Artesanato criativo sustentável com reutilização de fardas doadas

A dimensão da sustentabilidade é um dos princípios fundamentais da proposta, o artesanato criativo reutiliza as fardas doadas, incentivando, também, a ressignificação da chamada “segunda pele” dos profissionais da segurança pública. Dessa forma, as peças valorizam os saberes das mulheres do lugar, suas vivências, alegrias e desafios, ao mesmo tempo que propõem a produção artesanal sustentável e a aproximação com as duas instituições militares.

Flâmula temática e almofada com tecido de farda PM

Nesses trabalhos, elas materializam, por meio das imagens, a realidade das mulheres rurais daquela comunidade, expressando, muitas vezes, pedidos de socorro pelas violências sofridas. A estratégia é abordar a temática da violência doméstica de modo indireto, uma vez que, em contexto rural, a naturalização da violência inviabiliza sua inserção como pauta. Vale ressaltar que os produtos (flâmulas, bolsas, necessaire, almofadas) negam os papéis de gênero e fomentam a autoestima feminina, visto que não são representados pelos tradicionais artigos de “cama, mesa e banho”.

Em relação à forma de comercialização, 70% do valor arrecadado é destinado às artesãs e 30% é revertido para a manutenção do projeto. As peças são expostas em feiras locais e nas redes sociais, também, sob encomenda.

Nos encontros periódicos, junto com as práticas de artesanato, são fomentadas atividades que englobam informações sobre direitos, políticas públicas voltadas para as mulheres, serviços direta ou indiretamente disponíveis a elas e sobre saúde da mulher. Ao longo dos anos aconteceram participações em canais de comunicação como rádio, televisão e redes sociais, que serviram de instrumento para mobilização, difusão das informações e comercialização das peças artesanais.

Os encontros propostos compõem: palestras, oficinas de artesanato criativo, exposição de documentários e filmes curtos, rodas de conversa, planejamento de intercâmbios, dinâmicas de grupo e atividades de construção individual para retorno aos encontros posteriores. Para conhecer melhor o projeto, acesse sua conta no instagram: @projetomlv. Imagens: Arquivo do Projeto MLV.

Este texto constitui um trecho do artigo coletivo, publicado na Revista Saúde e Transformação Social da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Disponível para leitura no link: http://incubadora.periodicos.ufsc.br/index.php/saudeetransformacao/article/view/6173

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