Governos e orçamento público: reflexões sobre participação popular diante das eleições

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Juliana Lemes da Cruz.
Doutoranda em Política Social – UFF.
Pesquisadora GEPAF/UFVJM.
Coordenadora do Projeto MLV.
Contato: julianalemes@id.uff.br

Os governos, em todas as instâncias (municipal, estadual, federal), dependem de financiamento para o cumprimento dos compromissos de governo. Muitos de nós, em algum momento da vida, pode ser que tenhamos acreditado que as promessas de governo de nosso(a) candidato(a) seriam cumpridas assim que tomasse posse. No entanto, desconhecíamos que isso depende de uma série de fatores, dentre eles o orçamento público e a participação popular. Quando falamos de recurso ou orçamento, é mais fácil compreender. Falamos de dinheiro, e tudo que é público está associado a ele. Se há um corte orçamentário em determinado setor, como por exemplo, a saúde, o primeiro a perceber será aquele cidadão mais pobre, usuário da UPA ou do posto de saúde do bairro. Agora, o que tem a ver com a participação das pessoas com o cumprimento das promessas do meu candidato?

Reflitam comigo! Se o candidato foi eleito, é porque seus compromissos de governo agradaram a maioria da população. Logo, espera-se que as promessas sejam cumpridas. No entanto, todos os governos são feitos de interesses de lados opostos. O jogo de forças políticas acontece e elas estão lá para pressionar as distintas instâncias de poder. Falar claramente sobre isso não é algo costumeiro, pois muitos representantes, especialmente do campo legislativo (vereadores/deputados estaduais e federais), servem aos interesses de classes específicas, aquelas que apoiaram suas candidaturas (professores, policiais, banqueiros, mineradoras, trabalhadores rurais, mulheres, dentre outros).

Tudo isso é feito de forma legal e estratégica, por isso é tão complicado entender essa dinâmica. Se as pessoas comuns não têm ideia do que acontece nesses espaços e não se sentem seguras para exercer seu direito de contestar o que está sendo feito, dificilmente o cenário mudará. Sabemos que a maioria da população parece estar desinteressada por assuntos que não são de “domínio público” ou pouco discutidos em canais populares de informação, como por exemplo, na televisão ou nas redes sociais. Diante de uma população pouco orientada e com baixa participação em tudo que se relaciona a sua própria vida, podemos anunciar que são ainda mais graves esses problemas quando percebemos que apenas a vontade dos nossos escolhidos políticos não basta para que a coisa aconteça.

Haverá sempre os que, para deixar o povo fora da discussão, afirmarão com firmeza que as questões econômicas só podem ser discutidas pelos especialistas e que a população “leiga” não pode contribuir em nada. E o povo acreditará neles. Ocorre que, alguns segmentos sociais, dentre eles, das camadas médias, ao serem tratados como inúteis em espaços que deveriam ter voz, são empurrados para fora dos grupos que decidem o destino dos recursos públicos. O orçamento representa a prioridade de um governo. A previsão dos recursos para a construção de uma creche, por exemplo, mostra o quanto sua execução é prioritária. E como o governo decide isso? Em espaços estratégicos de decisão, onde o povo deveria estar presente.

Quando reduzimos nossa participação ao exercício do voto e deixamos que o vereador, prefeito, deputado, governador, senador ou presidente que ajudamos a eleger exerçam suas atividades livremente sem qualquer questionamento, corremos o risco de que nossas demandas individuais e coletivas, as quais “levantamos nossas bandeiras”, caiam no esquecimento, sem previsão de recurso. Sem dinheiro não há ponte, nem calçamento para minha rua, nem benefícios para aquela casa de idosos. Por sua importância na vida de todos, antes de ser tratado como uma peça técnica, acessível apenas aos “iniciados” ou “especialistas”, o orçamento público deve ser visto como um poderoso instrumento político, a ser cobrado pelo todo da população, seja ela esclarecida ou não.

Não raro, a participação das pessoas em espaços de decisão de que temos notícia, restringe-se ao perfil: “corpo presente”. Ou seja, aquele que está na reunião, mas não sugere, não questiona, não demanda, não contribui em absolutamente nada. Assim, sob qualquer que seja o governo, não teremos êxito. Homens e mulheres precisam enxergar a participação como uma ferramenta para transformação da sua realidade e da comunidade em que vivem. Seja na reunião de bairro, da igreja ou de um congresso, a participação não deve se resumir à assinatura no livro de atas ou lista de presença. Um “cidadão em negativo” não é o que se espera de um bom cidadão.

O cientista político José Murilo de Carvalho, descreveu em uma de suas obras o perfil reativo do cidadão brasileiro ao se manifestar apenas para reagir ao que o prejudica diretamente. Explico: um cidadão negativo espera que o “calo aperta seu pé”. Algo precisa ocorrer em seu desfavor para que reaja e dê o grito.

Infelizmente, a reduzida participação das pessoas em momentos decisivos, tanto em âmbito comunitário-municipal quanto em âmbitos estadual e federal, contribui para os retrocessos no campo dos direitos conquistados e em políticas públicas que influenciam o bem estar de todas as pessoas. Diante disso, sempre será cômodo ao representante do povo, representá-lo sem qualquer interferência dele, especialmente se este não se interessar para onde vai o seu dinheiro.

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