O “zero um” pendura o coturno: Samuel Keller deixa a PMMG

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Juliana Lemes da Cruz.
Doutoranda em Política Social – UFF.
Pesquisadora GEPAF/UFVJM.
Coordenadora do Projeto MLV.
Contato: julianalemes@id.uff.br

O termo “zero um” (01) é comumente utilizado no meio policial militar para designar aquele(a) que conquistou o primeiro lugar do curso de formação. Enquanto muitos almejam e sonham com o ingresso na carreira policial militar, Samuel Keller, o “zero um” da turma de soldados formada em 2016, na última semana, decidiu pendurar o coturno e deixar a Polícia Militar de Minas Gerais. Nesse texto, o ex-policial relata sobre sua experiência profissional e o que o motivou a romper o vínculo funcional com a PMMG.

A título de conhecimento, em resumo, explico o que seria ser um “zero um”. Significa conseguir o feito de chegar ao final do curso de formação com as mais elevadas notas nas disciplinas teóricas e práticas ministradas no decorrer de nove meses de atividades que variam entre/e/ou ocupam os turnos matutino, vespertino e noturno. Inúmeros são os fatores que condicionam esta conquista, dentre os quais, destaco não apenas a dedicação do aluno, mas também, o apoio moral que tem das pessoas que o cercam.

Em geral, os cursos de formação de soldados realizados em Teófilo Otoni, Minas Gerais, sede da 15ª Região de Polícia Militar, acolhe pessoas de várias partes do país, o que demanda dos novos alunos habilidade para resolução de todas as demandas cotidianas sozinho, na ausência de apoio familiar por perto. Esse fator costuma influenciar na produtividade de qualquer estudante, quiçá, de um soldado aluno sob o rígido regime disciplinar que o envolve na carreira policial militar.

Pois bem, Samuel destacou que no ano de 2016 foi aprovado tanto no concurso para soldado da PMMG, quanto no processo seletivo para professor de algumas áreas do Direito para atuação nesse mesmo concurso.

Tive que escolher entre ser professor de um curso de formação policial, além de continuar na advocacia, a qual era minha profissão, ou tornar-me soldado da “Gloriosa”. O sonho de criança falou mais alto, não hesitei na escolha de ser policial.

A casa onde moro desde que nasci, é de frente ao 19º Batalhão da PM em Teófilo Otoni. Toda aquela movimentação típica de quartéis me encantava. O garbo e a elegância de um policial bem fardado sempre chamaram a minha atenção.

Ter passado em um concurso público também foi relevante para minha escolha. Quem não quer passar em um, NE!? A estabilidade e a falsa sensação de segurança (e sobre isso a gente pode falar um pouco depois), são muito almejadas dentro do atual contexto social. Para quem faz direito então, é quase uma máxima.

Como traço da minha personalidade, tem o fato de que eu gosto de ajudar as pessoas. Isso me leva a outro motivo para ter escolhido compor as fileiras da PM mineira, pois servir e proteger é o objetivo do trabalho policial. Eu queria, e ainda quero, fazer a diferença na vida das pessoas.

Quanto ao curso de formação, apesar de muito ralado, como é típico de cursos militares, fui aprovado em primeiro lugar. Esse êxito, eu agradeço a Deus e atribuo ao apoio da minha família.

Recém-formado, em 2017, apresentei-me para o serviço em Carlos Chagas. Com poucos dias na cidade, após o turno de serviço, já repousando no alojamento do quartel, fui acordado pelo sargento comandante do turno para dar apoio em uma ocorrência de explosão de caixas eletrônicos de uma agência bancária. Houve confronto, um dos autores baleado e preso com os demais comparsas. Essa foi apenas uma das muitas ocorrências complexas nas quais estive envolvido diretamente naquela cidade.

De ônibus, carona ou meios próprios, por até quatro vezes na semana, eu me deslocava da minha cidade (Teófilo Otoni) para Carlos Chagas, a qual fica a uma distância de 100 km, mas esse deslocamento sempre foi feito com muita gratidão no coração por estar onde estava. O serviço operacional sempre foi desempenhado com o sorriso no rosto. Isso me rendeu um ótimo relacionamento com a comunidade local e resultados positivos para a instituição.

Quanto ao desejo de progredir na carreira, tinha grande anseio de colocar a estrela no ombro, contudo, fiz o CFO por algumas vezes, apesar de aprovado, fiquei excedente.

Para explicar sobre a “estrela no ombro”, abro um parêntese. Pode parecer que a PM é carreira única, mas, ela subdivide-se em dois grandes grupos para ingresso na instituição. Aquele das “Praças” e o grupo dos “Oficiais”. Pode- -se prestar concurso para iniciar carreira como soldado ou prestar concurso para iniciar carreira como Tenente. As Praças, compreende desde o soldado até a graduação de Subtenente. Em regra, são estes policiais que estão diretamente em contato com a população, na realização das atividades preventivas ou repressivas, no atendimento dos chamados, confecção de boletins de ocorrência e prisões. Por outro lado, os Oficiais, são responsáveis pelo planejamento e gerenciamento do efetivo policial que vai às ruas, sob comando das atividades previstas ou demandadas. Em geral, não são encontrados na ponta da linha, no contato direto com a população demandante dos serviços. O oficial compreende desde o 2º tenente até o coronel. Explicado, fecho o parêntese.

O fato de deslocar quase mil quilômetros semanalmente para ir trabalhar, eleva exponencialmente o risco da profissão; as constantes mudanças nas escalas para suprir a falta de efetivo (estávamos trabalhando com um efetivo de 60% dos militares, levando em consideração com o efetivo de quando comecei a trabalhar naquela cidade), o que reduz drasticamente o nosso tempo com a família, amigos e lazer, comprometendo, inclusive a saúde mental, pois a ansiedade e o estresse tomam conta; além do forte desejo de retornar à advocacia, foram gatilhos para que eu estudasse as possibilidades de pedir baixa e retornar à minha antiga profissão. Pedi exoneração no dia 05 de outubro de 2022.

Dá para perceber que não apaguei as “garantias” do serviço público. Coloco entre aspas, pois há muitas formas de sair, pode ser por livre e espontânea vontade, como fiz, ou em decorrência de procedimentos ou processos, sejam eles legais, devidamente fundamentados ou por outros motivos escusos.

Tenho convicção de que a iniciativa privada é cheia de incertezas e desafios, mas nunca faltará espaço para os que se dedicam a fazer seu trabalho com amor, honestidade e gratidão no coração.

O ex-170.345-3, Sd Keller, permanece na defesa do cidadão, porém, de uma maneira um pouco diferente, agora de volta à Ordem dos Advogados do Brasil sob a inscrição OAB-MG nº 168.555. Para saber mais sobre Samuel Keller, @samuelkeller ou almeidakeller@hotmail.com

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