Não era a primeira vez que via aquele carro com um monte de galões de água no maleiro. Mas naquela manhã o dono estava ali. Pegava um galão, regava duas ou três mudas de planta na beira da rua; depositava o galão vazio no carro, pegava outro cheio e recomeçava.
Segui meu costumeiro trajeto de caminhada. Quando voltei, ele puxou conversa. Suas oito décadas não lhe pesavam. Ao contrário, transbordava bom humor e energia. Me contou, satisfeito, que aquele era seu ofício há um bom tempo. Era trabalhoso, principalmente no período de sol e calor que deixa a terra ressecada. Havia semanas que tinha de irrigar mais de uma vez sua floresta em linha, voluntariamente plantada por ele ao longo dos quase mil metros que margeava a rua.
Já havia notado as mudinhas que cresciam lentamente, mas nunca com a devida atenção. Soube por ele, o Seu Joaquim, que ali havia de tudo: manga, cacau, caju, abacate e até lichia. Também as árvores de flores como jasmim, flamboiã e outras. Agora que as chuvas chegaram, elas começavam a se firmar e o desafio era cercar com varetas cada pé de árvore, já que as vacas que andam soltas pela região costumavam fazer estrago.
Eu voltei para casa encantado com o trabalho do Seu Joaquim. Vivemos tempos de imenso desafio climático, desmatamento criminoso das florestas, envenenamento de rios, o diabo. Como certa vez ouvi de uma poetisa, a humanidade parece ser mesmo um projeto que deu errado. Destrói sua casa e depois faz campanhas e reuniões de governos para evitar a extinção da espécie.
Por sinal, há pouco mais de um mês tivemos mais uma das muitas conferências mundiais sobre meio ambiente. Já nos acostumamos com nomes de cidades que sediam tais eventos. Rio, Kyoto, Copenhage. Essas reuniões são cruciais, mas nos deixam com uma sensação estranha ao final. Primeiro, pela sua ambição: os acordos ou cartas de intenção ali firmados parecem ser escritos por um roteirista de filme hollywoodiano, com a previsão de um final redentor e feliz. Como exemplo, basta citar um dos mais importantes documentos dos últimos anos, o famoso Acordo de Paris de 2015. Objetivos nada modestos saíram dali: reformar a economia do mundo, combater as mudanças climáticas e evitar as catástrofes que elas produzem. Fácil, fácil. Só que não.
O segundo motivo de estranhamento com tais eventos é exatamente esse: as decisões não se cumprem, as metas não são alcançadas. A cada nova conferência, recalculam-se os danos e empurra-se para frente o fim do mundo. Mas a natureza não segue o organograma feito por executivos engravatados, mais preocupados com seus ganhos econômicos e políticos do que com o planeta. Esse descompasso é evidente: governos e corporações atuam como se houvesse um amanhã garantido; mas a natureza diz que não, pelo menos não para a humanidade, essa espécie hostil.
O caminho, por certo, não é abandonar os tratados, os acordos, as conferências. Sem eles seria ainda pior. O drama é que as pessoas, grupos e organizações que realmente sabem do nosso risco e querem mudar a rota não são aquelas que decidem. São até ouvidas, participam, fazem barulho, protestam. É o que dá pra se fazer. Mas ao final do encontro, quem assina os documentos são as excelências que mal se lembrarão do que foi discutido, tão logo o avião aterrisse em seu país natal. Nesse momento, voltarão as preocupações de mercado, as demandas eleitorais anteriores e futuras, a centralidade do poder.
Quem deveria discutir e assinar os tratados climáticos internacionais era o Seu Joaquim, ou melhor, milhares de Seus Joaquins espalhados pelo mundo que quando tratam da natureza o fazem de verdade, com reverência e cuidado, como quem realmente se entende parte de um organismo vivo que é a Terra, no qual é preciso plantar para que se brote, irrigar para que se cresça e proteger para que não se destrua.
Gosto de ver os discursos inflamados de líderes nessas conferências internacionais. Dão um breve alento. Mas nem se comparam com aquela imagem simples de um idoso que, sem nenhum ganho ou financiamento, planta suas mudinhas que vão demorar a crescer. Reaproveita galões de produtos de limpeza para servir como reservatório de água. Irriga pacientemente cada uma das frágeis plantinhas. Cerca-as como quem educa crianças contra os perigos da vida.
Por que ele faz isso? É que ele não planta apenas mudas de árvore. Ele semeia vida. Talvez ele nem as veja todas grandes e frondosas. Sob as sombras daquelas árvores pode ser que ele nem venha a caminhar, mas elas terão suas digitais silenciosas. As marcas de alguém que pensou além de si, além da sua própria geração. Espero que um dia as conferências internacionais tenham realmente como foco a vida do planeta e não os acordos geopolíticos e disputas comerciais. Tomara. Por enquanto, o que me faz acreditar ainda na humanidade são ações como a de Seu Joaquim, um plantador de futuro.