Um polêmico “Superman” negro: o personagem que inspira o policial Reinaldo Monteiro

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Juliana Lemes da Cruz.
Doutoranda em Política Social – UFF.
Pesquisadora GEPAF/UFVJM.
Coordenadora do Projeto MLV.
Contato: julianalemes@id.uff.br
Reinaldo – O Superman negro

Qualquer criança carrega consigo fantasias desconectadas dos preconceitos do mundo real. Por outro lado, a pureza do seu universo infantil costuma ser fortemente influenciado pelas posturas de pessoas próximas, já adultas. Dessa maneira, as crianças parecem absorver que para se identificarem com determinado herói, precisam parecer fisicamente com ele.

Introduzo assim, para destacar a história de vida de Reinaldo Monteiro, morador de Teófilo Otoni que, levou para sua vida adulta as memórias de infância sobre seu super-herói preferido: o Superman. Decisão que lhe custa questionamentos sobre os motivos que o levaram a assumir o personagem com tanta dedicação. Por outro lado, sua postura se mostra interessante por quebrar um paradigma, além de simbolizar um legítimo ato de resistência frente ao racismo estrutural – aquele que é visto socialmente como natural, normal ou tolerável.

Reinaldo com sua mãe e irmãos

Quando criança, nas brincadeiras de rua com os colegas, Reinaldo sempre queria ser o superman, mas, em regra, para garantir sua vontade, precisava brigar. Seus amigos não admitiam que ele, negro, assumisse o papel de um super-herói branco e de olhos claros. O Superman sempre foi o super-herói preferido do Reinaldo porque ele poderia fazer o que quisesse, além de ter uma vida pautada em valores e na humildade. O que a vida simples reservou ao protagonista dessa história foram os sonhos e as fantasias, pois sua realidade não lhe permitia ter brinquedos.

O impasse com a cor de sua pele não acontecia apenas nos momentos das brincadeiras de criança. Reinaldo foi o único dos seis filhos da Dona Maria da Conceição que não nasceu com a pele clara. Assim, as desavenças aconteciam entre seus irmãos, que, assim como seus colegas, também o nomeava com apelidos ofensivos, associados ao fato dele ser negro. Temendo que as posturas excludentes das pessoas do convívio do garoto, sua irmã mais velha e sua mãe o superprotegeram do mundo.

Com o tempo, Reinaldo apreendeu que “Existe a brincadeira e existe a brincadeira racista, aquela que o cara quer atingir e te diminuir pela cor da sua pele”. O filho da Dona Maria considera sua irmã, Girlene, como uma mãe de cuidados. Era ela quem se responsabilizava por ele e pelos demais irmãos para que sua mãe pudesse trabalhar. Com renda baixa e analfabeta, Dona Maria conseguiu criar e educar seus filhos “com muita dificuldade, ensinando o valor do trabalho”, mesmo sem a presença de uma figura paterna. Como mãe-solo (sozinha), conduziu a família em meio às vulnerabilidades do ambiente dos aglomerados urbanos, onde era possível morar.

Ao contrário do que ocorre com inúmeras crianças e adolescentes que vivem em comunidades onde podem ser facilmente cooptados por influências associadas à criminalidade, Reinaldo entendia como sua referência, os policiais, que eram seus heróis reais. Aqueles que ele via trabalhando em viaturas, fardados.

Em um tempo em que o trabalho infantil não contrariava as normas nacionais, Dona Maria colocou Reinaldo, aos nove anos de idade para ajudar em uma oficina mecânica. Logo depois, começou a vender picolés, pastéis e geladinho para ajudar em casa; fazia entregas e foi guarda-mirim. Já com 18 anos, seu primeiro emprego foi na rodoviária – banheiros, lanchonete e portaria; foi taxista; mototaxista; trabalhou em firmas nos setores de transportes e de construção civil; foi vigilante de banco; trabalhou em posto de gasolina; em churrascaria; no Centro Socioeducativo local; e, enfim, ingressou na instituição dos seus super-heróis reais, a Polícia Militar mineira.

“Quantas vezes eu subi em aglomerado, com aquele estilo meu, ignorante, para prender o cara, chegava lá, não tinha luz, não tinha água (…)”. Reinaldo via a necessidade que aquelas pessoas passavam e buscava fazer algo por elas após cumprir o que seu ofício exigia. Reconhecia naquelas realidades, a sua própria, na época de infância. “Chegava numa casa, onde o pai era bandido, mas, tinha seis meninos lá com a mãe criando sozinha, e o cara preso (…) e era uma coisa que, em parte, eu tinha passado com mamãe, sabe? ”.

Na tentativa de levar um pouco de alegria e alento às crianças de alguns locais que chegou a visitar, assumia o seu personagem de “Superman”, tornando-se bastante conhecido por ter se apropriado da figura do super-herói como uma marca pessoal. Reinaldo tem os símbolos do “Superman” no muro dos fundos de sua residência, visível há quilômetros de distância; na sua motocicleta; tatuado na sua pele e em objetos pessoais. Tem camisetas e fantasias temáticas, além de, usualmente, brincar de ser o personagem em brincadeiras caseiras ou em ocasiões públicas.

O Reinaldo Monteiro da fase adulta desenha sonhos. Cursa o 8º período de Odontologia porque pretende colocar em prática um deles – com foco nas crianças carentes. Antes disso, graduou-se em Direito e em Administração, tendo cumprido pós-graduação em docência do ensino superior; direito do trabalho; e direito público. É cristão, membro da igreja Vida e Paz, solteiro e disposto a constituir uma família.

Em respeito à sua trajetória de vida e se julgando capaz de fazer algo por seu município, candidatou-se a vereador nas eleições 2020, tendo passado perto. Apenas dois votos o separaram da vereança. É, por isso, o 1º suplente como vereador. Há cerca de dois anos, Reinaldo disse ter vivido o pior momento de sua vida. Um grave acidente automobilístico levou sua mãe à morte. A forma trágica com que se deu seu falecimento provocou impacto capaz de abalar profundamente aquele que assumia para si as forças de um super-herói. Reinaldo permanece em tratamento para aprender a lidar com a situação, e não se permitiu perder sua energia vital. “Reinaldo Superman” continua sendo sua principal marca.

Para além de parecer uma “maluquice”, assumir um personagem infantil como elemento de vida, parece a demonstração pública de que os sentidos das nossas vidas não devem depender da opinião alheia para que sejam assumidos por nós. O “Superman” faz sentido para o Reinaldo e ele decidiu não abandonar o super-herói da sua fase de infância porque sua fase adulta chegou. A “maluquice” para alguns, diz muito para outros. Antes de mais nada, parece ter sido o símbolo de resistência diante de uma das primeiras lutas que precisou travar na sua vida: contra o racismo estrutural.

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