A pioneira de Itaipé: destaques de Karine Mendes sobre o duplo desafio de ser mulher-mãe e autoridade policial

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Juliana Lemes da Cruz.
Doutoranda em Política Social – UFF.
Pesquisadora GEPAF/UFVJM.
Coordenadora do Projeto MLV.
Contato: julianalemes@id.uff.br

É um consenso afirmar que a mulher tem ganhado espaço nas mais diversas profissões formatadas a partir do universo masculino. Apesar disso, a mudança cultural não tem acontecido na velocidade em que as mulheres ocupam os espaços de trabalho historicamente ocupados por homens. Diante disso, necessário à quebra de paradigmas, o que envolve a confrontação de elementos presentes na arena dos costumes ou da tradição local.

Até a chegada de Karine Mendes no município de Itaipé – localizado no Vale do Mucuri, distante 530km da capital mineira –, a população contava apenas com a referência masculina de polícia. A pioneira de Itaipé chegou no ano de 2015, ainda como soldado da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG).

Apesar de ter suas raízes no município de Teófilo Otoni, Karine, que atualmente está Cabo PM, ingressou na corporação na cidade de Belo Horizonte, em 2011. Serviu por três anos em Santa Luzia, região metropolitana de BH e logo a inquietação para retornar para casa tomou conta dos seus pensamentos para o futuro. Ela queria viver próximo da sua família e ter a oportunidade de trabalhar no lugar em que aprendeu com seu pai, policial militar reformado (aposentado), a natureza do serviço de rua. Pelo qual sempre teve admiração.

Por meio de pedido formal, Karine foi transferida para a Unidade do 19º Batalhão PM, com sede em Teófilo Otoni. No entanto, ao contrário do que planejou, foi lotada no destacamento de Itaipé, há aproximadamente 80km de onde sua família residia. O município é de pequeno porte, motivo pelo qual dispõe de um efetivo reduzido de policiais, apenas sete. Com características de relevante rotatividade desses profissionais. A protagonista da nossa história é o componente mais antigo dentre os policiais atuantes em Itaipé, município em que serve há oito anos e onde admite que chegou com orgulho de ter sido a primeira policial feminino a prestar serviço ordinariamente por lá.

Surpreendentemente, Karine que foi considerada por médicos como uma mulher estéril, engravidou após seis meses de chegada à cidade, período em que cursava graduação em Direito que, com muito esforço, conseguiu concluir em 2019. Como se não bastasse os inúmeros apertos para acompanhar o desenvolvimento da sua bebê, Karine descobriu uma nova gravidez após um ano dela ter nascido. Com o apoio incondicional da sua família, especialmente da mãe, irmã e sobrinhas, ela conseguiu seguir firme. Fator determinante na fase em que passou pela separação do seu companheiro, um ano após o nascimento da sua segunda filha.

“Foi uma fase muito conturbada […]. Quando eu olhava as duas, eu pensava que era por elas que eu estava lutando. Quero dar um futuro melhor pra elas. Então, eu sigo firme e forte por causa delas, porque assim… é bem complicado…é muito difícil você morar numa cidade e trabalhar noutra, tentando acompanhar o crescimento dos seus filhos. Para uma mãe, isso é bem estressante. Se não fosse minha família, eu teria que me mudar para Itaipé”. Algo que relutou para não acontecer, pois ficaria distante dos familiares.

Em Itaipé, Karine considerou como excelente a acolhida que teve dos colegas militares. Disse ter sido muito importante a deferência que tiveram com ela, o respeito e consideração. Por outro lado, no que se refere à prestação de serviço à comunidade em razão dos acionamentos, Karine destacou que teve de quebrar tabus, “[…] numa cidade pequena com algumas pessoas com mente [postura] machista”. No início, esse cenário provocou bastante incômodo na Karine. Ressalta que o comportamento de alguns homens abordados pela guarnição reflete o quanto discriminam a figura feminina. Destacou que se ela, como mulher, faz uma pergunta, é respondida com rispidez, de forma bruta. Ao passo que, situação como esta não costuma ocorrer quando o policial que aborda é do sexo masculino.

Nesse contexto, no imaginário popular, a polícia parece ter a referência de autoridade policial baseada na condição de gênero masculino, ao passo que, a condição de gênero feminino constitui, não raro, alvo de desrespeito, descrédito quanto à capacidade técnica e competência profissional por parte de figuras tanto do sexo masculino, quanto do feminino. Com frequência, especialmente nos municípios menores, as mulheres policiais são afrontadas por envolvidos em ocorrências, gerando um grau de resistência impraticável no caso de os policiais serem homens. Há a crença equivocada de que as mulheres não serão capazes de intervir nas ocorrências de forma enérgica.

Segundo Karine, algumas pessoas têm a ideia de que a policial mulher é meiga e fraca. “Quando olham pra mim que sou mais baixinha então… (risos)”. Essas percepções têm mudado nesses oito anos que Karine serve em Itaipé, mas, ainda gera desgaste. Se considerarmos que a PMMG completou 247 anos e há apenas 42 anos houve o ingresso das primeiras mulheres policiais na corporação, o comportamento adotado por alguns homens nada mais é que o reflexo da costumeira atribuição de autoridade policial à figura masculina, associado, sem sombra de dúvidas, ao machismo estrutural que potencializa a desigualdade entre gêneros promovida por relações de poder, onde os homens têm a primazia.

Importa considerar esses entraves ao trabalho da mulher policial em razão de ser mais um dos inúmeros desafios que as mulheres que ingressam nas carreiras policiais estão expostas pelo simples fato de serem mulheres e não serem admitidas socialmente como autoridades, tal qual os homens policiais. Acrescido às questões que decorrem da profissão, que não é simples nem para os homens, as mulheres ainda têm que lidar com o fator “culpa”, o que inclui a materna e a conjugal; com o acúmulo de atividades de naturezas diversas; e com as cobranças sociais intermináveis.

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