Passo a passo do plano de denúncia

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Juliana Lemes da Cruz.
Doutora em Política Social (UFF).
Conselheira do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Contato: julianalemes@id.uff.br | @julianalemesoficial

Na semana que a Lei Maria da Penha completou 17 anos de criada, não custa relembrar algo que já alertei por aqui: a importância do cuidado ao incentivar a denúncia de violência doméstica contra a mulher. Durante alguns anos, observando e estudando a dinâmica que envolve o ciclo da violência doméstica, notei o quão complexo é produzir estratégias para fazer frente ao fenômeno, compreendendo que a denúncia, para se sustentar, marcando sua efetividade, precisa ser feita de forma planejada.

Assim, qualquer formulação nesse sentido exige o olhar ampliado para aspectos comuns aos casos, mas, principalmente, para os aspectos particulares. Aqueles que singularizam as situações. Vale destacar que cada caso é único e por isso, exige abordagem específica. O passo a passo a seguir destaca seis etapas de um Plano pensado, principalmente, para auxiliar no enfrentamento da violência contra mulheres (excluída a fase grave da violência), em localidades onde a estrutura física e logística ainda não é capaz de atender à demanda, oferecendo um acompanhamento sistemático à mulher em situação de violência que conseguiu identificar o que tem ocorrido com ela. Realidade de municípios de interior, principalmente de porte 1, compostos de até 20 mil habitantes.

Etapa 1: Fortalecimento de si mesma – é algo que precisa ser trabalhado todos os dias. Diz respeito à autoestima, autoconfiança, senso de merecimento, empoderamento, valorização das próprias conquistas, autoamor, dentre outros elementos relacionados à pessoa, individualmente. É a etapa que precisa estar presente em todo o processo de planejamento. Seu enfraquecimento reflete o fortalecimento do ciclo violento de relacionamentos afetivos de algumas mulheres.

Portanto, dar atenção a esta etapa é fundamental e decisivo. Uma mulher que não acredita em si mesma vive em guerra com sua autoestima e está constantemente preocupada em atender as expectativas de outras pessoas, estará mais condicionada a se colocar em relacionamentos abusivos de qualquer natureza, especialmente, aquelas de âmbito doméstico. Para lidar com o problema, se for o caso de a mulher ter condições de custear, vale buscar por um (a) profissional da psicologia para acompanhamento.

Se a mulher não tiver condições de custear ou não estiver à vontade para buscar ajuda profissional, ela pode procurar se fortalecer de outras formas. Como exemplo, acessando, de forma gratuita, perfis de profissionais nas redes sociais: instagram, facebook ou youtube. Ela também encontra conteúdo de excelente qualidade em formato de podcast. Pode-se usar como palavras-chave: autoestima, autoconhecimento, empoderamento feminino e autoconfiança, por exemplo. Acompanhe as redes do @ projetomlv onde incluímos indicações que poderão auxiliar.

Etapa 2: Identificação dos aliados – Em um primeiro momento, a rede de apoio primária, representada pela família e amigos, faz-se essencial. A rede que a mulher faz seus contatos iniciais sobre a violência vivenciada por ela. Logo em seguida, a mulher busca pelos agentes da rede local, como referências do CRAS ou CREAS (assistência social), o (a) agente comunitário (a) de saúde ou mesmo, a sua liderança religiosa (igrejas/templos/espaços/grupos). É de suma importância que a mulher consiga partilhar sua vivência com alguém de sua confiança.

Etapa 3: Principais desafios – Constitui uma etapa que não deve ser negligenciada. Por vezes, os desafios da mulher para reconhecer a violência vivenciada ou para alcançar o rompimento do ciclo violento é relegado ao campo individual, como se fosse uma tomada de decisão simples por parte da mulher envolvida. Inúmeros são os elementos que (des)mobilizam as mulheres em situação de violência. Para tanto, as seguintes perguntas chave são: Ela está disposta a dar uma 2ª chance? Acredita que ele mudará seu comportamento? É dependente financeiramente dele? Sente-se constantemente com medo ou ameaçada? Trata-se de um autor com perfil agressivo ou com histórico de violência contra outra mulher?

Etapa 4: Elementos facilitadores – Já sai na frente a mulher que reconhece que está em situação de violência e precisa fazer algo para sair dessa situação. O fato de ter independência financeira facilita as coisas, mas, embora não seja determinante. Ela também precisa ter independência emocional. Do contrário, por medo de caminhar sozinha, sofrerá violência mesmo dando conta de se manter sem apoio de outrem. Ademais, o apoio dos amigos ou da rede comunitária/grupo de mulheres deve ser muito explorado se estiverem à disposição.

Etapa 5: Elementos-Base para o recomeço – Antes mesmo de conseguir romper o ciclo violento, a mulher busca pelas bases para seu recomeço. Trata-se aqui de um tripé que envolve: 1) autonomia econômica – que envolve sua capacidade de se manter sozinha; 2) apoio moral – que diz respeito ao suporte à mulher por parte de amigos e familiares; e 3) autoconfiança – que se associa à primeira etapa, o fortalecimento de si mesma. O quanto ela crê que pode superar aquela situação e o quão longe pode ir sozinha, sem qualquer “muleta” emocional.

Mapa da situação – constitui o resultado dos elementos identificados durante a formulação do plano individual de denúncia. Até esta fase, não sendo possível o rompimento do ciclo violento de forma não conflituosa, a mulher será capaz de se autoquestionar: estou pronta para denunciar? Já estou confiante? Se a resposta for positiva, ela deve seguir em frente. Se a resposta for negativa, ela deve continuar no processo de fortalecimento de si mesma até que se sinta capaz de avançar. Afinal, apenas a mulher envolvida na situação sabe quando já tem condições de dar outros passos na construção do seu plano.

Etapa 6: A denúncia – Esta é uma etapa difícil. Por isso, a mulher deve estar fortalecida para que não se sinta culpada, arrependida ou com vontade de desistir. A denúncia é mais um instrumento auxiliar para a quebra do ciclo violento e um dos mais tensos. Envolve polícia e órgãos do sistema de justiça, aspecto que geralmente é desconhecido pelas envolvidas, provocando medo ou insegurança nelas.

Sobre esse processo, o Disque 180 pode ajudar a esclarecer suas principais dúvidas. Por outro lado, pode representar a etapa decisiva para a vida de uma mulher, onde ela se sentirá acolhida e protegida. Isso ocorrerá mais diretamente se ela já tiver noção do processo e informação sufi ciente para compreendê-lo. Em Minas, o mais comum para se fazer uma denúncia é registrar o boletim de ocorrência (REDS), junto à Polícia Militar e em seguida, solicitar Medida Protetiva de Urgência (MPU) ou abrir um processo contra o autor na Polícia Civil. Lembrando que a(s) MPU pode(m) ser requerida (s) diretamente, por meio de pedido à justiça com apoio de um (a) advogado (a), Ministério Público ou Defensoria Pública. A mulher não precisa, necessariamente, “processar” o autor para requerer uma MPU. Essa informação facilita bastante quando ela, apesar de ter sido violentada de alguma forma, não quer abrir um “processo”.

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