No auge dos seus 48 anos de idade, Lourdinha conquistou o 3º lugar geral em um dos primeiros concursos públicos da Polícia Rodoviária Federal (PRF) a admitir mulheres como policiais. A história dessa pioneira foi narrada por sua única neta, a Priscilla, que, entusiasmada e orgulhosa, se dedicou a encaminhar a esta articulista detalhes da conquista da avó. Como sabido pelos leitores, o protagonismo de mulheres em espaços onde, em outros tempos, não as admitia, constitui uma das minhas inspirações para a escrita dos textos da Coluna Interfaces.
Afinal, embora tenhamos avançado nas percepções sobre o assunto, ainda contamos com a resistência social em desfavor de mulheres que almejam ocupar determinados espaços, especialmente aqueles em que, historicamente, foram dominados por homens, a exemplo das carreiras associadas às forças de segurança pública. Por isso, minha satisfação em homenagear a Dona Lourdinha, que fez história, desbancando dois tipos de preconceito: o etarismo (por ter integrado a PRF com quase 50 anos) e o de gênero (por ser uma mulher). Além disso, seu pioneirismo inspirou outras mulheres a se tornarem policiais, inclusive a neta que me apresentou sua história.
Certo dia, enquanto preparava o almoço da família, Lourdinha, casada e mãe de três filhos, percebeu seu esposo chegar em casa com uma notícia diferente e direcionada aos seus três filhos homens com idade entre 18 e 21 anos. O Sr. Wilson mostrou-lhes um panfleto que informava sobre vagas de concurso para a PRF. Lourdinha, interessada, logo perguntou: “e pode mulher? ”. Seu esposo, sem resposta naquele momento, disse que iria olhar. No dia seguinte, ele teria confirmado à Lourdinha que sim, mulheres poderiam tentar o concurso e seria um dos primeiros autorizados para ingresso de policiais do sexo feminino.
Segundo sua neta, quando a modesta dona de casa confirmou que iria prestar o concurso, um dos seus filhos teria feito um comentário desmotivador: “Mãe, quantos anos tem que a senhora já saiu da escola? ”, na tentativa de abrir seus olhos para a pouca chance de sucesso em um concurso daquele nível. No entanto, não foi o bastante para que ela recuasse. Afinal, seu companheiro, o Sr. Wilson, à frente do seu tempo, a incentivou a buscar pelo que queria. E assim ela fez. Curiosamente, Lourdinha havia tentado um concurso para ingresso em um cargo de servente escolar da Prefeitura de Teófilo Otoni, para o qual foi reprovada.
Maria de Lourdes Amaral Figueiredo, nascida em 18 de maio de 1938 no município de Teófilo Otoni, casada com Wilson Neiva de Figueiredo, ingressaria na Polícia Rodoviária Federal no ano de 1987 e teria sua primeira lotação enquanto PRF na sua cidade natal.
Para tanto, Lourdinha estudou com dedicação nos intervalos entre uma tarefa doméstica e outra. Para fazer a prova na capital de Minas, Belo Horizonte, foi acolhida na casa de uma prima. No dia do exame, já no local da prova, percebeu que seus concorrentes eram advogados, engenheiros e formados em cursos de outras carreiras. Assustada com o que encontrou, foi até um “Orelhão” (telefone público) e ligou para seu esposo: “Nozinho, você gastou seu dinheiro, aqui só tem gente formada e eu tenho só a 8ª série, eu não vou passar nesse concurso”. De imediato, seu companheiro respondeu que ela deveria fingir que está passeando por lá, que ficasse tranquila e que não deixasse de fazer a prova. Como resultado, a 3ª colocação geral no Brasil e a 1ª mulher mineira a ingressar na carreira de PRF.
Lourdinha fez a prova com 48 anos de idade, tendo ingressado na PRF aos 49 anos, em 1987, carreira que finalizou no ano de 2004, com sua aposentadoria no ano que completaria 66 anos. Em 2022, com 84 anos, a PRF Lourdinha faleceu, mas não antes de partilhar da alegria de assistir sua única neta ingressar na carreira Policial Civil de Minas Gerais. (Colaboração: Priscilla Santana Figueiredo, neta da Lourdinha).