A paternidade como dever e direito: um relato do Cleriston pai

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Juliana Lemes da Cruz.
Doutora em Política Social (UFF).
Conselheira do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Contato: lemes.jlc@gmail.com | @julianalemesoficial

Recente pesquisa mostrou que 76% dos brasileiros entendem que a licença paternidade (5 dias) deve ser estendida (DATAFOLHA, 2024). Enquanto para alguns “pais” isso não faz diferença, afinal, negam ou negligenciam o dever da paternidade sem pudor ou culpa, para Cleriston, seria o ideal para que pudesse exercer efetivamente seu direito de ser pai, podendo ter acompanhado e cuidado das filhas nos primeiros meses de vida. Alguns homens entendem a condição de “pai” de forma deturpada, como se contribuir com o material genético para a procriação fosse o bastante para serem vistos como “pais”. Quando na verdade, com tal postura, não passam de genitores.

Cleriston com as filhas Helena e Rebeca

O Conselho Nacional de Justiça (2013), com base em dados de 2011, apontou que o Brasil tinha 5 milhões e meio de crianças sem o nome dos pais nas suas certidões de nascimento. Boa parte dos homens genitores decidiu, simbolicamente, “abortar” a criança, ignorando sua concepção. Postura, até hoje, pouco contestada socialmente quando se é decidida por um homem.

Dentre aqueles que registram as crianças e abrem mão da paternidade, destaco três perfis: 1) aquele que assume a paternidade no registro, mas, não o exerce nem de forma financeira, tampouco, afetiva; 2) aquele que reduz a paternidade ao pagamento da pensão-alimentícia e é afetivamente ausente; e 3) aquele que oferece afeto, mas, não paga pensão. Para esses, a paternidade parece facultativa e o que fizeram ou fazem pelos filhos é o bastante e, inclusive, elogiável.

Não bastasse a evidência de que a mulher de hoje não é mais a mulher de antigamente, ou seja, não está exclusivamente se dedicando à vida doméstica, há outro elemento determinante nesse cenário. A legislação brasileira, ao definir 5 dias para a licença paternidade e 120 dias para a licença maternidade, comunica à sociedade que a responsabilidade pela criança é mais da mãe do que do pai. Logo, muitos homens deixam de cumpri-la, sob o discurso amplamente difundido e aceito de que a mãe cuida, se ela faltar, tem-se a avó ou a tia.

Apesar disso, alguns homens têm constituído nova consciência sobre a matéria. É o caso do Cleriston, que relata sua dificuldade para exercer plenamente sua paternidade. E como a define? Explico. Para eles, todas as tarefas de cuidados podem e devem ser desenvolvidas por ele em equilíbrio com sua esposa, a Flávia. Salvo, quando a amamentação for via seio materno. Apesar do Brasil ter evidenciado nos últimos anos redução a taxa de natalidade, o que indica que os brasileiros estão optando por terem menos filhos ou não os ter, alguns casais fazem o movimento inverso.

Cleriston e Flávia fazem parte do grupo de pessoas que decidiram enfrentar o desafio de buscar na ciência e tecnologia a alternativa para o alcance do objetivo de constituírem suas famílias do modo que sonharam, sendo pais biológicos dos seus filhos. Gentilmente, Flávia autorizou que fosse abordado aqui estágios da sua jornada até que se tornasse mãe. Condição que envolveu, além de investimento financeiro do casal, frustração, dor e culpa. No entanto, a persistência e fé que tiveram nesse percurso merece ser destacado como exemplo de superação para casais que também sonham serem pais.

Decidiram engravidar em 2018, mas o teste positivo não chegava. “Foram muitas expectativas, emoções, medos e aflições”. Em 2020 procuraram ajuda de uma clínica de reprodução assistida. Na 1ª tentativa, não deu certo. Na 2ª, deu positivo, “Choramos, vibramos, agradecemos a Deus, mas… 2 dias depois o nosso bebê estava nos deixando… perdemos!!”, disse Flávia. Em 2022, buscaram uma nova clínica, fizeram vários exames até chegarem ao diagnóstico de trombofilia, o que foi tratado e finalmente, chegou “o tão sonhado e desejado POSITIVO”. Relata que foi uma “[…] alegria sem medida, mas a incerteza e o medo ainda perduravam, afinal de contas era só o começo […]”, e não desistiram. No mês seguinte, “[…] pareceu estarmos vivendo outro pesadelo, pois não havia batimento cardíaco” identificado pelo ultrassom. Em 10 dias repetiram o exame e foram “[…]dias de muita angústia, ansiedade, medo”. Conforme destacou Flávia: “não havia 1 coração batendo, havia 2! Nosso único embrião se dividiu! Eram 2 bebês idênticos! Vibramos muito. Como Deus é bom!”.

As pequenas Helena e Rebeca nasceram em agosto de 2023 e junto delas nasceu a Flávia mãe o Cleriston pai. Como ocorre em todo puerpério, a adaptação à nova vida foi muito difícil para ambos, mas, teria sido menos desgastante se a legislação brasileira reconhecesse que, assim como a mãe, o pai tem papel fundamental nos primeiros meses de vida da criança, pois exige atenção em tempo integral dos cuidadores. Para dar conta, o casal fez uma força tarefa com apoio da rede familiar. Cleriston, que é policial, estava em período de curso integral, o que limitou no apoio que gostaria de ter prestado à sua companheira. Flávia é enfermeira e ficou licenciada durante os 120 dias previstos em lei.

Foram noites de revezamento de privação de sono entre o casal. E por mais que estivesse se esforçando, Cleriston sentiu muito por querer cumprir seu papel de pai como acha que deve ser, mas, se viu limitado pelas responsabilidades laborais. Como poucos com esta consciência, testemunhei sua inquietação em não poder minimizar os esforços de sua esposa para cuidar das pequenas, motivo pelo qual me chamou a atenção, despertando em mim o desejo de dissertar sobre sua vivência nesta Coluna.

De fato, ele queria estar junto, presente e compromissado em passar com ela aquela fase mais difícil. No entanto, ainda vivemos em uma sociedade em que mesmo que disposto, o homem, ainda encontra resistência para cumprir tarefa dos cuidados – função historicamente delegada às mulheres.

Em alguns países da Europa, por exemplo, a licença maternidade é combinada à licença paternidade, de modo que os pais escolhem a melhor forma de usufruí-la. Ou seja, não há diferença entre dias concedidos a mulheres ou a homens. Ambos não tiram as licenças em um mesmo momento, mas, podem revezar entre eles durante todo o período de licença, reduzindo assim, a desigualdade em função dos cuidados entre pais e mães.

Por aqui, no Brasil, ainda precisamos desconstruir a ideia de que homens não têm as mesmas obrigações que as mulheres na criação dos filhos. Para tanto, é necessário o contínuo debate sobre o assunto para que se produza sensibilização social e movimento legislativo – norma/ lei – para comunicar oficialmente à sociedade que o Estado brasileiro entende que o homem tem tanta responsabilidade quanto a mulher frente às pessoas que trazem ao mundo. (Colaboração: Flávia e Cleriston Tameirão).

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