O brasileiro realmente precisa ser estudado?

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COVID(ando) a Refletir

Bruno Oliveira
Farmacêutico Analista Clínico
Pós Graduado em Química (UFLA) – Pós Graduado em Docência do Ensino Superior (DOCTUM) – Pós Graduado em Vigilância em Saúde Ambiental (UFRJ) – Pós Graduado em Vigilância em Saúde (Instituto Sírio-Libanês de Ensino e Pesquisa)

Olá pessoal. Como estão? Então, vocês provavelmente já devem ter visto a frase que “o brasileiro precisa ser estudado”. Ela geralmente é usada em memes de redes sociais para retratar algo que demonstre uma criatividade característica do nosso povo para resolver um problema. Mas será que precisamos ser estudados por outros motivos?

Provavelmente ultrapassaremos ainda esta semana a triste marca dos 100 mil mortos, então os convido para uma reflexão sobre esta tragédia semi-anunciada. O Brasil tem quase o dobro de mortes da soma de todos os outros países da América do Sul. Falaremos esta semana sobre a pífia conduta brasileira no combate ao coronavírus, e faremos isso traçando um paralelo com as principais características/ ações de um país vizinho que fizeram com que, até então, tenham números extremamente eficazes no controle da Pandemia, sendo reconhecido como um oásis em nosso continente, o Uruguai.

Sou suspeito para falar deste país, pois sua postura em priorizar a educação, a qualidade de vida de sua população e ser o país mais progressista da América Latina sempre me chamou a atenção. Já estive lá em 2017 e pude comprovar in loco toda a fama que lhe cabe. A União Européia, em 30/06/20, reabriu as suas fronteiras para 15 países que conseguiram controlar a Pandemia de coronavírus, e o único país da América Latina que faz parte desta lista é o Uruguai. O Uruguai é um país pequeno de apenas 3,5 milhões de habitantes, mas vamos mostrar que não foi apenas seu tamanho e população pequena que contribuíram para seus excelentes resultados.

Até o dia de hoje (06/08/2020) o Uruguai tinha 1309 casos confirmados e apenas 37 mortes, enquanto o município de Teófilo Otoni, com aproximadamente 140 mil habitantes (25 vezes menos), já tinha 1443 casos confirmados e 64 óbitos confirmados. Baseado numa reportagem da BBC Brasil, vamos pontuar o que contribuiu para que o Uruguai tivesse êxito no combate ao coronavírus.

O primeiro ponto a seu favor é que, assim como no Brasil, o Uruguai possui um sistema universal de saúde. A diferença em relação a nós, foi que eles investiram pesado na testagem (exames), contribuindo para a identificação rápida e eficaz dos infectados, e acompanhamento dos seus contatos. Além disso, priorizou os atendimentos de saúde domiciliares, evitando que os casos suspeitos precisassem ir até as unidades de saúde, evitando uma possível infecção ou transmissão da doença.

Os bons índices sociais do Uruguai também contam a seu favor. Para exemplificar, vamos citar um dado que talvez seja o principal indicador social, diretamente relacionado a qualidade sanitária de um país e que demonstra o quanto o Brasil é um país desigual. O Uruguai possui abastecimento de água potável para 100% de sua população, o que contribui para uma medida básica e eficaz no combate ao coronavírus, a lavagem das mãos. Já o Brasil, segundo divulgação recente do IBGE, 9,6 milhões de lares brasileiros não estão ligados a rede de água, o que equivale aos estados do Rio de Janeiro e Pernambuco, somados. Para a rede de esgoto os números conseguem ser piores, com metade das casas do Brasil (34 milhões) não possuindo ligação. Para entenderem melhor o impacto que essa falta de infraestrutura reflete na nossa saúde, no ano de 2016 (último ano que tem esse tipo de dado disponível) o SUS teve 342 mil internações por doenças causadas por saneamento inadequado, isso é quase o dobro das internações causadas por acidentes de trânsito. Mas esta realidade não é muito difícil de entender, pois investir em saneamento não gera propaganda aos políticos, já que as obras ficam debaixo da terra.

O Uruguai agiu rápido nas medidas para conter a Pandemia. Já no início de março as fronteiras foram fechadas e os vôos, aulas, cultos religiosos e eventos públicos (shows, campeonatos de futebol), etc. foram suspensos. Não houve necessidade de Lockdown, mas shoppings e grandes lojas de departamento foram fechados, entretanto os pequenos comércios continuaram abertos, desde que respeitassem as medidas de segurança. Mas um dos pontos mais preponderantes e antagônicos com o Brasil foi que a Pandemia não se tornou objeto de disputa política. Em sua grande maioria, a classe política apoiou as medidas sanitárias do governo que, obviamente, eram norteadas pela ciência. Todas as decisões eram tomadas a partir das orientações de um grupo de médicos de diferentes áreas, farmacêuticos, engenheiros, matemáticos e profissionais de estatísticas, entre outros, que avaliavam os riscos de proliferação do vírus e seus impactos. Essa unidade da classe política fez com que toda a população se unisse contra o coronavírus e ajudou a resolver os temas mais polêmicos. Para exemplificar, o auxílio emergencial do Uruguai (que se chama Fundo Coronavírus) foi implementado de forma ágil e com respaldo da oposição. Os recursos vieram, principalmente, a partir do corte de 20% dos salários do presidente, de ministros, legisladores e outros funcionários do setor público. Além disso, as contas de água e luz foram canceladas ou diminuídas pelas empresas que prestam estes serviços.

E, por último, temos que destacar que esta maturidade da classe política nada mais é que um reflexo da população uruguaia. O presidente deixou claro desde o início que não estava em seus planos limitar a liberdade das pessoas e não desaconselhava as saídas de casa, desde que fossem adotadas as medidas de segurança como o uso de máscara e o distanciamento social. Entretanto, mesmo não sendo obrigatório, as pessoas optaram em ficar em casa e muitos comerciantes preferiram não abrir, já que o fluxo de clientes estaria muito reduzido. Pesquisas demonstraram que no início da Pandemia mais de 90% das pessoas acataram as recomendações dos órgãos de saúde e não saíram de casa.

E como foi no Brasil? Alguém consegue imaginar aqui políticos de situação e oposição unidos em alguma causa? Políticos e servidores públicos cortando 20% de seus salários para ajudar a população mais vulnerável? Pra piorar nosso quadro esta Pandemia chegou em ano de eleição, tornando o que já era muito difícil, impossível. Aqui foi uma politização descabida, uma guerra ideológica, uma enxurrada de Fake News e desinformação em que muitas vezes as recomendações dos órgãos de saúde e a ciência foram colocadas em xeque. Tínhamos boas receitas para copiar, mas preferimos nos espelhar no que deu errado, estocando toneladas de medicamentos inúteis e deixando faltar medicamentos sedativos imprescindíveis para entubar pacientes nas UTIs.

Parafraseando Jorge Bem, “moro num país tropical abençoado por Deus”, mas realmente precisamos ser estudados. Mas não por nossa capacidade criativa, e sim pela expertise que temos para piorar o que já está ruim, complicar o que já não está simples e de nos dividir nos momentos em que mais precisávamos de união.

BOAS NOTÍCIAS: Foi iniciado esta semana o projeto TeleCovid, que é uma parceria entre o Centro de Telessaúde do Hospital das Clínicas da UFMG, o Hospital Albert Einstein de São Paulo, a Faculdade de Medicina do Mucuri e a prefeitura de Teófilo Otoni. O projeto vem ampliar a capacidade de atendimento da Central de Atendimento à População em relação ao Covid, com o objetivo de orientação, assistência médica e de enfermagem e identificação precoce dos sinais de alerta. Telefones: 33- 98880-8022 e 98880-8051.

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