Mulheres na linha de frente: as conexões do grupo Mulheres Antenadas de Ataleia

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Juliana Lemes da Cruz. Doutoranda em Política Social – UFF. Pesquisadora GEPAF/UFVJM. Coordenadora do Projeto MLV. Contato: julianalemes@id.uff.br

Os impactos da Covid-19 na vida das mulheres, dentre outros aspectos, diz respeito à desconexão forçada dos vínculos com as redes de apoio representadas por membros da família, vizinhos e amigos. No contexto de pandemia e isolamento, as mulheres perderam a conexão com as outras mulheres, um “elo fundamental para a sobrevivência”, como alertou a antropóloga Débora Diniz. As mulheres já não podem deixar seus filhos com parentes ou a se divertir com outras crianças como antes. Já não podem delegar funções ou trocar aflições do cotidiano presencialmente com outras mulheres, como costumavam fazer.

Por conta dessas relações corriqueiras, que nos parecem sem importância, é que destaco a necessidade de conferirmos visibilidade às iniciativas de organizações e grupos, não vinculados aos setores públicos, que neste momento de pandemia têm conectado mulheres. Não se trata, porém, de enfatizar tais grupos como substitutivo às atribuições do Estado, principal responsável pela garantia da dignidade dos cidadãos. Trata-se de enfatizar que esses modelos de grupos comunitários tendem a preservar a saúde mental das mulheres e consequentemente, ajudam no bem estar de todo o núcleo familiar. Nesta edição, a Campanha de valorização das mulheres na linha de frente no combate à pandemia de Covid-19 veio diferente. Apresentaremos a seguir, trechos de depoimentos de algumas mulheres e um breve histórico do Grupo Mulheres Antenadas (GMA), criado no município de Ataleia, aqui no Vale do Mucuri, para conectar mulheres, apoiá-las e empoderá-las.

A idealizadora da iniciativa foi a Telma Amaral, que gentilmente, coletou e repassou-me os relatos abaixo citados. Corrigindo a edição anterior, onde me equivoquei ao apresentá-la, a Telma tem como companheiro, o José Renobio, e é mãe de três homens já encaminhados na vida: o Tanure, que é engenheiro de produção; o Rossiny, que é cientista da computação e o Fernando, que é empresário. Inspirada pela experiência como administradora e empreendedora, ela decidiu apoiar outras mulheres na construção de seus sonhos. Em pouco tempo, a iniciativa ganhou corpo e novos braços.

O GMA, que nasceu como um grupo de whatsapp formado por 245 mulheres de diversas classes sociais tem mobilizado a comunidade local e intermunicipal. São trabalhadoras dos setores público, privado, autônomas e empreendedoras de vários segmentos das áreas rural e urbana Telma destacou que com o grupo aliaram o empreendedorismo e o acolhimento às mulheres, alinhando ao espaço virtual, o campo e as ruas. “Saímos em busca de outras mulheres que precisam de nós”.

Segundo a professora Edlene Barreiros, nessa pandemia, os grupos virtuais fizeram a diferença. Disse que pensou em sair do grupo pelo grande número de mensagens. No entanto, “Aos poucos fui percebendo que as mensagens eram necessárias, pois ali haviam mulheres com sede de falar, de ajudar, de denunciar, de sorrir, de chorar, de se sentir valorizada, de enturmar e de se reencontrar”. Já para Rinara, profissional da educação superior, […] neste grupo tenho ficado na torre de vigia, atenta a cada gesto solidário”. Nele, “[…] compartilham dores, alegrias, amores, pão e flores”.

Nessa direção, Anna Júlia Silva destacou a campanha de arrecadação de alimentos, fraldas e leite que as integrantes mobilizam. “O GMA vem mostrando para toda a população ataleense o verdadeiro significado de sororidade, solidariedade, empatia e união. O simples gesto de algumas doações trouxe alegria para vários lares e isso é gratificante. […] aprendemos muitas lições de vida, adquirimos experiências e damos esperança para várias famílias. Temos muito o que aprender e temos muito o que fazer!”.

O relato da professora Denise Simões, mostrou outra potencialidade do grupo: o incentivo para o despertar da criatividade das mulheres. “[…] surgiu a ideia do Bazar solidário. Coisas que ficavam guardadas no guarda roupa, closets ou até mesmo em casa, foram colocados no bazar e os mesmos são arrematados por componentes do grupo”, para ajudar as mulheres vulneráveis da cidade. […] percebemos o quanto uma palavra amiga, um gesto simples de doação, melhora as pessoas. Pudemos observar que há uma necessidade de ter esse contato. Pois na maioria das vezes, elas se sentem sozinhas ou até esquecidas. Está sendo uma experiência maravilhosa esse contato, a troca de experiência, de afeto, carinho e acima de tudo, uma palavra amiga nesse momento difícil em que estamos passando em nosso país.

Por outro lado, Danielle Nunes, enfermeira de uma unidade básica de saúde há 12 anos, pontuou que sua rotina mudou completamente e no trabalho, as atividades grupais foram suspensas, “[…] dando lugar às urgências de síndromes gripais[…]”. Relatou ainda que membros de sua família se contaminaram, e isso a desestabilizou, gerando um estresse pós traumático, “[…] fiz acompanhamento com psicólogo para conseguir voltar a trabalhar e fazer o que mais amo na vida: cuidar dos meus pacientes. Tenho visto o quanto o coronavírus altera o estado psicológico das pessoas, […] muitas vezes peço ajuda do GMA para ajudar outras mulheres em situação de risco”. […] minha unidade vive um grande aumento no número de casos que devem ser acompanhados e monitorados diariamente, um trabalho exaustivo, mas que sei que vale a vida das pessoas. Fico muito feliz quando alguém se recupera e muito triste quando morre.

Me preocupo quando vejo as pessoas ignorarem totalmente a pandemia e não respeitarem as orientações da saúde, pois sei que vai aumentar nosso trabalho, carregamos marcas no rosto, das máscaras e dos outros equipamentos […] sei que muitos podem perder a vida, e às vezes, por irresponsabilidade do outro. “Acho que nunca mais a vida vai ser como antes, peço a Deus força todos os dias nessa missão, […] que a vida volte pelo menos a um novo normal, onde não possamos ter tanto medo de morrer ou perder as pessoas que amamos”. Para Erika Gazel, artesã e produtora rural, o grupo é […] como uma Liga do bem, do amor, do empreendedorismo e principalmente, da solidariedade!”.

Por tudo que a manutenção das conexões entre mulheres representa na vida de cada uma, pela empatia e mobilização para além das redes virtuais, rendemos nossas homenagens às integrantes do Grupo Mulheres Antenadas, reconhecendo a singular importância de sua existência. (Referência: Débora Diniz, “Mundo pós-pandemia terá valores feministas em nosso vocabulário comum”. Folha de S. Paulo, 06 abr. 2020).

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