Mesmo hoje, com o amplo alcance dos canais de comunicação, vê-se dificuldade de parcela significativa da sociedade quanto ao acesso às informações básicas que compõem o exercício da cidadania. Não raro, os governos desempenham atividades relacionadas à assistência à população e estas são entendidas como uma espécie de favor, quando na verdade, a realidade é outra. A reprodução dessa noção se deve, em certa medida, pelo histórico sócio cultural de cada região. Em alguns territórios o discurso do favor no desempenho de atividades de natureza pública já não produz eco. Por outro lado, noutras, esta prática segue incorporada às instituições públicas por meio de seus agentes.
A discussão desse assunto não é simples, por isso, nesse espaço, ele aparecerá apenas como uma provocação.
Percebe-se que onde as práticas clientelistas estão mais impregnadas há muita dificuldade na implementação de políticas públicas, uma vez que, como no dizer popular, as pessoas já se acostumaram a receber “tudo na mão”. Assim, a participação nas atividades que demandam a presença do público alvo precisa ser condicionada a uma oferta atrativa. O simples fato da implementação de uma política que beneficiaria um grupo da população, não basta para que haja interesse. Com esse entrave, a operacionalização de certas políticas em determinados territórios demanda a adoção de diferenciados esforços estratégicos, dentre os quais, a reorientação do planejamento aplicado ao âmbito local.
Quando o “tudo na mão” torna-se regra, a política pública não cumpre seu papel de transformar a realidade que apresenta um problema latente a ser resolvido. O ciclo vicioso da troca de favores se mantêm, e parcela da população persiste com a ideia de que o que é público não é para todos porque não é de ninguém, esperando o favorecimento particular. Por vezes, revoltando-se com os gestores quando suas vontades deslocadas da direção coletiva, não são atendidas.
Essa forma de tratar a coisa pública, perpetuada por gerações, reforça a dependência e o sentimento de gratidão das pessoas pelos agentes que não fizeram mais do que seus deveres, dada a investidura do cargo/função que ocupam. A solidariedade individual e/ou coletiva se confunde com a atribuição dos governos. Quando essa diferença não está bem sinalizada para o representante do povo ou para indivíduos que se entendem povo, essas relações passam a serem vistas como integradas entre si. Como se um agente público desempenhasse suas atividades para o bem comum e de natureza técnica, por ser, na sua individualidade, pessoa solidária e boa. Uma coisa não se confunde com a outra, a menos que o interesse seja de fato, a confusão das ideias das pessoas e a manutenção de certo estado de coisas.
Imagem: Milton César, 2020. Disponível em: http://www.xbreporter.com.br/noticia/989/0-eleitor-tambem-e-corrupto-venal-omisso-e-prostituto.