Mulheres e violência: o lamento social momentâneo e a costumeira invisibilidade diante de crimes de feminicídio

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Juliana Lemes da Cruz.
Doutoranda em Política Social/UFF.
Pesquisadora GEPAF/UFVJM.
Coordenadora do Projeto MLV.
Contato: julianalemes@id.uff.br

Soa estranho falar de invisibilidade dos crimes de feminicídio diante da repercussão midiática que os publiciza nos canais populares de comunicação. Chamo a atenção e questiono para um tipo de visibilidade que torna o problema como mais uma notícia a ser lamentada socialmente e não como um problema que vem ganhando espaço em todas as camadas sociais. Os casos repercutem à medida das posições de destaque social que a vítima ou autor dispõem. O fator social constitui um marcador importante na significação de cada caso e muitas vezes, no entendimento popular da relevância de uma vida ou outra nos casos de mortes violentas intencionais de mulheres.

Ocorre que, a indignação é momentânea pela maioria das pessoas, instintivamente destacando como principal foco de atenção a figura acusada da autoria do crime, e menos, à quem foi a vítima. O feminicídio constitui uma circunstância qualificadora do crime de homicídio cometido em razão da condição de sexo feminino, quando envolve violência doméstica e familiar e/ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

A violência tolerada socialmente, também se estende ao Estado brasileiro por meio de suas instituições, que, não raro, legitimam interlocutores empenhados em promover a revitimização das mulheres. Isso ocorre quando a mulher é culpabilizada por ter sido violentada; quando ela é desacreditada e constrangida quando os profissionais de distintos setores que ela procura apoio não enxergam marcas em seu corpo; quando fica horas a esperar um atendimento público; e quando inexiste políticas que as acolham de forma digna, por exemplo.

Todas as situações violentas vivenciadas por mulheres ocorrem por vários motivos, dentre eles, a invisibilização da situação de violência a que estão expostas. Essas mulheres são comuns, de várias classes sociais, idades e percepções políticas. Esta pauta, como já sinalizei nesse espaço por diversas vezes, é suprapartidária. Ou seja, não existe uma bandeira política específica que a defenda. Por conta disso, muitas vezes, é utilizada em palanques políticos de diversos matizes ideológicos como um problema a ser urgentemente resolvido, mas, na prática, não passa de um inflamado discurso. Pela variabilidade de quem demanda pelos serviços públicos, é o desafio a formulação de políticas que acolham a todas. No entanto, é primordial para evitar a etapa letal dessa modalidade violenta.

A violência contra a mulher envolve um conjunto amplo de elementos e constitui um dos mais significativos mecanismos sociais com capacidade real de impedir o acesso das mulheres a posições de igualdade em todos os espaços da vida em sociedade. No trabalho, nas instituições religiosas e estatais, nas comunidades, na rua e no âmbito da família, esta modalidade de violência opera como uma forma de poder, representada pela dominação masculina. A morte é o ápice da violência contra a mulher. Na realidade brasileira, essas mortes tem ocorrido em certa medida pelo simples fato da vítima ser uma mulher.

Como parte estrutural da sociedade, a ideia de violência contra as mulheres partiu de construções culturais e históricas, que condicionam a tolerância às posturas violentas contra mulheres, tornando-as parte do cenário da vida social. As expressões não visíveis desse tipo de violência tem escoras, principalmente, nos sentimentos de medo e constrangimento da mulher.

Vale lembrar que o resultado morte contra as mulheres decorrente de violência doméstica, em destaque nas estatísticas, faz parte de uma série de violências, que, nem sempre, são visíveis às pessoas ao redor da mulher que a sofre. Por conta disso, é necessário o exaustivo debate sobre o tema, até que mulheres e homens tenham o entendimento de que a violência contra a mulher não se resume às agressões ou lesões físicas. Ela acontece no espaço público e também no privado, fora e dentro de casa. Podem causar prejuízo à saúde mental das mulheres e também de outros membros da família. Conforme descrito na Lei Maria da Penha, envolve além da violência física, a psicológica, moral, sexual e patrimonial. Podemos falar sobre esses tipos, em um próximo texto. (Imagem: reprodução Canva).

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