Mulher fardada: entre o glamour e o fetiche

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Juliana Lemes da Cruz.
Doutoranda em Política Social – UFF.
Pesquisadora GEPAF/UFVJM.
Coordenadora do Projeto MLV.
Contato: julianalemes@id.uff.br

Cada dia mais, mulheres têm ocupado espaços profissionais historicamente protagonizados por homens. Isso inclui ocupações associadas ao campo da segurança pública e/ou privada. Dentre os quais, policiais estaduais e federais, guardas municipais e seguranças de estabelecimentos comerciais e residenciais.

Em meio à diversidade de instituições onde mulheres atuam, destacam-se aquelas onde a vestimenta padronizada em formato de fardamento é uma das regras no desenvolvimento das atividades laborativas. Ao menos no campo da segurança pública, as mulheres fardadas também são, em regra, vistas portando armas de fogo, além de algemas e, por vezes, uma tonfa, mais conhecida como “cassetete”. Diante da padronização do fardamento, uma das estratégias das mulheres para preservar a feminilidade e os cuidados com a aparência foi a utilização recorrente da maquiagem às suas imagens, mesmo que de forma discreta.

O fardamento envolve a ostentação do poder. E isso significa a permissão legítima para o uso da força e da violência se necessário for. Para além das responsabilidades que esta autorização requer, as intervenções dos agentes de segurança devidamente fardados produzem, no imaginário popular, uma série de associações particulares e até coletivas. Envolve glamour, desejo pelo poder de limitar a ação de outrem e até fetiche.

É comum que objetos utilizados por membros da segurança pública para a restrição da liberdade individual sejam associados ao desejo sexual. Essa relação ocorre de forma escancarada por meio dos canais de comunicação, geralmente retratando a força e virilidade da figura masculina. No entanto, isso ocorre de forma tal qual intensa, com relação à figura feminina. Administrar o assédio é uma dificuldade no universo das mulheres que usam farda. Isso porque, driblar situações constrangedoras relacionadas às fantasias e/ ou fetiche sexual camuflado ou explícito de outrem, é ainda um importante desafio. Constitui um desafio porque questiona a capacidade laborativa da mulher, como se esta fosse determinada pelo formato dos seus corpossexualizados.

A imagem feminina, não associada às profissões que sugerem atividades em meio público, exigem liderança e que confiram poder de decisão das situações corriqueiras do dia a dia, encontra-se condicionada às interpretações do imaginário social que, em primeiro plano, associa a mulher à limitação para determinadas atividades. Seria aceitável, por outro lado, que a imagem feminina permanecesse associada às profissões que demandam cuidados, como a docência e a enfermagem. A problematização do teor do fetiche que se associa à imagem da mulher fardada constitui-se necessária para a reflexão do quanto esta relação dificulta e retarda o reconhecimento das mulheres como competentes nos campos profissionais majoritariamente ocupados por homens.

Pode parecer complexo pensar isso, ou até irrelevante, mas, é um dos gatilhos capazes de intensificar e manter as disparidades entre gêneros masculino e feminino, subjugando as mulheres e atribuindo a elas o protagonismo pelo feitiço associado aos seus corpos e à sexualidade, distante do que ela se dispõe ao fazer uso do seu fardamento. (Texto construído com a colaboração de Nódje Walter Júnior, profissional de segurança pública. Imagem: colorir.com).

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