Manobra em jota: o sucesso da intervenção que impactou policiais, e preservou a vida de uma menina

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Juliana Lemes da Cruz.
Doutoranda em Política Social – UFF.
Pesquisadora GEPAF/UFVJM.
Coordenadora do Projeto MLV.
Contato: julianalemes@id.uff.br

De fato, a atividade policial reserva surpresas inimagináveis aos que integram órgãos de segurança pública. A despeito das falhas que ocorrem em toda e qualquer atividade que envolva seres humanos, distintos, tanto em percepções pessoais quanto em níveis de aprendizado técnico, há ações que constituem, não raro, testemunhos de sucesso no salvamento de vidas. Quero compartilhar com o(a) leitor(a), o relato que ouvi, em detalhes, de um integrante da guarnição policial militar que salvou a vida de uma criança, no município de Teófilo Otoni, em plena noite de Dia dos Pais. Destaco os relatos dos envolvidos na intenção de partilhar com vocês as sensações que eles provocaram em mim. Para, além disso, julguei necessário e instrutivo enfatizar a importância do treinamento prévio para prestação de socorro, a postura comprometida e sensível dos policiais envolvidos e o sucesso da intervenção.

Seria um dia comum de cumprimento da atividade de segurança pública para a guarnição composta pelo, sargento Torres e cabo Pacheco. De forma não usual, deslocaram até o 19º Batalhão para integrar à equipe a soldado Luara. Ao realizarem a composição, logo na saída da unidade policial, uma mulher, visivelmente aflita, pediu socorro. Ela gritava intensamente, e por isso, os militares acreditaram se tratar de mais um caso de violência doméstica.

Segundo relato do sargento Torres, antes mesmo dos policiais se mobilizarem para descer da viatura, esta mulher abriu a porta dianteira do veículo e o puxou pelo braço, alertando que seu bebê estava morrendo e ele precisava ajudar. Surpreso com a situação, o policial adentrou rapidamente à casa da mulher e notou um homem tentando reanimar uma criança que estava com o rosto com o tom de pele azulado. Tratava-se de uma menina, de dois anos de idade. A mãe alertou que ela teria se engasgado e que não estava respirando. Com as vias aéreas obstruídas, a criança demandava uma intervenção urgente, que, talvez, não pudesse esperar a chegada do Serviço de Atendimento Médico de Urgência, o SAMU.

[…] a gente passou o domingo com ela, passeou, e ela normal, sempre ativa. Por volta das onze horas, ou meia noite, ela pediu mamadeira”, disse o pai da menina. Em pouco tempo, a mãe da criança percebeu que ela estava passando mal e ficando roxa. […] a gente até sabe o procedimento, mas, na hora, no momento de desespero… [silêncio] […] ela começou a roxear, quando minha esposa desceu as escadas para pedir ajuda.

Os militares assumiram que a cena teria sido impressionante, mas, demandava ação rápida. Os policiais, como se sabe, são treinados para intervenções associadas à segurança pública diretamente relacionada com a proteção das pessoas nas mais adversas situações.

No entanto, não é corriqueiro que policiais realizem salvamento de vidas nas condições apresentadas no presente caso. Conforme informou o sargento Torres, […]a Polícia Militar não tem a especialidade desse tipo de salvamento, mas, o sacerdócio, que é a profissão, nos faz sempre buscar algo a mais para bem servir à comunidade. E nesse momento aí, os militares que ali se encontravam sabiam o que deveriam fazer. “Eu estava no quarto, tentando reanimar ela. Foi quando o sargento Torres chegou e tomou ela da minha mão, dos meus braços. O Pacheco e a Luara colocaram ela de lado. E a princípio, era engasgamento mesmo”, disse o pai da criança.

O COPOM chamou a guarnição: uma, duas, e três vezes, para atendimento de outras ocorrências. Mesmo concentrado, o sargento Torres respondeu ao COPOM que estaria nas proximidades, tentando salvar uma menina. Incrédulos, um representante policial chegou a verificar a situação in loco, na busca de perceber a gravidade do caso. Perplexo, aquele militar retornou, aos prantos, para a unidade, onde descreveu a cena que acabara de ver. Em momentos de aflição como aquele, a empatia toma seu lugar e quem é pai ou mãe, sente a dor dos pais que estão passando por determinada situação, mesmo se tratando de profissionais psicologicamente condicionados a lidar com estresse e pressão extrema.

[…] foi uma situação bem complexa, sabe? E o que nos fez ficar mais aliviados naquele momento foi ela começar a respirar e os batimentos cardíacos voltarem ao normal. […] a alegria do policial militar de visualizar, inclusive, no dia dos pais, o pai abraçando a filha e poder conversar com ela, […] ali, não tem como. Em sã consciência, qualquer ser humano se emociona. É motivo de orgulho. Por isso, parabenizo a equipe que estava comigo, a soldado Luara e o cabo Pacheco, que atuaram rapidamente e sabiam desde o início o que deveriam fazer para salvar a vida daquela criança. […]a gente sempre frisa o laço entre a comunidade e a Polícia Militar e é importante que esta comunidade confie, porque nosso objetivo é servir e proteger. […] Nunca deixaremos de cumprir nosso dever”, enfatizou o sargento.

A manobra de Heimlich foi utilizada para desobstruir as vias aéreas da criança. Para os interessados em aprender, o treinamento pode ser acessado via youtube, conforme a descrição que segue abaixo. Seguindo os passos da manobra, o sargento Torres, após uma primeira tentativa frustrada, conseguiu fazer com que a criança voltasse a respirar. “A ação teve o apoio da soldado Luara e do cabo Pacheco, que auxiliaram na intervenção. Aos poucos, expelindo bastante secreção pela boca, a menina retomou a coloração normal de sua pele e começou a chorar. A aflição durou cerca de 10 minutos, pouco tempo antes da equipe do SAMU chegar”. Em contato com a criança, a profissional médica perguntou à guarnição PM o que teria sido feito para reanimá-la, sendo respondido sobre a manobra de Heimlich, realizada em jota – pressão moderada da mão fechada desde o umbigo em direção ao externo da criança, simulando a letra jota. Disse a médica: “não temos mais nada o que fazer aqui. Vocês já fizeram o que precisava ser feito”.

“A situação foi tão impressionante que passei duas noites acordada pensando no acontecido”, relatou a soldado Luara. Já o cabo Pacheco descreveu o momento como “emocionante”. “[…] você nunca sabe se a pessoa vai voltar. Eu vi minha filha naquela criança. E sofri junto com o pai dela. Mas, graças a Deus, deu tudo certo e fomos presenteados quando ela voltou a respirar”. Após o resgate, ela foi encaminhada pelo SAMU ao hospital e acabou passando mal novamente, tendo crises convulsivas. Passados dois meses desde aquele dia dos pais, após o susto, a criança passa bem.

Para a construção deste texto, entrei em contato, tanto com a guarnição PM, quanto com os pais da criança. Neste momento, optei por deixar de publicizar a imagem da menina, saudável, enviada a mim, pelo pai. A situação, complexa, exigiu importante esforço de minha parte para traduzir os relatos em detalhes, mas, tentando ser direta.

A lição extraída da situação remete à necessidade perene do treinamento policial para atuação em situações que demandem, além da capacidade técnica, aprimorado nível de controle emocional. Destaco o caso porque serve de exemplo para outros profissionais de segurança pública, especialmente policiais militares, que devem estar na permanente busca pelo aprimoramento de suas técnicas e dos cuidados com sua saúde mental. A Polícia Militar oferece cursos presenciais e virtuais relacionados às atividades de alto impacto psicológico, mas, exige-se, obviamente, o comprometimento dos profissionais para tal assimilação e isso foi percebido no caso aqui relatado. A equipe cumpriu seu papel com excelência, sustentando o que a respectiva corporação tem por base: o ato de servir e proteger.

Referência: Informações disponibilizadas pelos militares envolvidos e pelo pai da criança. Fotos cedidas pelos componentes da guarnição.

Para saber mais sobre a manobra em jota: Felipe Azevedo, enfermeiro. Como desengasgar crianças? Manobra de Heimlich em crianças. Vídeo disponível no Youtube: https://youtu.be/PwAR3Iau7-Q; Acessado em 23. Out. 2021.

[…] foi uma situação bem complexa, sabe? […] no Dia dos Pais, o pai abraçando a filha […] naquele momento, não tem como. Em sã consciência, qualquer ser humano se emociona” (Alex Torres, sargento PM).

“A situação foi tão impressionante que passei duas noites acordada pensando no acontecido” (Luara Ohana, soldado PM).

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