Ações de Controle, no mínimo, questionáveis

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COVID(ando) a Refletir

Bruno Oliveira
Farmacêutico Analista Clínico
Pós Graduado em Química (UFLA) / Pós Graduado em Docência do Ensino Superior (DOCTUM) / Pós Graduado em Vigilância em Saúde Ambiental (UFRJ) / Pós Graduado em Vigilância em Saúde (Instituto Sírio-Libanês de Ensino e Pesquisa)

Esta semana iremos conversar um pouco sobre algumas condutas de controle da Pandemia por parte dos governos, empresas e população que já não se mostram tão eficazes como antes. O mundo todo está focado nesta Pandemia, então as informações, pesquisas e orientações sobre a Covid-19 são extremamente dinâmicas. É super natural que condutas defendidas inicialmente sejam mais bem estudadas e mudadas com o tempo, nem por isso quem as pôs em prática no seu tempo deve ser julgado por isso. Mas é preciso que todos, principalmente os governos, procurem as informações com evidências científicas recentes para nortear suas ações.

Uma ação de controle muito usada nos estabelecimentos comerciais e em órgãos públicos é a aferição da temperatura das pessoas que queiram acessar o local. Antes mesmo de qualquer atualização ou de estudos sobre o tema, eu já questionava esta ação por alguns motivos. Um deles é que estes termômetros de infravermelho, como qualquer instrumento de medição, requerem calibração. Calibrar significa confirmar se o termômetro está em condições de uso, ou seja, se o resultado expresso no equipamento realmente representa a temperatura corporal da pessoa, e se não estiver, precisará ser regulado.

Calibrar não é barato e não temos empresas em nossa região que realize este procedimento. E, sinceramente, duvido que a maioria destes equipamentos utilizados na cidade passou por alguma calibração. Digo isso porque todas as vezes que precisei ir ao supermercado e aferiram a minha temperatura, perguntei qual era o resultado. Descobri que em todas eu estava com hipotermia (temperatura abaixo do normal) severa, pois nunca passara de 33°C, em outras palavras, eu era quase um defunto indo fazer compras.

Outro ponto é que no dia 26 de junho um estudo publicado por pesquisadores da Austrália verificou que menos de 30% dos pacientes que apresentaram resultado positivo para SARS-Cov2 tinham febre no momento do teste, o que demonstra que a aferição de temperatura é uma triagem de baixa sensibilidade. E para piorar, uma característica da covid-19 é que pessoas infectadas podem transmitir o vírus antes mesmo de iniciar os sintomas, a chamada fase pré-sintomática. Estima- -se que essa transmissão pode acontecer dois a três dias antes do aparecimento dos sintomas.

Uma pesquisa realizada por pesquisadores chineses publicada na revista científica Nature Medicine, revelou que aproximadamente metade das transmissões da covid-19 acontece antes do aparecimento dos sintomas. Desse modo, se o sintoma de febre já possui uma baixa sensibilidade e se a fase sintomática corresponde apenas à metade da transmissão da covid-19, a aferição da temperatura se torna menos eficaz ainda. Alguns podem estar se perguntando, “mesmo que barre a entrada de poucos possíveis infectados, contudo é melhor do que nada…”. O problema é que muitas vezes deixam de usar estratégias que seriam mais efetivas em detrimento destas com pouco impacto.

Vamos novamente usar como exemplo a situação dos supermercados aqui em Teófilo Otoni, que sempre foram rotulados como possíveis focos de transmissão da doença. Já faz tempo que a aferição de temperatura passou a ser obrigatória para adentrarmos nestes locais, mas entendo que uma medida mais eficaz seria o governo municipal cobrar dos supermercados a disponibilização do serviço de delivery. As grandes cidades já possuíam este serviço em algumas redes mesmo antes da pandemia.

Além das compras entregues na casa, também surgiu a modalidade drive-thru, onde o cliente compra igualmente pelo site do supermercado, mas neste caso eles vão até a loja para a retirar os produtos que serão separados antecipadamente e colocados no porta-malas do carro pelos funcionários do estabelecimento. Em matéria da CNN Brasil em 08 de abril de 2020, foi noticiado que “a quantidade de pedidos por delivery nos supermercados do estado do Rio avançou 400% nas três semanas entre os dias 17 de março e 6 de abril”. Imagine quantas pessoas poderiam deixar de circular nos supermercados de Teófilo Otoni se essa proposta fosse estabelecida e o quanto esta ação ajudaria no controle da doença.

Nesta mesma lógica eu também questiono a efetividade das barreiras sanitárias. Houve uma pressão forte por parte da imprensa, políticos, etc. para que o município adotasse esse modelo de controle. Um Preprint do prof. Silvio C. Ferreira do Departamento de Física da UFV avaliou a eficiência de barreiras sanitárias restritivas para conter o avanço da COVID-19. Chegou-se a conclusão que: “Barreiras que geram impactos significativos nas curvas de prevalência epidêmica são muito difíceis de implementar e, portanto, a alternativa segura e reduzir a taxa de contagio comunitário por meio do distanciamento social e da proteção individual”.

Além do que, só justificaria as barreiras se fossem adotadas antes do aparecimento ou ainda com poucos casos, mas numa cidade em que o vírus está amplamente distribuído e com mais de 870 casos confirmados, não terá muito impacto no controle desta doença. Em passagem por uma destas barreiras minha filha me perguntou o que aconteceria se alguém com febre fosse detectado. Sem saber a resposta, no dia 30/06/20 mandei e-mail para a assessoria de comunicação, para o gabinete do prefeito e para a secretaria municipal de saúde fazendo esta pergunta, mas até então não fui respondido.

Então me dirigi até uma das barreiras e perguntei como funcionava. A resposta foi que se a pessoa estiver com febre responderia um questionário sobre outros sintomas, era notificado ali mesmo e o encaminhava para a UPA. Esbarramos novamente na questão da sensibilidade da aferição de temperatura como triagem. O mais eficaz seria aplicar o questionário sobre outros sintomas com ou sem febre. Dessa forma, esta claro que as barreiras sanitárias envolvem um esforço grande dos agentes públicos já sobrecarregados no combate a pandemia, requer investimento alto, devem ser implementadas oportunamente e com estratégias que captem o maior número de possíveis infectados.

Até então o que temos de mais eficaz no combate a pandemia continua sendo a redução do contágio comunitário por meio do distanciamento social, quando possível, e a proteção individual através dos hábitos de higiene e uso de máscara. Acrescento aqui o monitoramento dos casos suspeitos e confirmados, além de seus contatos. Outras medidas podem ser implementadas? Claro, desde que canalizemos nossas energias e recursos, inicialmente e prioritariamente, nas medidas que, comprovadamente, gerem mais impacto no controle da doença.

Estudo sobre o sintoma de febre na covid-19: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/ abs/10.1111/1742-6723.13578

Estudo sobre a transmissão da covid-19: https://www.nature.com/articles/ s41591-020-0869-5

Últimas e más notícias: Foram liberados os resultados da 3ª fase do estudo EPICOVID19-BR, que mapeia a epidemiologia do coronavírus no Brasil. Abordamos esse tema na edição de 16/06/20 do jornal (confira). Relembrando, a pesquisa realizada pela UFpel e pesquisadores do IBOPE tem como principal objetivo estimar a prevalência do coronavírus no Brasil através de inquérito sorológico. Participaram do estudo 133 cidades de todo o país, sendo 13 do estado de Minas Gerais. Além de Teófilo Otoni, participaram Barbacena, Belo Horizonte, Divinópolis, Governador Valadares, Ipatinga, Juiz de Fora, Montes Claros, Patos de Minas, Pouso Alegre, Uberaba, Uberlândia e Varginha.

Dentre as cidades participantes, Teófilo Otoni teve a maior prevalência do estado. Enquanto todas as outras cidades de Minas Gerais ficaram com menos de 1% de prevalência, Teófilo Otoni saltou de 0,9% (2ª fase) para espantosos 2,3% na 3ª fase, em um período de 15 dias. Na 2ª fase estimamos que tivessem aproximadamente 1.200 infectados, agora seria de aproximadamente 3.300 infectados em Teófilo Otoni. O relatório final da pesquisa pode ser acessado no link: http:// epidemio-ufpel.org.br/site/ content/downloads/index. php (Pasta Nota à Imprensa).

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