Enfrentar mais um ano de crise econômica, política e sanitária é um teste de resistência psicológica a todos os brasileiros, apesar das investidas otimistas de setores específicos e indivíduos que buscaram uma sobrevida em meio ao caos. Fato é que, quem se julga bem diante de tanto transtorno, só pode não estar conectado à realidade. Quais as marcas 2021 deixou na história pessoal de cada um de nós? De que forma os acontecimentos do ano anterior chacoalharam sua vida? São questões norteadoras para os passos à diante, no curso do ano de 2022.
Em meio à persistente pandemia do novo coronavírus e respectivas variantes, fomos “premiados” por intempéries climáticas devastadoras em algumas regiões do país. Uma agência de meteorologia norte-americana chegou a afirmar que, no ano de 2021, o sul do estado da Bahia foi a região do mundo que recebeu o maior volume de chuvas em um único mês. É! Dezembro de 2021 foi traumático para moradores de municípios inteiros e angustiante para quem está de longe e tomou conhecimento do ocorrido.
Correntes de solidariedade se formaram em todo o Brasil e também no exterior. Diante da dor que assola tanta gente, qual a fórmula para começar “de boa” o 2022?
Pois bem, esta questão é uma clara incógnita. Por outro lado, o que temos visto são ataques severos à saúde mental da coletividade, que esteve e permanece em risco diante de tanta turbulência. Em tempos de recomendável isolamento social, onde alguns setores ainda não retornaram totalmente às atividades, as redes sociais foram potencializadas.
Nelas, as postagens mostram, em regra, a parte feliz da vida, e, ao mesmo tempo, que esconde o vazio de existências sem sentido e disfarça as dores da alma. Diante de tanta imagem e vídeo que exibe o que parece ser o que realmente não é, haja capacidade individual de leitura e interpretação. Aquele que posta o que quer que vejam, na verdade, pode ser que não usufrua daquele momento, mas, que tenha vontade que ele seja daquele jeito, em plenitude. Os que consomem esse tipo de conteúdo têm ciência de que tudo pode representar uma ilusão, mas, por vezes, acaba cedendo à produção de conteúdos similares e envolvendo outro grupo de seguidores. Assim, a máquina gira.
No cenário de vidas fake, não fogem à regra, os relacionamentos interpessoais rasos e disfuncionais. Nesse momento que, na tentativa de compreender minimamente o que ocorre no mundo, nos agarramos às ideias de Zygmunt Bauman, que apresenta os elementos da modernidade líquida. Associamos, sem muito esforço, a inconstância e liquidez das relações ao que ele interpreta sobre essa forma de viver. Como pode alguém chegar “de boa” em 2022, diante da escassez de atenção, afeto e apreço ao próximo? A verdade do coração passou a ser escondida por armaduras imaginárias que têm o nome de “defesa”.
Falo de algo não estático e jamais, raso. Com o argumento da necessidade de defesa do que sente o coração, tornamo-nos incapazes de demonstrar os sentimentos sem que tenhamos o temor do risco de essa postura ser ridicularizada frente a outrem. Reconhecemos, às vezes, a duras penas, que onde o sentimento não se acha livre, não há espaço para a empatia. Protegidos com a armadura imaginária não acessamos nossa própria essência para conferir-lhe vida, tampouco, acessamos nosso semelhante de modo genuíno. Engrossamos, nesse ritmo, as relações superficiais e construídas sobre a areia.
O novo ano promete ser ainda mais desafiador não apenas para os indivíduos em suas questões particulares, mas para toda a coletividade. É ano de eleições, de Copa do Mundo e de expectativa da retomada gradativa daquele modo de vida presencial que tínhamos até o final do ano de 2019. Os desafios permanecem crescentes diante do aprofundamento da crise econômica e política do país, somado à evidente crise existencial coletiva. Imagem: https://soulart.org/sociedade/bauman-tinder