Prisão ou liberdade? Possibilidades legais sem redução de texto normativo

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A prioridade da proteção estatal deve ser a sociedade de bem, o cidadão que trabalha arduamente e recolhe seus tributos; bandido de qualquer coloração deve ser recolhido ao cárcere, com todos os rigores do encarceramento mesmo porque a prisão é a consequência natural de quem fez o mau uso da liberdade. (Prof. Jeferson Botelho)
Jeferson Botelho Pereira – Professor de Direito Penal e Processo
Penal. Especialização em Combate à corrupção, Antiterrorismo e
combate ao crime organizado pela Universidade de Salamanca –
Espanha. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida
de Vitória/ES. Advogado e autor de obras jurídicas. Palestrante.

RESUMO: O presente ensaio tem por fim colimado apresentar as possibilidades legais de manutenção da prisão do delinquente ou colocá-lo em liberdade, encontrando os fundamentos legais na mesma legislação, para quaisquer das hipóteses, sem redução do texto normativo.

Palavras-chave: Direito; prisão; liberdade; fundamentos; legais; possibilidades.

Aconteceu um crime gravíssimo na cidade. A mídia noticia em primeira página, manchetes, destaques, com chamadas extraordinárias, as redes sociais ficam agitadas, alvoraçadas, invadem grupos de aplicativos, todo mundo comenta, querem divulgar com furos de reportagem, e logo surgem os especialistas em Segurança Pública por todos os cantos, entram em cena filósofos, sociólogos, policiólogos, surgem os salvadores da Pátria, aparece logo um parlamentar oportunista e já apresenta um projeto de lei para agravar a pena, restringir benefícios processuais, enquadrar como crime hediondo, dizem que agora o crime é inafiançável, surgem os teóricos falando sobre Direito Penal Simbólico, Legislação Penal de Emergência, Movimento da Lei e da Ordem, Direito Penal do Inimigo, Teoria das Janelas Quebradas, teoria da condição inus ou teoria da condição mínima, entrevistas em rádios e canais de televisão.

Ab initio, é certo afirmar sem medo de errar que o criminoso deve fazer um esforço hercúleo para ficar preso no Brasil. O policial se esforça, como herói coloca sua vida e de sua família em jogo, a sociedade sangra, chora, busca palavras amenas, implora por socorro, o delinquente, irônico, zomba do sistema de justiça, e os artistas do sistema criminal se postam nos púlpitos da hipocrisia, na arrogância de seus pedestais, indiferentes, tudo isso acontecendo, perambulam nas Praças com milho nas mãos a procura dos pombos, e à espera dos holofotes da fama.

A legislação penal e processual é um forte esquema de impunidade. São vários os institutos despenalizadores e descarcerizadores, podendo citar a título exemplificativo, o livramento condicional, suspensão condicional da pena, suspensão condicional do processo, art. 89 da Lei nº 9.099/95, regime progressivo de cumprimento de penas, as diversas modalidades de remição da pena, pelo trabalho, pelo estudo, pela leitura de obras literárias, saídas temporárias, fiança, prisão domiciliar, monitoração eletrônica, acordo de não persecução criminal, os regalos do direito premial, penas alternativas, penas restritivas de direito do artigo 43 do Código Penal, regime semiaberto harmonizado, indulto natalino, além de outras modalidades de liberdade.

Primeiro é preciso afirmar com todas as letras que por mais permissiva que seja a lei, ela sozinha não solta e nem prende delinquentes. Há necessidade de concurso de pessoas. Quem mantem o criminoso preso ou pode colocá-lo em liberdade é um agente público pago com o erário público para teoricamente distribuir Justiça.

Dizer que o direito penal é obsoleto, que é da década de 1940, ou ultrapassado é conversa sem noção e sem parâmetros. Colóquio flácido para acalantar bovinos. Não há necessidade de mudar a lei. É possível encontrar na mesma lei fundamentos para manter o criminoso preso ou para colocá-lo em liberdade.

Tudo vai depender da interpretação do juiz ao decidir, todo depende do estado de ânimo da canetada do julgador em querer proteger a sociedade ou beneficiar o delinquente. Tudo depende da livre consciência motivada do julgador, pois como bem define o artigo 155 do CPP, o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

Assim, numa situação hipotética, o autor foi preso em flagrante delito sob acusado de tráfico ilícito de drogas, incurso nas iras do art. 33 da Lei nº 11.343, de 2006, com pena de reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. Existem duas possibilidades na decisão. Posso manter o autor do crime na prisão ou posso soltar o criminoso.

1º ARGUMENTO PARA COLOCAR EM LIBERDADE O CRIMINOSO. Primeiro invoco a dicção do Artigo 93, IX, CF/88, dizendo que todas as decisões devem ser motivadas. Assim, para conceder liberdades provisórias a delinquentes perigosos, às vezes levado pela enfermidade crônica da falta de compromisso social, passo a alegar uma sorte de princípios em favor do delinquente, como ofensa do devido processo legal, princípio da dignidade da pessoa humana, princípio da individualização da pena, a questão da coculpabilidade social, princípio da plena felicidade, igualdade formal e material, presunção de culpabilidade, obediência a Tratados e Convenções Internacionais ratificados, como Regras de Tóquio, Regras de Mandela, Pacto de São José da Costa Rica, Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 1966 e quejando. Assim, digo que o sistema de justiça não pode fazer juízos apriorísticos, considerando o estado de inocência, e a possiblidade de se processar um inocente, digo que a prisão é uma universidade do crime, as prisões estão superlotadas, que o sistema prisional é falido, não recupera ninguém, concedo a liberdade provisória, e determino a substituição da prisão em flagrante por medidas alternativas da prisão, a teor do artigo 319 do Código de processo penal, com nova redação determinada pela Lei nº 12.403, de 2011.

2º ARGUMENTO PARA MANTER O DELINQUENTE PRESO, ESTE DE CARÁTER SOCIAL. Assim, para negar a concessão de liberdade provisória a perigosos sociocidas em situações problemáticas, como ensinava o Professor Louk Husmann, nosso argumento principal é a utilização da técnica de colisão excludente ou colisão com redução unilateral, quando houver conflito de direitos fundamentais fazendo sempre a opção pela proteção da sociedade e supremacia do interesse público, a força normativa da Constituição para proteção da maioria, e finalmente pela proibição da proteção deficiente e do retrocesso social, pois a impunidade tolerada sempre conduz ao caminho da cumplicidade. A droga é um câncer da sociedade, tem provocado um caos social, jovens morrendo prematuramente. É o oxigênio que aquece a criminalidade violenta. Precisamos viver numa sociedade onde não se reina a impunidade, digo que a sociedade está cansada de presenciar tantos crimes, que ninguém mais respeita a lei, a norma parece de brinquedo, uma fantasia de carnaval, na cabeça do delinquente, a lei parece um pedaço de papel sem valor normativo e assim, que o criminoso parece ter certeza da impunidade por isso não respeita as convenções sociais e nesse cenário deve o Sistema de Justiça se apresentar como última trincheira a ser vencida pelo meliante. E mais que isso, o criminoso é resistente ao pacto social, sua liberdade coloca em risco iminente a harmonia social e pode conspurcar a paz social. Por isso, determinado a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva, conforme preceitua o artigo 310, II, do CPP, tendo-se em vista a presença dos pressupostos objetivos e subjetivos do crime, previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal, e nesse compasso estão presentes os requisitos constantes da legislação processual, se revelando inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão.

REFLEXÕES FINAIS

O bandido, algoz e cruel, recalcitrante das normas do pacto social, cognitivamente, não aceita submeter-se às normas de boa convivência, inimigo do Estado e da Sociedade, portanto, destruidor de sonhos, chacal da sociedade detém de o sagrado direito inalienável, irrenunciável, de ir para o inferno com as próprias vestes do corpo, de dedos entrelaçados, desde que demonstradas cabalmente que no meio do caminho não tenha tentado empreender fuga do seu ataúde, a priori, hermeticamente fechado, e não venha a transgredir direitos alheios. (Prof. Jeferson Botelho)

Arremata-se, se valendo o autor do texto de seu sagrado direito fundamental de liberdade de manifestação do pensamento, insculpido no artigo 5º, IV, da CF/88, de sua livre expressão da liberdade intelectual e de comunicação, e também da proteção do artigo 13, do Pacto de São José da Costa Rica, ratificado pelo Brasil, por meio do Decreto nº 678, de 92, que estatui a liberdade de pensamento e de expressão, segundo o qual toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão.  Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha. O exercício do direito não pode estar sujeito à censura prévia.

Portanto, goste ou não, apenas respeite, e caso ainda se mantenha recalcitrante, com a nódoa da boçalidade, lembre-se que os direitos de 1ª geração ou dimensão também asseguram essa faculdade de livre expressão, somente isso e mais nada, e assim, recomenda-se, aceite caso seja um amante da democracia e do Estado Democrático de Direito.  

Assim, diante das hipóteses possíveis em epígrafe, percebe-se que somente mudam os discursos, e agora José? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, e agora José? E agora você? Você que é sem nome, que zomba dos outros, você que faz versos, que ama, protesta? E agora José? Escolha uma delas, talvez mantendo o criminoso em liberdade, porque o prazo processual é muito mais flexível, sem possibilidades de responder HC, e fique em paz com sua consciência.

Consigna-se com a clareza da luz solar, da incandescência do brilho lunar, de encanto de um arrebol que se desenha nas montanhas de Minas, que os atos administrativos e as decisões da Administração Pública sempre ficam gravados e impregnados nos anais da história. Entre ser um pusilânime homiziado nos púlpitos sagrados da função, degustar das prerrogativas honoríficas, usufruir do tratamento protocolar, e outros favores funcionais há sempre quem prefere cumprir com zelo e destemor sua função no anonimato em nome da construção de uma sociedade melhor para se viver.

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