Ano eleitoral, aborto legal e o olhar estatal sobre as mulheres

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Juliana Lemes da Cruz.
Doutoranda em Política Social – UFF.
Pesquisadora GEPAF/UFVJM.
Coordenadora do Projeto MLV.
Contato: julianalemes@id.uff.br

Durante os períodos eleitorais a pauta das mulheres não sai da boca dos candidatáveis. Afinal, para além de qualquer pretensão em construir ambientes melhores para elas viverem, sabem que a maioria do eleitorado brasileiro é feminino. Apesar disso, no decorrer dos mandatos conquistados, as demandas urgentes desse público caem no esquecimento ou tendem a ocupar o fundo da gaveta das pautas que anseiam priorização. A disputa de interesses intra-poderes, condiciona a ocupação dos espaços na agenda política nacional, estadual e/ou municipal, a despeito do que se associa à dignidade da pessoa humana.

Questões muito caras às mulheres são, corriqueiramente, invisibilizadas sob a escora da ideia de moral e bons costumes. Sendo esta uma afirmação verdadeira, dificilmente veremos candidaturas defendendo, abertamente, a necessidade de discussão de temas tabu que dizem respeito, em um primeiro momento, ao corpo feminino. Como por exemplo, o direito de decidir pelo aborto – não previsto na legislação brasileira – ou mesmo, pelo aborto legal – com previsão, mas, não raro, descumprido.

Os governos, para a nítida manutenção de seus interesses eleitorais, administram o Estado de modo a evitar o conflito direto com as grandes instituições de poder, como é o caso das igrejas, ou mesmo, a inflamação de suas relações – que podem envolver a troca de favores em nível de bastidor. Sob esse gigante guarda-chuva, se escondem violações aos direitos humanos das mulheres em todas as fases da vida: desde a infância até a chamada terceira idade. Não raro, crianças e jovens são silenciadas, sob a tutela de outrem, envoltos pelo argumento de que não são responsáveis por si. Nesse caso, o que dizem pode ter menos valor em determinados espaços e nessa direção, violações de toda ordem, acontecem.

Demandado, como um braço que move conforme as leis nacionais, o Estado age a depender da conveniência, se utilizando da costumeira burocracia estatal para retardar processos desinteressantes. Por vezes, pode-se utilizar de manobras onde direitos conquistados pelas mulheres são “de repente”, adormecidos.

O caso ocorrido no Estado do Espírito Santo no ano de 2020, quando houve a negativa de um hospital de realizar um aborto legal em uma menina de 10 anos de idade e, o caso que ganhou as manchetes dos jornais na corrente semana, quando o retardamento do cumprimento desse direito partiu do judiciário, são exemplos clássicos dessa investida que depõe, claramente, contra as mulheres – principais eleitoras. Diante desses fatos, em pleno ano eleitoral, qual candidato (a) teria a coragem de se manifestar sobre o fato, se a sua opinião base é contrária ao cumprimento das normativas nacionais que amparam as mulheres?

Ouve-se, por óbvio, o ensurdecedor silêncio por parte da esmagadora maioria dos (pré ou re) candidatáveis nos corredores das câmaras municipais, estaduais e federais, palanques ou redes sociais. Lembro que se trata de gente que se diz defensora dos direitos da população feminina, mas, que, diante da primeira polêmica que se coloca em nível nacional, torce para que outro caso de repercussão nacional aconteça para que não tenha que se manifestar sobre o escândalo do ano anterior. O silêncio por parte de representantes do povo, diante das violações aos direitos humanos das meninas e mulheres, diz muito sobre o respeito e nível de importância conferido à parcela feminina da população. Enquanto se discute o assunto sob a percepção religiosa e não o tratando como um problema de saúde pública, as mortes de meninas e mulheres por procedimentos invasivos e os atendimentos hospitalares em virtude de abortos mal feitos continuarão a gerar gastos evitáveis ao SUS, impacto no orçamento público e principalmente, na vida das mulheres.

No Brasil, o aborto é permitido em três casos:

1. Quando a gravidez decorre de estupro;

2. Quando há risco à vida da gestante; e

3. Quando há diagnóstico de anencefalia do feto.

Em todos os casos, o procedimento pode ser realizado no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS. Nas demais situações, o aborto é ilegal. De outro lado, dos 200 países do mundo, em 61 o aborto é descriminalizado. Dentre os quais, 33 na Europa; 15 na Ásia; 8 nas Américas; 3 na África; e 2 na Oceania.

O citado procedimento é descriminalizado em países como: África do sul, Albânia, Alemanha, Austrália, Áustria, Azerbaijão, Barém, Bielorrússia, Bósnia e Herzegovina, Bulgária, Cabo Verde, Camboja, Canadá, Cazaquistão, Colômbia, Coreia do Norte, Croácia, Cuba, Dinamarca, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Estados Unidos, Estônia, França, Grécia, Guiana, Holanda, Hungria, Itália, Letônia, Lituânia, Luxemburgo, Macedônia do Norte, México, Moldávia, Mongólia, Montenegro, Nepal, Noruega, Nova Zelândia, Portugal, Quirguistão, República Checa, Romênia, Rússia, Sérvia, Singapura, Suécia, Suíça, Tajiquistão, Tunísia, Turcomenistão, Turquia, Ucrânia, Uruguai, Uzbequistão e Vietnã.

Para saber mais sobre o assunto acesse: https://www.generonumero.media/aborto-america-latina///https://bebe.abril.com.br/especiais/aborto-pelo-mundo-quais-paises-legalizaram-e-como-e-encarado-no-brasil/

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