Casal conectado – parte 1: Ele, gari. Ela, policial militar. O início dessa história

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2008
Juliana Lemes da Cruz.
Doutoranda em Política Social – UFF.
Pesquisadora GEPAF/UFVJM.
Coordenadora do Projeto MLV.
Contato: julianalemes@id.uff.br

Certas histórias têm o poder de provocar reflexões profundas sobre as escolhas que fazemos na vida. Um dos principais desafios da atualidade diz respeito à capacidade individual e/ou coletiva de atribuir “sentido” frente às escolhas que se faz. É comum que a pressão social influencie o nascimento, manutenção ou término de relacionamentos afetivos. Espera-se, em maior ou menor grau, que as pessoas ajam de modo a oferecer as respostas aceitáveis socialmente, mesmo que seja uma decisão pela busca de relacionamentos sem conexão entre os envolvidos. Assumir um relacionamento afetivo dispensando a “permissão social” – que define as “tampas para as panelas” – tornou-se um ato de coragem.

A história de Tales Alves e Joseli Lima mostra, aos mais atentos, um conjunto de elementos que evidenciam, sobretudo, a quebra de paradigmas. A começar pelo aspecto que, aparentemente, os afastaria da possibilidade de contato mais estreito: suas profissões. Tales, que trabalha como gari na capital mineira, destaca o quão a categoria é vista como desimportante. Por outro lado, Joseli trabalha como policial militar, instituição historicamente reconhecida por sua relevância social, além de representar um dos símbolos de poder do Estado, sob gestão dos governos eleitos. As diferenças salariais, bem como, da notoriedade entre ambas categorias, também são elementos a se destacar. Em conjunto com outros, conferem o nível de status da profissão e as associações imediatas feitas a respeito do perfil dos trabalhadores que se candidatam àquelas funções. O que reflete uma das principais características do país: a desigualdade. Seja ela no campo social, econômico, cultural, político ou quaisquer outras. Fator que afeta diretamente a relação estabelecida entre as pessoas.

Apesar disso, bastou uma atividade em comum para que os caminhos do gari e da policial militar se cruzassem. As barreiras sociais não foram capazes de evitar que Tales e Joseli rompessem suas respectivas “bolhas” relacionais, onde, em regra, de forma simbólica ou explícita, são estabelecidas condições para os relacionamentos. Trata-se do apontamento externo da companhia ideal para cada tipo de perfil. E por esse olhar, definitivamente, a união de um gari com uma policial militar foge ao “padrão” e não está livre dos julgamentos carregados de preconceito.

O casal se conheceu na academia. “Olhei pra ele e falei: Nossa, que homem bonito! Mas, aí eu pensei: Nossa, deve ser metido para danar. Ele é grandão, todo malhado, todo bonitão. Pensei: hum, deve se achar”, afirmou Joseli. Com três dias de observação, ela notou que ele conversava com todo mundo do espaço. Ficou impressionada com sua simplicidade e simpatia. No dia em que se conheceram ele já disse que corria 15 quilômetros por dia e que treina desde os quinze anos de idade. Logo, Josy, como é apelidada, imaginou que ele corresse na Orla da Pampulha. Tales explicou: “Não, eu corro todo dia 15km porque eu sou gari, então tenho que correr bastante”. Surpresa imaginou: “Gente, o boy é gari!”. Pouco depois, papo vai, papo vem, descobriram-se bastante parecidos. O período que iniciaram o relacionamento foi o período em que ele estava começando a aparecer na mídia.

A visibilidade adquirida por Tales na condição de trabalhador da limpeza urbana de Belo Horizonte representou o início da quebra dos paradigmas sobre as associações imediatas que se faz de um gari, de uma policial e da união de ambos pela via dos sentimentos e não do status funcional que caracteriza suas categorias de trabalho. Tales ostenta cerca de 3 milhões de seguidores em suas redes.

Ele, que não tinha conta em redes sociais, foi incentivado por sua filha adolescente a criar e postar vídeos mostrando como desempenhava seu trabalho. Os registros viralizaram, dando visibilidade tanto à sua imagem pessoal, quanto à categoria dos garis. Reconhecido pelas ruas, Tales saiu do anonimato para dar espaço à figura do Gari Gato. As demonstrações de afeto dos admiradores do gari refletiam seu carisma, leveza, simplicidade e satisfação ao desempenhar seu trabalho. Atividade que sempre foi, para ele, motivo de orgulho.

Descoberto, Tales foi alvo de manchetes de jornais e convidado a participar de programas de TV em nível nacional, a exemplo de sua participação no Programa Ana Maria Braga e no Profissão Repórter, além de outros convites, como para participar do concurso Mister BH 2020. Nos últimos dois anos a produção de conteúdo foi aprimorada. Com o apoio da companheira, o Gari Gato ganhou espaço nas redes de seguidores de todas as regiões do Brasil.

De forma tímida, Josy foi se aproximando do universo virtual integrando as postagens do Gari Gato. Uma parte das seguidoras chegou a acenar sobre a validade do relacionamento declarado. Noutro sentido, o casal recebeu muito carinho, respeito e votos para que continuem juntos, ensinando mais sobre o quanto ainda importa a capacidade de enxergar e valorizar a essência do ser humano antes de qualquer outro atributo que a pessoa possa “ter” vinculado ao seu “ser”.

Tales e Josy vivem juntos em BH, dividem as experiências com os filhos, frutos de outros relacionamentos. Tales cresceu em uma região periférica da capital e Josy, no município de Poté, Vale do Mucuri, interior do Estado de Minas. Ela tem origem familiar indígena. Tales tem gostos muito similares aos de Josy, dentre os quais, a malhação. Ambos ostentam corpos físicos invejáveis. Tales adentrou outros espaços e tem se permitido pensar novos voos, uma vez que permanecer como gari parece ter se tornado tarefa improvável em razão de uma cirurgia a que foi submetido há alguns meses. Houve rompimento de estrutura muscular da região do ombro, o que inviabilizará os movimentos demandados pela atividade. As propostas foram se avolumando e o casal tem discutido com a equipe que os auxilia sobre convites de trabalho ao Gari Gato até no exterior. Por serem muitas as temáticas, nas próximas edições retomarei o assunto, abordando sobre o “Casal conectado – Ele, gari. Ela, policial”.

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