O percurso da Águia 28: desafios da policial Thaiane Quaresma frente ao Tático Móvel PMMG

0
525
Juliana Lemes da Cruz.
Doutoranda em Política Social – UFF.
Pesquisadora GEPAF/UFVJM.
Coordenadora do Projeto MLV.
Contato: julianalemes@id.uff.br

Cada vez mais, espaços historicamente ocupados por homens têm sido ocupados também por mulheres. Esse movimento acontece mais depressa nos grandes centros urbanos, em detrimento das localidades mais longínquas, onde ainda impera a crença de que determinadas atividades não são destinadas às mulheres. Rompendo paradigmas, Thaiane Quaresma, a protagonista desta edição, mostrou que essa ideia pode e deve ser superada. A Policial foi a nº 28 do curso de Radiopatrulhamento Tático Móvel – RTM realizado em outubro de 2018, na capital mineira. Ao concluir os 30 dias de exaustivas atividades, o aluno aprovado em todas as fases tem seu nome gravado em uma placa que enaltece a conquista da conclusão de um dos mais desafiantes cursos da Polícia Militar de Minas Gerais – PMMG, superado pelos que passam a integrar o seleto grupo daqueles que são nomeados de Águia.

No campo da segurança pública, majoritariamente composto de profissionais do sexo masculino, ocupar espaços tradicionalmente liderados, controlados e dominados por homens é tão desafiante quanto submeter a estrutura física e mental à exaustão durante um curso ou treinamento. No interior, embora tivesse disposição, as vagas não eram o bastante para que Thaiane conseguisse se candidatar, ainda mais sendo uma voluntária mulher, que dificilmente seria indicada para fazer um curso para uma modalidade de policiamento desejada por policiais masculinos. Chegou a ouvir de um colega que o credenciamento para uso de fuzil (um curso breve) seria muito pesado para ela, e que não daria conta. O citado curso baseia-se no manuseio, tiro, montagem e desmontagem do armamento em espaço com gás lacrimogêneo, e sempre sob estresse.

Thaiane disse ter ficado bastante chateada com a afirmação do colega, mas, entendeu que precisaria estar em um lugar com mais possibilidades. Foi em razão dessa e de outras constatações, aliadas ao desejo de integrar grupamentos especializados da PMMG, que decidiu solicitar sua transferência do 19º Batalhão – 15ª Região, em Teófilo Otoni, para o 5º Batalhão – 1ª RPM, em Belo Horizonte. Thaiane ingressou na PM no ano de 2010, com apenas 18 anos de idade, mas, já era fascinada com o policiamento especializado, com ênfase na repressão qualificada. Trabalhou em Nanuque, na tríplice fronteira – Minas, Bahia e Espírito Santo –, por um ano. De 2012 a 2018 serviu em Teófilo Otoni. Desde então, compõe o efetivo do 5º BPM, na capital.

Seu pedido foi atendido em 2018, mesmo ano em que se voluntariou a integrar o curso TM. Apesar de ter encontrado mais espaço e oportunidade na capital, Thaiane foi desestimulada por um colega que questionava a legitimidade de seu interesse. De pronto, Thaiane destacou que o curso era uma forma de superar a si mesma e que em nenhum momento teve o intuito de se colocar como melhor que outros policiais.

O TM constitui policiamento de recobrimento para intervenção qualificada em ocorrências de maior complexidade. Poucas policiais femininas o integram. Thaiane afirma que fez parte do grupamento até a ocasião do acidente automobilístico que sofreu, onde fraturou o fêmur e trincou o quadril. Por esta razão, que ainda causa fortes dores, ficou sem condições de permanecer no TM. Enquanto se recuperava, trabalhou no setor administrativo da sua unidade e recentemente, foi incorporada ao Grupo Especializado em Policiamento em Áreas de Risco – o GEPAR. Ocorre que, há uma crença externa às corporações, alimentada por alguns profissionais da segurança privada/ pública, de que certas atividades têm mais importância que outras. Como se um profissional fosse menos profissional que o outro por não atuar em determinada área.

O curso RTM aconteceu entre os dias 01 e 30 de outubro de 2018. No 3º dia, Thaiane já teve que lidar com um inesperado inchaço do dedo polegar da mão direita, que estava inflamado, roxo e latejando. “Eu estava com medo de falar para os monitores que minha mão estava machucada e ser mal interpretada. Na minha cabeça, como eu sou mulher, se eu fraquejasse, ia mostrar que eu não era capaz. Eu tinha que ser 200%.

Eu pensava: tenho que ser igual aos caras”. Na prova para credenciamento de fuzil, houve outro contratempo. Thaiane treinou a desmontagem de um modelo de arma, e na hora, a desmontagem foi de outra. No manuseio, feriu sua mão esquerda, o que a fez sangrar muito. Sem poder intervir, o monitor apenas observou, mas, mostrou-se preocupado. A pressão era demais porque aquela era uma prova que eliminava o candidato do curso. “Eu não queria ser desligada. Fiz o que tinha de fazer com uma das mãos inchada, e a outra sangrando”. Vendo a situação da mão da policial, o Coronel Anderson, à época, Comandante do Policiamento da Capital – CPC, a orientou a pedir o desligamento do curso. Em resposta: “Senhor Coronel, eu prometi pra mim mesma e para várias amigas que me deram apoio que eu iria me formar. Eu não vou me desligar do curso”.

Para o leitor que não tem proximidade com pessoas que passaram pelo ambiente de treinamento policial pode parecer absurdo a pessoa ignorar ferimentos e persistir, mesmo exausta e sentindo dor. Na lógica policial, especialmente, militar, a regra é condicionar o corpo e a mente para trabalhar além do limite e por uma decisão pessoal. No dia da prova de armamento, sob estresse, Thaiane montou sete armas. Suas peças estavam misturadas e o ambiente era escuro. Foi aprovada na prova que é bem mais difícil do que aquele credenciamento que queria fazer e o colega disse que ela não daria conta.

Ao final do curso, Thaiane, conquistou o lugar de primeira policial do 5º BPM, que tinha 96 anos à época (2018), a se voluntariar e concluir com êxito o curso TM. Isso muito a orgulha e empodera. Além disso, foi homenageada pelo CPC, que destacou ter visto o que ela fez durante o curso. Para a policial, aquele momento foi tão especial que ela ficou emocionada. Para ela, o reconhecimento, vindo de uma autoridade tão importante da capital, selava o quanto o curso fez sentido na sua vida.

Sobre os preconceitos, Thaiane alertou que não se limita aos homens. Como se sabe, é estrutural o movimento de reprodução das desigualdades entre homens e mulheres. É algo que ganha espaço no discurso de ambos. Nesse sentido, “escutei, mulheres falando que o TM e o GEPAR não eram para PFem. Há muita mulher que desacredita a outra e muita mulher que não acredita em si”. Acrescenta que, “apesar de eu saber da minha capacidade, às vezes, a insegurança batia. E esse era o momento que chegavam para me dar um apoio tremendo, o Paulo, o Denner, o Renan, o Praxedino, o Pereira… ajudaram muito eu sustentar até o final do curso”.

As mãos feridas e inflamadas renderam febre. Não teve como segurar mais. O coordenador chamou a atenção da Thaiane por não ter dado a devida atenção à própria saúde. Segundo ela, foi um autoboicote, ela quem resistia em não pedir ajuda. Os colegas foram muito solidários. Depois de todos os perrengues aqui contados, ainda apareceram conhecidos para tentar diminuir a conquista da policial julgando que ela teve algum tipo de facilitação para ter conseguido concluir um curso tão “pesado”. Comentários que já não surpreendem nossa protagonista. “Dentro da Polícia Militar, esse curso foi minha maior realização pessoal e profissional. Eu sempre achei que a gente tem que tá onde gosta. Você trabalha bem com aquilo que você gosta, então, você desenvolve um bom serviço”.

Na PMMG, do filtro dos processos de seleção por concurso, restam os aptos. E dentre os aptos, há os mais diversos perfis de pessoas. Perfis incorporáveis na variabilidade de modalidades de atuação policial disponíveis na instituição. É plenamente possível que os profissionais sejam notados e aproveitados de acordo com as especificidades que caracterizam cada um. Seja em função do seu cabedal técnico, da sua experiência empírica/prática, ou mesmo, pela bagagem e formação teórico-científica constituída tanto no espaço interno, quanto no espaço externo à corporação. Thaiane encontra-se dentre os perfis que já encontraram seus lugares. Fotos: acervo pessoal.

OBS: O presente texto constitui, tão somente, um relato de experiência de Thaiane Quaresma sobre a conclusão do curso TM, o qual participou, há 4 anos. A narrativa utiliza-se de apontamentos sobre a realidade das mulheres em espaços laborais tradicionalmente ocupados por homens, desafios e potencial de superação. Assim, não se trata de um texto que representa a opinião da Polícia Militar enquanto instituição.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui