18 anos da Lei Maria da Penha e ainda há quem acredite que violência doméstica não acontece sem agressão física

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Juliana Lemes da Cruz.
Doutora em Política Social (UFF).
Conselheira do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Contato: lemes.jlc@gmail.com | @julianalemesoficial

Há algumas décadas, moças se casavam jovens na esperança de fugirem dos abusos físicos e/ou psicológicos dos pais muito severos. No entanto, a história de violência se perpetuava pelas atitudes do então esposo que, sem resistência, imprimia outras formas de abuso àquela mulher já tão acostumada a suportar o sofrimento intrafamiliar. Assim, de geração em geração mulheres conformaram com suas dores como se fossem resultantes inevitáveis de embates típicos da vida de casal e sem perceberem, reproduziram as violências sofridas para seus filhos e filhas, ensinando meninos a se portarem como esperado de homens e as meninas, a serem pacientes e compreensivas diante da personalidade de seus companheiros.

Desde que a Lei 11.340 foi promulgada em 7 de agosto de 2006, o mês tem sido de celebração nacional para a ampla difusão de informações sobre a violência doméstica contra meninas e mulheres no Brasil. Apesar de bastante conhecida, as dúvidas sobre a norma persistem. Há quem não deixe marcas físicas no cometimento de múltiplas violências contra filhas, namoradas, esposas, mães, empregadas domésticas, primas, tias e sobrinhas, e nem imagine que pode estar sujeito(a) à Lei Maria da Penha. Engano bastante comum em todas as camadas sociais, dos pobres aos abastados.

O conjunto de violências que gera sofrimento baseado na condição de gênero às meninas e mulheres pode ser compreendido como violência doméstica. Isso inclui sofrimento decorrente de violência física, mas também, violência psicológica, moral, patrimonial e sexual.

Meninas e mulheres precisam se blindar dos distintos tipos de violência doméstica para que preservem a saúde física e mental. Para tanto, é importante que aprendam a identificar os sinais para serem capazes de inibir o avanço do abuso antes que as situações violentas se tornem costumeiras ou naturais. Infelizmente, vivemos em uma cultura onde, não raro, as famílias consideram normal as brigas/desavenças intrafamiliares, regadas de insultos, manipulação, chantagens e gritos. Ao se permitir e/ou se negligenciar condutas abusivas de pessoas mais próximas, a tendência é que se admita padrões similares de abuso em outros campos da vida, naturalizando o sofrimento provocado por violências não físicas.

Como referência, destaco alguns indícios de que a menina/mulher pode estar em situação de violência doméstica: 1) muda de comportamento quando o(a) parceiro(a) está por perto; 2) distância de amigos e parentes; 3) defende atitudes claramente abusivas por parte do(a) parceiro(a); 4) perde o “brilho” – abandona a própria essência; 5) nega seus desejos, se adaptando ao desejo alheio; 6) romantiza o controle e autoriza, inconscientemente, sua manipulação pelo(a) outro(a); 7) abre mão de si para atender a vontade alheia em prol da manutenção do relacionamento; 8) reconhece que a relação não tem atendido suas expectativas, mas, a mantém por medo de não conseguir caminhar sozinha; 9) inventa desculpas para si e para outrem quando deixa de fazer atividades que sempre gostou. E segue a lista, que mais parece infindável.

Nesse contexto, elementos dificultadores e/ou facilitadores podem ser identificados. O primeiro, expõe condicionantes à manutenção da vítima no ciclo da violência, o segundo, apresenta fatores capazes de subsidiar a quebra do ciclo violento.

Dificultadores: desinformação sobre os próprios direitos, como e onde buscar apoio; negação prolongada da violência sofrida; tentativa de justificação da atitude do(a) abusador(a); aposta na mudança de postura da pessoa ofensora; baixa autoestima; pouca noção do que merece; contentamento com migalhas de afeto; amar mais ao próximo do que a si mesma; excesso de resiliência; colocar os filhos como empecilho à tomada de decisão sobre a quebra do ciclo violento; não reconhecimento do fracasso da relação íntima de afeto; acreditar que seu esforço para “salvar” a relação será útil; dependência econômica; filhos em idade escolar; etc.

Facilitadores: autorreconhecimento de que tem vivido relação abusiva; compreensão de que não deve tolerar violência; clareza das motivações que a fazem permanecer na relação abusiva; presença de rede de apoio familiar e/ou comunitária; acompanhamento psicoterápico; desistir de mudar ou salvar o(a) outro(a); decisão consciente de priorizar a si; autonomia financeira; etc.

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