ENTREVISTA: Dr. Rodrigo Lobo – Médico Emergencista

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O município de Teófilo Otoni vem passando por mudanças na área da saúde, por exemplo, a UPA passou a ser a porta de entrada para a Covid-19, o Hospital Raimundo Gobira absorveu alguns serviços antes prestados pela UPA, a Policlínica passou a funcionar paralelo ao Hospital de Campanha no Sesc, recém-inaugurado. O Diário Tribuna entrevistou na quinta-feira (18) um dos médicos que estão na linha de frente do enfrentamento ao coronavírus em Teófilo Otoni, dr. Rodrigo Lobo, que atua no SAMU, Hospital Santa Rosália e UPA, possui treinamento em Atendimento a Múltiplas Vítimas e Catástrofes, Pós-Graduado em Gestão de Emergência em Saúde Pública. Ele aborda sobre a pandemia e as suas múltiplas implicações para a sociedade.

DIÁRIO TRIBUNA – Dr. Rodrigo, o isolamento social pode afetar o sistema psicológico das pessoas?

RODRIGO LOBO – Essa pandemia, temos visto, que as pessoas já começam a apresentar alguns problemas psicológicos realmente. No mundo de hoje nós não estamos acostumados a ficar isolados, apesar de que a própria internet, a própria globalização da mídia tem nos feito isolar das pessoas, mas esse isolamento abrupto que aconteceu nesses últimos três meses parece que pegou as pessoas de surpresa. E além desse isolamento tem o medo da doença. Com tantas notícias ruins, notícias de que falta respirador, que falta assistência médica, isso traz incertezas e bastante insegurança às pessoas. Como médico do SAMU a gente tem atendido já algumas pessoas que realmente surtaram porque descobriram que tem a doença e não aguentavam mais ficar isoladas. Principalmente quando nos deparamos aí com algumas medidas pouco eficazes do poder público em relação ao enfrentamento da Covid-19. As pessoas sem saber o que fazer, com medo de procurar uma unidade de saúde acabam surtando e cometendo até alguns atos inconsequentes.

DT – Quais os reais benefícios do uso da máscara, como usá-la corretamente e qual a sua duração?

RL – Eu vou ter que citar a Organização Mundial de Saúde, apesar da pouca credibilidade que eu vejo que ela tem, mas a recomendação é que se todas as pessoas pudessem ter máscaras cirúrgicas, seria o ideal. Máscara com duas ou três camadas dá uma boa respiração, favorecendo uma troca de gás carbônico pra evitar o excesso que a pessoa está retendo. Essa máscara duraria em torno de 4 horas, seria o tempo ideal se ela não apresentar nenhuma sujidade, não ficar úmida, não receber nenhum respingo de sujeira. Aquelas outras máscaras, a N95 usada pelos profissionais de saúde, tem o prazo de validade um pouco maior. Alguns estudos falam que pode ser usada até 15 dias, mas o recomendado mesmo é não passar de 7 dias desde que tenha uma boa higienização, e que ela não se suje. Se sujar e comprometer a textura, ela perde totalmente a validade e a pessoa acaba não se protegendo. E uma boa saída que foi encontrada foi a fabricação de máscaras caseiras. O ideal dela seria de duas a três camadas, sendo que uma camada seria de tecido comum de algodão, a outra teria que ser de TNT, que poderia ser usada o dia inteiro e ser lavada ao final do dia. Mas o uso é pra proteger, não quem está usando, quando eu uso a máscara eu estou protegendo o meu próximo. Se eu tiver perto de uma pessoa sem a máscara, eu estarei colocando a vida dela em risco. Uma opinião minha baseado no que a gente lê, é que, se eu não tenho sintomas, e você também não tem, e eu mantiver uma distância de 1,5m a 2m de você, não há sentido usar máscara.

DT – Quem já teve a Covid-19 estaria imune?

RL – Não definitivamente, ainda não está provado cientificamente que ocorra uma imunidade duradoura em relação à reposta do seu organismo à Covid-19. Estima-se que se a pessoa teve a Covid, ela vai ficar imune nos próximos seis meses, mas como ainda não há certeza em relação a isso, a recomendação é continuar seguindo tudo aquilo que o poder público tem feito pra prevenir a contaminação das pessoas.

DT – Sua avaliação do Comitê de Gerenciamento de Crise para o enfrentamento ao coronavírus em Teófilo Otoni? Faltou criar um específico?

RL – Nessa fase agora falar mal do comitê seria fácil demais. Na verdade não faltou criar um comitê específico. Ele foi criado conforme anunciado várias vezes pelo poder público municipal. Talvez tenha faltado no comitê, pessoas e entidades de classe com expertise em atendimento a múltiplas vítimas e catástrofes em situação de epidemia. Nós não vimos a Polícia Militar nem o Corpo de Bombeiros integrando nesse comitê. Eu também não vi, com todo respeito que tenho aos médicos que estão lá, cada um dentro da sua especialidade – temos coordenador de UTI, temos nosso querido Edilânio excelente pneumologista, mas faltou um infectologista dentro do comitê. E na nossa cidade temos dois infectologistas. Temos o dr. Heber Neiva que faz um brilhante trabalho como gestor público na cidade de Caraí, um excelente médico também infectologista, e um que fica exclusivamente pra Teófilo Otoni, dentro do Hospital Santa Rosália temos a dra. Liliana. Então fica difícil avaliar porque essas pessoas e entidades de classe não estão dentro desse comitê. Pra mim faltou isso aí pra dar uma expertise e aconselhar melhor o prefeito nas suas ações.

DT – Com relação ao último decreto (8.057/2020) como você vê o município aderindo ao programa Minas Consciente?

RL – Eu vejo com um pouco de preocupação, porque antes os decretos vinham semanalmente e ele adiando a abertura do comércio, tomando medidas que pra mim são desnecessárias nesse momento. Não adianta barreiras sanitárias disso ou daquilo, não adianta ficar falando pra usar máscara se não faz isso ou aquilo, porque nós agora precisamos enfrentar o vírus e eu não vi anunciando nenhuma medida de enfrentamento. Estou ouvindo falar que o hospital de campanha está lá, que está fechadinho, pronto pra ser usado, a UPA foi transformada nisso, mas os pacientes estão começando a chegar. Cadê os leitos novos de UTI? O Santa Rosália anunciou que até segunda-feira vão ser abertos até 10 leitos novos de CTI, o Philadelfia também abriu, mas e aí? Vai expandir realmente? Porque antes da pandemia tínhamos 30 leitos, no momento nós continuamos com os mesmos 30. Só que ao invés de atender todas as doenças como tínhamos antes com esses 30 leitos, nós temos hoje 20, são só de Covid e 10 pra outras doenças. Eu acho que precisa ver mais leitos novos realmente eficazes.

Essa medida agora participando do Minas Consciente, ele vai ganhar mais tempo pra manter o comércio fechado. Porque agora ele vai estar embasado num decreto e num programa estadual e vai seguir aquele calendário de ondas conforme o decreto do Minas Consciente. Então antes ele fazia de 7 em 7 dias, agora ele vai ganhar um tempo fazendo de 21 em 21 dias, isso não vai ser bom para o comércio. Pra mim, foi um teatro que foi feito, houve pressão por parte de alguns parlamentares em relação a intervenção, ele acabou abrindo mão da vaidade e das decisões autoritaristas que ele tomava pra seguir essa linha, mas na verdade, ele foi extremamente estrategista. Prefeito municipal se tem uma coisa que ele não é, é bobo. Ele é muito inteligente e estrategista. A adesão a esse Minas Consciente, na minha opinião, vai estar ganhando é tempo pra manter o comércio fechado. Isso é fato, ficou bem claro quando ele anunciou essas medidas. Ele vai abrir um ou outro serviço essencial, a feira livre atende aos anseios do eleitorado do partido dele, enquanto isso ele mantém a queda de braço com os outros comerciantes que vem sendo travada há algum tempo.

DT – Qual é a real porta de entrada para a Covid-19 em Teófilo Otoni?

RL – A UPA 24 Horas é a porta para os pacientes com sintomas gripais da rede pública de saúde em Teófilo Otoni. Tem mais de uma semana que já está assim, quando houve a mudança dos atendimentos de não covid para o Raimundo Gobira. Situação em que transformaram o Gobira numa parte da UPA, e esta, ali na Getúlio Vargas, é só pra atendimento de covid. A estrutura foi dividida pra atender a chegada de pacientes que vão por demanda própria apresentando sintomas leves, que querem consultar, querem ter acesso a algum exame, passar por uma avaliação médica, até o paciente mais grave que é levado pelo Samu ou por ambulância de cidades pequenas, que são atendidas aqui. O Hospital Bom Samaritano é o hospital de retaguarda, em que os pacientes ficam internados em enfermaria ou no CTI. O Santa Rosália também, fica dependendo da demanda que esteja ali na UPA, de pacientes que estão esperando vagas, tem os leitos de CTI e enfermaria. O Philadelfia, se não me engano, tem também os leitos CTI. Mas a porta de entrada mesmo é na UPA.

DT – O cenário da Covid-19 em Teófilo Otoni com números no Boletim Epidemiológico que vem crescendo exponencialmente, assusta. O que poderia ser feito pra pelo menos amenizar essa situação?

RL – Agora não tem jeito de evitar a contaminação, isso já é fato. Nós temos agora que partir pra cima do inimigo, e só tem uma forma, é tratando as pessoas. O vírus está aí, as pessoas vão ficar contaminadas, isso faz parte da evolução natural de qualquer epidemia, principalmente de vírus respiratório. Em torno de 70 a 80% da população vão ficar contaminados, o que a gente precisa é tratar as pessoas que são sintomáticas. E, não podemos abrir mão do arsenal de medicamento que temos. As armas que temos hoje, se a gente ficar discutindo políticas ideológicas, não tem evidência disso ou daquilo, isso é marketing pra indústria farmacêutica. Essa briga que não podemos ter. Eu como médico tenho usado esse tratamento nas pessoas sintomáticas e tem dado resultado. Pessoas precisam ser tratadas na fase inicial, e tratar numa fase inicial é só ter acompanhamento dos pacientes, investir no monitoramento, ter telefones que funcionam, colocar profissionais da saúde, temos faculdades de medicina, de enfermagem, colocar os alunos pra trabalharem para o SUS, através do tele-monitoramento. É atacar o vírus e controlar os sintomas através do tele-monitoramento, mas pra isso é preciso investir e ter coragem. É a minha forma de enfrentar a situação nesse momento já que nós não temos como impedir a disseminação mais do vírus, e não vão ser essas barreiras sanitárias aí, a sanitização que vem sendo feitas. Tudo isso ajuda, mas não vai ser a solução porque o vírus já se espalhou. Nós estamos amenizando com essas medidas tomadas que o vírus seja mais agressivo com a população, que atinja mais os grupos de risco. Temos agora que atacar o inimigo de frente, através da medicação que nós temos disponível no mercado. Medicação barata, boa e bem eficiente no tratamento inicial da doença.

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