Mãe de polícia: entre o orgulho e a preocupação

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Juliana Lemes da Cruz.
Doutora em Política Social (UFF).
Conselheira do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Contato: lemes.jlc@gmail.com | @julianalemesoficial

Se nós, no lugar de mães, entendermos que criamos os filhos para o mundo e não para nós, se torna menos conflitante tentar compreender suas escolhas na fase adolescente ou adulta. Decerto, o caminho que seguem reflete aprendizados e estímulos que tiveram ao longo da vida, não apenas a partir do núcleo familiar, mas também, socialmente, durante suas vivências com amigos de escola e nas distintas interações comunitárias. Na fase de se reconhecerem como sujeitos do mundo é que percebem suas próprias prioridades, o que lhes é mais importante e urgente naquele momento e o que lhes movimenta romper de vez com o cordão umbilical simbólico para ganhar a sonhada independência. Isso se dá, geralmente, quando conquistam a autonomia financeira e passam a tomar decisões importantes e assumir as consequências de cada uma delas. Ainda que não tenha sido a primeira experiência profissional de todos aqueles filhos e filhas que decidiram ingressar na carreira policial militar, sem dúvidas, constitui a mais marcante delas. E por uma série de motivos.

Na condição de mãe, ainda em adaptação pela escolha do filho, ouso discorrer sobre a experiência de partilhar o processo de formação de um soldado da Polícia Militar mineira, assim como mais de uma centena de outras mães dos alunos que ingressaram na escola de polícia sediada em Teófilo Otoni/MG. Desde a fase de preparação para as provas até o marco do primeiro dia das mães como efetivos policiais, muita coisa aconteceu na vida dos filhos e, consequentemente, na vida das mães.

Isso porque, são as mães que, embora tenham incentivado, sentem seus corações apertando ao ver, dia após dia, seus filhos trancados nos seus quartos, horas e horas do dia e da noite no esforço de absorver o máximo de conteúdo para se dar bem no dia da prova escrita. Alguns dedicaram meses e até anos para que conseguissem, enfim, o sucesso almejado. Foram tempos de renúncia que não findariam naquela fase. Após comprovarem aptidão cognitiva, ainda precisam vencer as fases física e psicológica. Etapas que só aqueles que se dispuseram têm noção do quanto custa ao emocional e também, ao bolso.

Não raro, o soldado aluno tem a interpretação de que o mais difícil quanto ao ingresso na PMMG são as etapas para a admissão. Que equívoco! A fase mais desafiante é, sem dúvidas, o curso de formação. Lá é que se dá mais uma peneirada, em meio à dor e ao sofrimento de conhecer seus próprios limites físicos e psicológicos.

Sim, o coração aperta. Porque diferentemente de outras mães que assistem o progresso dos filhos, orgulhosas por suas conquistas, eu, além de mãe de um policial em formação, estou há quase 14 anos como profissional dessa que é uma das carreiras mais desafiantes do nosso tempo. O ofício de polícia é glamouroso, mas, de simples, não tem nada. É doloroso, cansa o corpo, a alma e maltrata esse íntimo ao preparar a mente para um “possível” que nenhum de nós deseja que um dia aconteça. Mas, sendo da natureza da profissão, é bom que estejamos todos preparados.

Os treinamentos do presente estão mais intensos. Arrisco dizer que, até hoje, foi o mais pesado dos cursos de formação realizados pela 221ª Companhia Escola da 15ª Região, sediada em Teófilo Otoni/MG. Minhas lágrimas durante a cerimônia de entrega da boina, quando oficialmente vestiram a farda, foram também, por esta razão. É satisfatório, como mãe, saber que seu filho se desafia, é aguerrido, forte e corajoso. Qualidades que todos esses novos policiais têm por terem chegado firmes até aquele dia 27/03/24, sem um único dia inteiro de folga desde o ingresso, em 13/12/23. A turma CFSD 2024 é a maior da última década (+- 150 alunos) e tem sido preparada por uma das equipes mais técnicas que a Cia Escola já teve. Por isso, o aperto no coração e a preocupação da mãe, por vezes, dá lugar à tranquilidade da profissional que está certa de que será formado um excelente policial militar.

Apesar disso, sei que para muitas mães que jamais tiveram a experiência de vivenciar o que é o ambiente militar, esse processo é assustador e doloroso. Privação do sono e exercícios até a exaustão, fizeram parte dos três primeiros meses de jornada. Para as mães, não é nada fácil ter que incentivar os filhos, ao mesmo tempo que sofrer com suas dores. Mãos calejadas, rotina alterada, agitação e renúncia compõem essa fase que exige em todo e qualquer parte do dia, a disciplina. Disciplina para acordar de madrugada, para lavar e passar a farda, para preparar o lanche, para se alimentar adequadamente, para fazer os trabalhos de classe, para manter os olhos abertos em sala e o corpo apoiado na carteira, quando o que ele pede é o chão.

As mães sabem que o desafio é a grandeza dos gigantes. Já não consegue fazer muito. Sequer clarear as camisas brancas sujas de lama. Nenhuma receita deu certo e a aflição tomou conta. A gente se sente impotente e algumas sentem mais do que outras. Afinal, mães protegem, guiam e indicam os caminhos com menos riscos para seus filhos. No meu caso, sabendo da realidade desse tipo de serviço, não foi diferente. Mas, se a escolha é dos filhos, que criamos para o mundo, como poderia orientar: “não faça”, estando eu em uma das profissões mais arriscadas de nosso tempo? Difícil, não é? Tenho certeza de que os colegas das forças de segurança entendem o que digo. Os leitores civis, talvez tenham dúvidas e contestem, uma vez que o serviço público é associado a certas vantagens. No entanto, não se trata de qualquer serviço público. Esse, mais que qualquer outro, lida diretamente com riscos reais à vida própria e alheia. E nenhum outro serviço público está tão exposto a isso. E mesmo que digam: “mas, por que então escolheu isso?”, respondo sem hesitar: alguém precisa fazê-lo! É importante que os bons filhos o façam.

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