Autor: Jeferson Botelho PereiraTitulação: Professor de Direito Penal e Processo Penal.Especialista em Combate à Corrupção, Antiterrorismo e Crime Organizado pela Universidade de Salamanca – Espanha.Advogado e autor de obras jurídicas.Minas Gerais – Brasil.
RESUMO
O presente artigo examina, sob enfoque técnico e constitucional, a proposta de nomeação do Chefe de Polícia Civil mediante lista tríplice formada por voto direto, secreto, plurinominal e obrigatório dos Delegados de Polícia. Analisa-se o impacto jurídico, político e social dessa medida na busca pela autonomia institucional das Polícias Judiciárias e pelo fortalecimento do sistema acusatório no Estado Democrático de Direito. O estudo explora as vantagens do modelo, a compatibilidade com precedentes existentes em outras funções essenciais à Justiça, bem como as resistências interpretativas do Supremo Tribunal Federal, especialmente na ADI 5582/RO. Conclui-se pela necessidade de reforma constitucional que insira as Polícias Investigativas no rol das Funções Essenciais à Justiça, conferindo-lhes autonomia administrativa, financeira e funcional, para romper a dependência política e consolidar uma persecução penal independente e republicana.
Palavras-chave: Polícia Judiciária. Lista tríplice. Autonomia institucional. Constituição Federal. Funções essenciais à Justiça.

1. INTRODUÇÃO
O cenário da segurança pública brasileira é de colapso estrutural e de profunda descrença social. O povo vive em permanente estado de vulnerabilidade, enquanto discursos vazios e soluções midiáticas tentam mascarar um sistema falido. Em meio a isso, as Polícias Investigativas, responsáveis pela materialização da verdade real e pela persecução penal, seguem acorrentadas à vontade política do Poder Executivo, o que fragiliza sua independência e desvirtua sua missão constitucional.
Não se constrói justiça com submissão. A essência republicana exige que as instituições de Estado não se ajoelhem diante das conveniências do governo de ocasião, mas sirvam, com técnica e coragem, à Constituição e à sociedade.
É nesse contexto que surge a proposta da lista tríplice para a escolha do Chefe de Polícia Civil, uma medida que não apenas democratiza a gestão institucional, mas resgata a dignidade e a legitimidade da Polícia Judiciária, devolvendo-lhe sua vocação originária: servir à justiça, e não ao poder.
2. NOTAS INTRODUTÓRIAS
A proliferação de leis punitivas e de discursos populistas sobre segurança pública tem ofuscado o verdadeiro debate sobre a estrutura da persecução penal no Brasil. Entre propostas para aumentar penas e criar novos tipos penais, o Estado esquece o essencial: sem autonomia investigativa, não há justiça possível.
O sistema atual, em que o Chefe de Polícia Civil é livremente nomeado e exonerado pelo Governador, compromete a independência da investigação e abre espaço para ingerências políticas em procedimentos sensíveis.
Defende-se, pois, que a Constituição Federal seja alterada para permitir que o Chefe de Polícia Civil seja escolhido dentre os Delegados de Polícia de última classe, maiores de 35 anos, mediante lista tríplice votada diretamente pela categoria, para mandato de dois anos, com recondução permitida uma única vez.
A eleição seria regulamentada pelo Conselho Superior da Polícia Civil, e, caso o Governador não proceda à nomeação em quinze dias, assumirá automaticamente o mais votado. A exoneração somente poderia ocorrer mediante votação aberta e maioria absoluta da Assembleia Legislativa, garantindo equilíbrio e responsabilidade institucional.
Trata-se de reconfigurar a Polícia Judiciária como Função Essencial à Justiça, desgarrando-a das amarras do Executivo e conferindo-lhe autonomia funcional, administrativa e financeira, em harmonia com o sistema acusatório e o devido processo legal.
3. VANTAGENS DA FORMAÇÃO DE LISTA TRÍPLICE
A formação de lista tríplice é símbolo de maturidade democrática e expressão de autogoverno institucional. Quando os próprios Delegados elegem seus representantes máximos, há um fortalecimento da legitimidade interna e da confiança pública.
O modelo assegura independência técnica e neutralidade política, reduzindo a interferência do Executivo nas decisões administrativas e nas investigações criminais.
Entre as principais vantagens destacam-se:
• a) Democratização da gestão institucional, com voto direto e secreto dos membros da carreira;
• b) Fortalecimento da autonomia funcional, preservando a imparcialidade das investigações;
• c) Blindagem contra ingerências políticas, especialmente em casos de repercussão envolvendo agentes públicos;
• d) Transparência e ética nas promoções e designações internas, evitando favorecimentos pessoais;
• e) Valorização da meritocracia e da carreira policial, reforçando o princípio da eficiência (art. 37, CF).
Em síntese, a lista tríplice é um antídoto contra o patrimonialismo e o clientelismo político que há décadas corroem as estruturas das Polícias Civis no Brasil.
4. CASOS DE NOMEAÇÃO POR LISTA TRÍPLICE NO BRASIL
O modelo de lista tríplice já é institucionalmente reconhecido em diversas carreiras de Estado. O art. 128, §3º, da Constituição Federal prevê que o Procurador-Geral de Justiça seja nomeado pelo Governador dentre membros da carreira indicados em lista tríplice formada pelo voto dos integrantes do Ministério Público.
O mesmo ocorre com a Defensoria Pública, conforme o art. 7º da Lei Complementar nº 185/2025 (MG), que alterou a Lei Complementar nº 65/2003, estabelecendo a eleição direta para formação de lista tríplice destinada à escolha do Defensor Público-Geral.
Esses exemplos demonstram que a escolha democrática de dirigentes por seus pares é compatível com a Constituição Federal, desde que assegurada a autonomia institucional.
Não há, portanto, obstáculo jurídico intransponível à adoção do mesmo modelo pelas Polícias Civis. O que falta é vontade política e sensibilidade republicana.
5. ANÁLISE CRÍTICA CONTEXTUAL
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem caminhado em sentido restritivo quanto à lista tríplice nas Polícias Civis. Na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5582/RO, de relatoria do Ministro Edson Fachin, o STF invalidou o art. 146-A da Constituição de Rondônia, que previa a escolha do Delegado-Geral mediante lista tríplice.
Segundo o voto vencedor, o modelo contrariaria o art. 144, §6º, da Constituição Federal, que estabelece a subordinação das polícias civis ao Governador do Estado.
Contudo, essa interpretação merece ser revista sob a ótica da autonomia republicana. Subordinação administrativa não pode significar submissão política. O Chefe de Polícia deve estar subordinado à Constituição e às leis, jamais ao interesse pessoal do mandatário.
A autonomia institucional das Polícias Judiciárias não fere o princípio da hierarquia, mas aperfeiçoa o controle democrático, protegendo a investigação de interferências indevidas e garantindo ao cidadão uma apuração isenta e justa.
6. REFLEXÕES FINAIS
O Brasil precisa de Polícias Judiciárias autônomas, técnicas e corajosas, que não temam investigar o poder e não se curvem diante da pressão política. A história revela que onde a polícia é livre, a justiça é forte; onde é controlada, a verdade é silenciada.
Urge, pois, que o Congresso Nacional enfrente o tema e proponha uma Emenda Constitucional para disciplinar a matéria, inserindo expressamente as Polícias Civis e Federal entre as Funções Essenciais à Justiça, com autonomia administrativa, financeira e funcional, e com eleição por lista tríplice para a chefia.
Somente assim a Polícia Investigativa deixará de ser instrumento de poder e se tornará instrumento de justiça.
Chegou a hora de romper os grilhões da subserviência e inaugurar uma nova era republicana, onde a verdade não tenha dono e a justiça não seja refém de gabinetes.
A lista tríplice é mais que um modelo de gestão: é um manifesto de dignidade institucional e de respeito à democracia.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
BRASIL. Lei Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994. Organiza a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Estados. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 13 jan. 1994.
BRASIL. Lei nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1993. Institui a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 15 fev. 1993.
BRASIL. Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006. Promulga a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Convenção de Mérida). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1 fev. 2006.
MINAS GERAIS. Lei Complementar nº 185, de 31 de julho de 2025. Altera a Lei Complementar nº 65, de 2003, que dispõe sobre a Defensoria Pública do Estado. Diário do Executivo de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1 ago. 2025.
MINAS GERAIS. Lei Complementar nº 65, de 16 de janeiro de 2003. Dispõe sobre a organização e estrutura da Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais. Diário Oficial do Estado, Belo Horizonte, 17 jan. 2003.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5582/RO. Rel. Min. Edson Fachin. Julgamento em 4 ago. 2020.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Súmula Vinculante nº 13. Proíbe o nepotismo na administração pública. Aprovada em 21 ago. 2008.










