Jovem teve todas as mensalidades pagas nos cinco anos do curso de Direito

Universidade de São Paulo (USP), depois
de se graduar em Direito
Era um simples debate sobre teoria da posse no estacionamento do antigo fórum de Contagem. O juiz Wagner Cavalieri, da Vara de Execuções Criminais, gostava de parar ali e discutir temas do cotidiano com servidores e colegas. Naquele dia, o funcionário da faxina que ouvia a conversa defendeu um ponto de vista jurídico com afinco e atraiu a atenção curiosa do magistrado.
O juiz achou a situação inusitada. Investigou e descobriu que aquele rapaz, segurando vassoura e saco de lixo, era um sobrevivente, que usou a paixão pelo saber jurídico como combustível para lutar. Até então, uma das principais conquistas do jovem Samuel Santos da Silva tinha sido frequentar, como universitário, por apenas seis meses, a faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas).
Sem conseguir pagar as mensalidades do curso, foi obrigado a desistir dos estudos. Ao saber disso, o juiz Wagner Cavalieri se juntou ao amigo e colega de profissão Afonso José de Andrade, hoje aposentado, para apadrinhar o trabalhador terceirizado. O jovem, então, conseguiu voltar à universidade. O apoio financeiro foi assumido durante anos também por diversos juízes que estão no fórum ou que passaram pela comarca. Aluno exemplar, Samuel se graduou cinco anos depois e hoje é estagiário de pós-graduação na Procuradoria-Geral do Município de Contagem.
A luta que o jovem enfrentou, no entanto, começou muito antes, aos cinco anos de idade. Ele era o único companheiro da mãe, recém-separada do marido, quando saíram de São Paulo com destino a Minas, em busca de uma vida mais digna. Aqui, passou fome, dormiu em igrejas e praças e sofreu a fase mais difícil da sua vida em dias e noites na rua. Por pouco, ele e a mãe não se tornaram mendigos, como faz questão de enfatizar.
Com problemas psicológicos, a mãe precisou ser internada. Apesar de mais um drama, Samuel sentiu, durante aquele episódio, o gosto da compaixão e da solidariedade. Sem lugar para ficar, foi adotado por um casal que tinha sido padrinho de casamento dos seus pais. Um marceneiro e uma faxineira que deram a ele uma cama para dormir, comida, educação e um lar com outros 11 irmãos. Viveu e cresceu de forma simples.

Cavalieri, com o então formando em Direito, Samuel da
Silva, e seu pai adotivo, José Inácio Gomes
Dia da adoção: paixão – O dia em que o menino entrou no fórum de Contagem para ser oficialmente adotado despertou, naquela criança, o desejo que ele só foi entender quando adulto: a paixão pelo Direito. Quis servir ao Judiciário, almejava ajudar outras pessoas e pensou em prestar concurso para oficial de justiça.
Fez vestibular para Direito em duas universidades. Passou nas duas, e optou pela PUC. Só teve condições de pagar a matrícula, mesmo assim porque uma antiga professora do ensino fundamental se prontificou a quitar o boleto. Não tinha dinheiro para estudar e cursou todo o semestre inadimplente. Por isso, não conseguiu fazer rematrícula e, antes de trancar a faculdade, abraçou a oportunidade de ser voluntário conciliador no local que sonhou trabalhar, o fórum. Era o ano de 2011.
O trabalho voluntário permitiu a ele procurar alguma oportunidade de emprego no prédio. Entregou currículos e descobriu que as empresas terceirizadas só contratavam para as áreas administrativas e de serviços gerais. Depois de muito tempo, foi chamado para trabalhar na limpeza. “Admiro muito a profissão de faxineiro, que é a profissão da minha mãe adotiva. Fui orientado a esperar um pouco porque, como universitário, poderia surgir uma oportunidade melhor, mas eu comecei a trabalhar com dignidade e fazendo as coisas com muito amor”, lembra.
“De repente eu estava ali naquele fórum que me colocou em uma família adotiva, quando tudo começou a dar certo, e as melhores oportunidades começaram a surgir. Meu sentimento foi de enorme gratidão”, disse. Nas conversas com os colegas de faxina sempre levantava alguma teoria sobre a aplicabilidade do Direito e foi despertando a atenção de juízes e servidores.
O sonho é ser juiz – “Ele tem grandes virtudes, é perseverante e sempre procura se aperfeiçoar. As dificuldades não o abalaram. Vê-lo graduado foi um prêmio pra mim, sensação de satisfação por ter apoiado alguém que não poderíamos perder no mundo jurídico”, destaca o juiz Afonso Andrade. “Ele sempre disse que seria um grande operador do Direito”, completou.
O juiz Wagner Cavalieri lembrou que, ao longo de todo o curso, o rapaz fez questão de prestar contas das notas que tirava, dos trabalhos na faculdade e projetos futuros. “Desde o início, vimos que o Samuel não se fez de vítima e era extremamente interessado em teorias e teses jurídicas”, disse.
Os pais adotivos também admiram a persistência do jovem. “Dos 12 filhos, apenas ele e uma irmã conseguiram se formar na faculdade”, disse o pai José Inácio Gomes. A mãe, Maria da Silva Gomes, recorda a primeira conversa que teve com os magistrados. “Eles disseram que iam apoiar os estudos do meu filho. Os juízes me ajudaram a criá-lo”, emociona-se.
Para o ex-faxineiro, a dedicação em tudo que faz é uma maneira de honrar os pais e todos aqueles que o ajudaram em algum momento. “Imagina a situação. Os juízes me apadrinharam e pagaram minha faculdade do 2º período ao final do curso e ainda quitaram a minha dívida que ficou do primeiro período. Vários magistrados chegavam à comarca e persistiam em querer ajudar, os servidores também. Foi muito importante para mim viver tudo isso”, define o hoje pós-graduado.
Estágio, artigos em revistas, trabalho em escritórios de advocacia e em instituições do sistema de justiça, convites para participar da autoria de livros, pós-graduação na Universidade de São Paulo (USP) em gestão escolar e outros cursos em universidades norte-americanas. Mas o sonho maior é se tornar juiz de direito, “para poder ajudar”.
(Assessoria de Comunicação Institucional – Ascom / TJMG – Unidade Fórum Lafayette)