Apesar de tratar-se de um tema que diz respeito, exclusivamente, às mulheres, muitas desconhecem o que vem a ser a “violência obstétrica”. Assim como tantas outras, eu soube de suas características depois de ter passado pelo parto e vivenciado inúmeras formas desse tipo de violência.
Segundo o Coletivo Humaniza, organização que atua difundindo o assunto e dando voz às mulheres de Manuaus, no estado do Amazonas e por isso, premiado em 2019 com o Selo de Práticas Inovadoras no enfrentamento à violência contra as mulheres pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a Violência Obstétrica constitui uma afronta a todas as mulheres. Pode ser reconhecida em atitudes agressivas e constrangedoras de funcionários de unidades de saúde envolvidos com o parto; a flagrante impaciência; a pressa para adiantar o procedimento; o desrespeito à vontade/escolha da mulher; o empurrão na barriga para “ajudar” o bebê a sair (manobra de Kristeller); doses enormes de ocitocina para acelerar as contrações, potencializando as dores; o corte realizado com o argumento de ser necessário para o aumento do canal do parto e evitar a laceração grave (procedimento chamado de episiotomia); xingamentos do tipo: “quando fez você gostou, porque agora faz escândalo?”, “se não ficar quieta, não vamos te atender”; o impedimento de acompanhante durante o trabalho de parto, o parto e no pós parto, dentre outros. Essas situações agravam-se e/ou ocorrem quando o local onde nascem os bebês não têm maternidade.
Nesses casos, nem mesmo se as equipes de saúde desejarem, seria possível o total amparo à mulher de forma humanizada (acolhendo o que é seu desejo), dada a precariedade dos serviços em hospitais que atendem inúmeras especialidades e onde falta um ambiente adequado para o acolhimento das mulheres em trabalho de parto. Isso tanto na rede particular, quanto na pública.
Apenas no ano de 2013, durante uma exposição de um vídeo-documentário por uma colega que pesquisava o tema durante uma aula do nosso curso de mestrado, descobri, que eu também tinha sofrido violências na ocasião do meu parto. Eu, ainda adolescente, na região metropolitana de BH, não tive acompanhante autorizado a estar do meu lado durante o trabalho de parto ou no pós. Fui submetida à ocitocina, que foi introduzida no soro, fazendo com que eu tivesse dores absurdas e câimbras nas panturrilhas. A episiotomia foi feita sem que eu soubesse, poucos instantes depois de ter entrado na sala de parto, para onde eu fui, sobre uma maca, com as partes íntimas descobertas. Depois do parto, tomei banho sozinha, após horas suja de sangue. Meu filho, que nasceu às 11h44min, fui ter acesso só no início da noite daquela quarta feira.
As imagens que vi no filme foram um gatilho que fez com que eu desabasse em lágrimas. Até aquele momento eu pensava que tudo que eu passei era normal e toda mulher, se um dia quisesse ser mãe, também precisaria passar por tudo aquilo. A ignorância é mesmo uma venda nos nossos olhos, que depois de retirada, jamais retorna aos olhos para encobrir a mesma coisa. A partir de então, passei a observar o quão distantes ainda estamos de garantir as informações sufi cientes para que antes, durante e pós parto sejam momentos respeitosos e dignos às mulheres e seus bebês. Após esse meu reconhecimento, passei a observar com calma a trajetória de mulheres gestantes, as situações de parto e os relatos de procedimentos “desconfortáveis” a elas.
Pensando nisso e nas implicações decorrentes do impacto psicológico em razão da violência obstétrica sobre a qualidade de vida das mulheres mães, a equipe do Projeto Mulher Livre de Violência (MLV), vinculado ao Grupo de Extensão e Pesquisa em Agricultura Familiar (GEPAF), da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, promoverá um encontro via transmissão ao vivo – LIVE – nesta quarta-feira (09/06/2021) para o necessário debate sobre a Violência Obstétrica.
Segue o link para acesso ao Canal do GEPAF UFVJM, onde estão sendo realizadas lives semanais com temáticas relacionadas às mulheres: https://www.youtube.com/watch?v=V1-z7cGHFiM