Testemunha sem rosto premiada e sua efetiva segurança

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Proposta de medidas de combate ao crime organizado no Brasil

Jeferson Botelho Pereira – Professor de Direito Penal e Processo Penal.
Especialização em Combate à corrupção, Antiterrorismo e combate ao
crime organizado pela Universidade de Salamanca – Espanha. Mestrando
em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES.
Advogado e autor de obras jurídicas. Palestrante.

RESUMO: O presente texto tem por escopo precípuo analisar em breve síntese o instituto da TESTEMUNHA SEM ROSTO no sistema de justiça penal do Brasil, considerado instrumento de preservação da prova em razão da proteção da intimidade, imagem e dados pessoais das testemunhas nas investigações policiais e na instrução do processo criminal.

Palavras-Chave. Processo penal; lei da Proteção da Testemunha; da prova; testemunha sem rosto; intimidade; imagem; preservação; segurança pública.

É dever do Estado proteger a integridade física e psicológica de todos os cidadãos, especialmente a quem se propõe a colaborar com o debilitado e exangue sistema de justiça criminal na descoberta de criminosos desalmados e vagabundos que afrontam a sociedade brasileira. E assim, propõe-se a criar a figura da testemunha patriota, figura que se assemelha informante ou reportante do bem, chamado de whistleblower, nos moldes da Lei nº 13.608, de 2018, que disciplina hipóteses de ladrões do setor público quando prevê que quando as informações disponibilizadas resultarem em recuperação de produto de crime contra a administração pública, poderá ser fixada recompensa em favor do informante em até 5% (cinco por cento) do valor recuperado. Destarte, aguarda-se ansiosamente por algum parlamentar que tenha efetivo compromisso com a sociedade e com o sistema de justiça, sem implicações e envolvimento com tramoias, possa abraçar a ideia de apresentar um projeto de lei que crie a figura da testemunha sem rosto premiada para ajudar a proteger os bens da sociedade e recuperar o erário do povo, prendendo bandidos e fazendo justiça neste país de desencontros e aberrações onde vagabundos exercem até presidência de CPIs e arrotam princípios éticos que nunca foram preservados por eles.

NOTAS INTRODUTÓRIAS

O processo penal é forma ética de realização da justiça, sendo também instrumento utilizado pelo Estado para a solução dos conflitos de interesses na seara penal e sobretudo, instrumento de proteção da sociedade no âmbito da explosão dos direitos das liberdades públicas. As normas processuais estão previstas no Código de Processo Penal e nas inúmeras leis extravagantes.

É bem verdade que diante da fórmula geral do artigo 5º, LIV, da Constituição da República de 1988, segundo o qual ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal, pode-se assegurar que em face de um direito fundamental deve o processo obedecer as normas de realização dentro de um sistema ético e civilizado, notadamente, durante a construção e obtenção das provas.

As provas nominadas estão definidas no artigo 155 a 250 do Código de processo Penal, dentre elas a prova testemunhal prevista no capítulo VI, do CPP, artigos 202 usque 225, e logo nos primeiros dispositivos a afirmação de que toda pessoa poderá ser testemunha, que fará, sob palavra de honra, a promessa de dizer a verdade do que souber e lhe for perguntado, devendo declarar seu nome, sua idade, seu estado e sua residência, sua profissão, lugar onde exerce sua atividade, se é parente, e em que grau, de alguma das partes, ou quais suas relações com qualquer delas, e relatar o que souber, explicando sempre as razões de sua ciência ou as circunstâncias pelas quais possa avaliar-se de sua credibilidade.

A experiência nos mostra que testemunhas de crimes violentos como homicídio, roubo, estupro, extorsão mediante sequestro, além de outros, são geralmente ameaçadas pelos autores dos crimes, em especial, nos delitos cometidos por organizações criminosas, por exemplo, nas quadrilhas organizadas para o comércio de drogas.

Diante deste quadro real de ameaças de morte, o legislador pátrio publicou em 14 de julho de 1999, a Lei nº 9.807, estabelece normas para a organização e a manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas, institui o Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas e dispõe sobre a proteção de acusados ou condenados que tenham voluntariamente prestado efetiva colaboração à investigação policial e ao processo criminal.

A referida norma assegura proteção e preservação da identidade, imagem e dados pessoais das testemunhas ameaças.

Entrementes, o artigo 5º, inciso X, da Constituição da República assevera como direito fundamental, a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

Lado outro, é por demais sabido que a prova é tudo aquilo que garante êxito numa condenação penal, sendo sua construção e preservação objeto de preocupação dos profissionais de direito, sem sombra de dúvidas ferramenta de promoção de justiça,

Diante desta previsão legal seria possível afirmar que a figura da testemunha sem rosto é prevista na legislação processual brasileira?

1. DOS MEIOS DE PROVA NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO

O Código de Processo Penal, Decreto-Lei nº 3.686, de 03 de outubro de 1941, Livro I, Título VII, destinado as provas. 

São as chamadas provas nominadas, definidas a partir do Capítulo I, do CPP, a saber:

I – DO EXAME DO CORPO DE DELITO, E DAS PERÍCIAS EM GERAL

II – DO INTERROGATÓRIO DO ACUSADO

III – DA CONFISSÃO

IV – DO OFENDIDO

V – DAS TESTEMUNHAS

VI – DO RECONHECIMENTO DE PESSOAS E COISAS

VII – DA ACAREAÇÃO

VIII – DOS DOCUMENTOS

IX – DOS INDÍCIOS

X – DA BUSCA E DA APREENSÃO.

Em face da restrição contextual, abordaremos a obtenção da prova testemunhal, onde o Código de Processo Penal reservou o capítulo VI do Título VII, artigos 202 a 225, CPP.

Considerando o tema proposto neste perfunctório ensaio, testemunha sem rosto na legislação penal brasileira, torna-se importante a citação de dois dispositivos, o artigo 214 do Código de Processo Penal, que deflui medidas de rechaçamento onde as partes poderão contraditar as testemunhas.

Destarte, consoante o CPP, antes de iniciado o depoimento, as partes poderão contraditar a testemunha ou arguir circunstâncias ou defeitos, que a tornem suspeita de parcialidade, ou indigna de fé.

O juiz fará consignar a contradita ou arguição e a resposta da testemunha, mas só excluirá a testemunha ou não lhe deferirá compromisso nos casos previstos em nos artigos 207 e 208 do CPP.

Outro dispositivo relevante é o artigo 217 do CPP, segundo o qual, se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação, temor, ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do depoimento, fará a inquirição por videoconferência e, somente na impossibilidade dessa forma, determinará a retirada do réu, prosseguindo na inquirição, com a presença do seu defensor. 

2. A LEI DE PROTEÇÃO DE TESTEMUNHA NO BRASIL

Em vigor no Brasil desde 14 de julho de 1999, a Lei nº 9.807, conhecida por lei de proteção das testemunhas.

É certo que em casos determinados, a lei protege também as vítimas e os acusados ou condenados que tenham voluntariamente prestado efetiva colaboração à investigação policial e ao processo criminal, artigo 15 da Lei de Proteção a testemunha.

As medidas de proteção requeridas por vítimas ou por testemunhas de crimes que estejam coagidas ou expostas a grave ameaça em razão de colaborarem com a investigação ou processo criminal serão prestadas pela União, pelos Estados e pelo Distrito Federal, no âmbito das respectivas competências, na forma de programas especiais organizados com base nas disposições da lei em apreço.

A lei de proteção determina que a solicitação objetivando ingresso no programa poderá ser encaminhada ao órgão executor, pelo interessado, por representante do Ministério Público, pela autoridade policial que conduz a investigação criminal, pelo juiz competente para a instrução do processo criminal ou por órgãos públicos e entidades com atribuições de defesa dos direitos humanos.

Em caso de urgência e levando em consideração a procedência, gravidade e a iminência da coação ou ameaça, a vítima ou testemunha poderá ser colocada provisoriamente sob a custódia de órgão policial, pelo órgão executor, no aguardo de decisão do conselho deliberativo, com comunicação imediata a seus membros e ao Ministério Público.

Os programas compreendem, dentre outras, as seguintes medidas, aplicáveis isolada ou cumulativamente em benefício da pessoa protegida, segundo a gravidade e as circunstâncias de cada caso:

I – segurança na residência, incluindo o controle de telecomunicações;

II – escolta e segurança nos deslocamentos da residência, inclusive para fins de trabalho ou para a prestação de depoimentos;

III – transferência de residência ou acomodação provisória em local compatível com a proteção;

IV – preservação da identidade, imagem e dados pessoais;

V – ajuda financeira mensal para prover as despesas necessárias à subsistência individual ou familiar, no caso de a pessoa protegida estar impossibilitada de desenvolver trabalho regular ou de inexistência de qualquer fonte de renda;

VI – suspensão temporária das atividades funcionais, sem prejuízo dos respectivos vencimentos ou vantagens, quando servidor público ou militar;

VII – apoio e assistência social, médica e psicológica;

VIII – sigilo em relação aos atos praticados em virtude da proteção concedida;

IX – apoio do órgão executor do programa para o cumprimento de obrigações civis e administrativas que exijam o comparecimento pessoal.

A ajuda financeira mensal terá um teto fixado pelo conselho deliberativo no início de cada exercício financeiro.

Em casos excepcionais e considerando as características e gravidade da coação ou ameaça, poderá o conselho deliberativo encaminhar requerimento da pessoa protegida ao juiz competente para registros públicos objetivando a alteração de nome completo.

3. AS MEDIDAS DA LEI ANTICRIME DO MINISTRO DA JUSTIÇA

Sabe-se que no início deste mês de fevereiro de 2019, o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, em coletiva de imprensa, apresentou à sociedade brasileira um pacote de medidas destinadas a estancar a criminalidade no país, em especial, no incisivo combate à criminalidade organizada, ao crime de corrupção e aos crimes violentos.

O pacote de bondade social modificou inúmeras leiais no Brasil, nascendo assim, a Lei nº 13.964 de 24 de dezembro de 2019.que aperfeiçoa a legislação penal e processual.

As medidas em geral não aumentam penas para criminosos, mas restringem a concessão de benefícios processuais, introduzindo, regras rígidas de progressão de regime de cumprimento de pena, proibição da progressão para alguns crimes, execução de pena em casos de condenação em 2ª Instância, otimização nos julgamentos dos crime de competência do Tribunal do Júri, ampliação dos casos de legítima defesa nos casos de conflitos armados com agentes de segurança pública, execução da pena de multa perante o juiz de execução penal, proibição de liberdade provisória para alguns casos, tipificação do crime de caixa dois, com inserção do artigo 350-A no Código Eleitoral, Lei nº 4.737/65, modificações de mais de uma dezena de leis especiais, além de tantas outras.

4. A FIGURA DA TESTEMUNHA SEM ROSTO NO PROCESSO PENAL

Analisando todo arcabouço legal brasileiro, desde o capítulo VI do Título VII, artigos 202 a 225, Código de Processo Penal, que diz respeito a obtenção da prova testemunhal, e a lei 9.807/99, que introduziu normas de proteção à testemunha percebe-se claramente que não há menção à figura da testemunha em rosto no Processo Penal brasileiro.

De igual forma, o pacote de medidas da Lei Anticrime do ministro Sérgio Moro, no campo das mudanças de aprimoramento das investigações criminais, também não previu acerca desta importante medida.

Assim, cabe à doutrina e as diversas decisões dos Tribunais Superiores de posicionarem sobre o importante tema.

Acerca da possibilidade ou não de se utilizar a figura da testemunha sem rosto, duas suas as posições antagônicas no direito pátrio.

A primeira posição é no sentido de admitir a testemunha sem rosto, nos depoimentos perante aos Tribunais, aquela que aparece nas audiências com rosto coberto para não ser identificada, levando-se em consideração a previsão legal da Lei nº 9.807/1999, artigo 7º, inciso IV, que prevê a “preservação da identidade, imagem e dados pessoais”.

Outra posição é no sentido que a defesa, no exercício do contraditório e ampla defesa, direito fundamental previsto no artigo 5º, inciso LV, da Constituição da República, assiste ao direito de conhecer a testemunha e inclusive contraditá-la no processo, a teor do artigo 217 do Código de Processo Penal.

5. PROCEDIMENTOS EXITOSOS EM MINAS GERAIS

Casos exitosos foram registrados na justiça brasileira na Comarca de Teófilo Otoni, Vale do Mucuri, em Minas Gerais, quando a Polícia Civil de Minas Gerais em meados dos anos 2000 desarticulou uma arrojada organização criminosa que praticava o comércio de drogas ilícitas e crimes de homicídios, além de ter instituído o Tribunal Sumário do Crime, ordenando a morte de rivais do crime organizado.

Em 2005, a cidade de Teófilo Otoni registrou 77 homicídios consumados, fatos registrados com requintes de crueldade, inclusive com a existência de cemitérios clandestinos para enterrar os asseclas rivais.

A população vivia sobressaltada, o medo e o terror preponderavam, logo de manhã, todo mundo já sintonizava os meios de comunicações para saber quem era a próxima vítima de homicídios. As taxas de homicídios por grupo de 100 mil habitantes giravam em torno de 54 eventos, levando pesquisadores de Universidades estudarem a criminalidade organizada na cidade, retratando o fenômeno em trabalhos de conclusão de cursos.

Autoridades policiais da época, com extremo profissionalismo, passaram a adotar métodos de investigação de repressão qualificada, busca da excelência na investigação policial, utilização de meios tecnológicos, produção de provas a luz da legislação em vigor, como por exemplo, ouviam as testemunhas-chave em cartório na presença de advogados, com o rosto encoberto, com omissão de dados de qualificação nos termos de depoimento, dados esses que seguiam apensados ao Inquérito Policial, em envelopes selados, com representação por sigilo nas investigações.

No dia marcado para instrução e julgamento, a própria Polícia Judiciária conduzia as testemunhas à presença do juiz de direito, e nas sessões judiciárias, as testemunhas eram levadas com o rosto escondido com capuz ou balaclava de lã, o corpo coberto por uma beca, de forma que não havia condições de identificar nem mesmo o sexo da testemunha, prestavam os depoimentos, detalhavam o enredo criminoso e ao final da instrução criminal, a polícia conduzia de volta para casa ou para outros lugares fora da Comarca que somente a polícia tinha conhecimento do paradeiro destas testemunhas.

Na época a defesa tentou impugnar o procedimento adotado pelo sistema de justiça criminal, mas o Tribunal de Justiça confirmou a legalidade das medidas legais, e por isso, nos dias atuais o município registra índices de homicídios abaixo do aceitável e recomendado pela ONU, sendo registrados em 2018 no município 8.5 homicídios por grupo de 100 mil habitantes.

6. DECISÕES DE TRIBUNAIS SUPERIORES E CORREGEDORIAS

As decisões dos Tribunais Superiores e das Corregedorias acerca da possibilidade ou não da figura da testemunha sem rosto são conflitantes, a saber:

A Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo editou o Provimento nº 32 no ano 2000, que trata do Programa de Proteção às vítimas e testemunhas. Segundo o mencionado Provimento,

“quando as vítimas ou testemunhas reclamarem de coação ou grave ameaça, em decorrência de depoimentos que devam prestar ou tenham prestado, Juízes de Direito e Delegados de Polícia estão autorizados a proceder conforme dispõe o presente provimento” (art. 2º).

O PROVIMENTO Nº 32/2000 tem por objetivo o aperfeiçoamento e eficácia da investigação policial e do processo criminal.

Assim, considerando que a segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas.

Considerando que a lei determina a adoção de medidas de proteção às vítimas e testemunhas, especialmente aquelas expostas a grave ameaça ou que estejam coagidas em razão de colaborarem com investigação ou processo criminal;

Considerando que a lei restringe a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem…

RESOLVE:

Artigo 1º – Aplicam-se às disposições deste provimento aos inquéritos e processos em que os réus são acusados de crimes dentre aqueles discriminados no artigo 1º, inciso III, da Lei Federal nº 7.960, de 21 de dezembro de 1989.

Artigo 2º – Quando vítimas ou testemunhas reclamarem de coação, ou grave ameaça, em decorrência de depoimentos que devam prestar ou tenham prestado, Juízes de Direito e Delegados de Polícia estão autorizados a proceder conforme dispõe o presente provimento.

Artigo 3º – As vítimas ou testemunhas coagidas ou submetidas a grave ameaça, em assim desejando, não terão quaisquer de seus endereços e dados de qualificação lançados nos termos de seus depoimentos. Aqueles ficarão anotados em impresso distinto, remetido pela Autoridade Policial ao Juiz competente juntamente com os autos do inquérito após edição do relatório. No Ofício de Justiça, será arquivada a comunicação em pasta própria, autuada com, no máximo, duzentas folhas, numeradas, sob responsabilidade do Escrivão.

Artigo 4º – Na capa do feito serão lançadas duas tarjas vermelhas, que identificam tratar-se de processo onde vítimas ou testemunhas postularam o sigilo de seus dados e endereços, consignando-se, ainda, os indicadores da pasta onde depositados os dados reservados.

Artigo 5º – O acesso à pasta fica garantido ao Ministério Público e ao Defensor constituído ou nomeado nos autos, com controle de vistas, feito pelo Escrivão, declinando data.

Artigo 6º O mandado de intimação de vítima ou testemunha, que reclame tais providências, será feito em separado, individualizado, de modo que os demais convocados para depoimentos não tenham acesso aos seus dados pessoais. Parágrafo único – Após cumprimento, apenas será juntada aos autos a correspondente certidão do Oficial de Justiça, sem identificação dos endereços, enquanto o original do mandado será destruído pelo Escrivão.

Artigo 7º – Ficam inseridas nas redações dos tópicos 15, 47 e 181 do capítulo V do tomo I das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça os itens:

I – “15. – DUAS TARJAS VERMELHAS: processo em que vítima ou testemunha pede para não ter identificados seus endereços e dados de qualificações”;

II – “47.1 – Os mandados de intimação de vítimas ou testemunhas, quando estas derem conta de coação ou grave ameaça, após deferimento do Juiz, serão elaborados em separado, individualizados”;

III – “47.2 – Uma vez cumpridos, apenas serão juntadas aos autos as certidões do Oficial de Justiça, nelas não sendo consignados os endereços e dados das pessoas procuradas. Os originais dos mandados serão destruídos pelo Escrivão”;

IV – “181.1 – Os dados pessoais, em especial os endereços de vítimas e testemunhas, que tiverem reclamado de coação ou grave ameaça em decorrência de depoimentos que tenham prestado ou devam prestar no curso do inquérito ou do processo, após o deferimento da autoridade competente, devem ser anotados em separado, fora dos autos, arquivados sob a guarda do Escrivão do correspondente Ofício de Justiça, com acesso exclusivo aos Juízes de Direito, Promotores de Justiça e Advogados constituídos ou nomeados nos respectivos autos, com controle de vistas”.

V – “181.2 – Na capa dos autos serão lançadas duas tarjas vermelhas, apontando tratar-se de processo onde vítimas ou testemunhas postularam o sigilo de seus endereços, bem como, consignando-se os dados identificadores da pasta onde foram depositados os dados reservados”.

VI – “181.3 – As pastas terão, no máximo, duzentas folhas, serão numeradas e, após o encerramento, lacradas e arquivadas”.

Artigo 8º – O presente provimento entrará em vigor na data de sua publicação. Publique-se. São Paulo, 24 de outubro de 2000. (a) Luís de Macedo Corregedor Geral da Justiça

Existe o Provimento nº 14/2003 da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de Santa Catarina. Segundo o artigo 2º do provimento,

“os dados pessoais da vítima e/ou da testemunha deverão ser anotados em documentos distintos dos de seus depoimentos e depositados em pasta própria, sob a guarda do Escrivão Policial ou Judicial, no âmbito de suas atribuições”.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nos autos de habeas corpus n. 454.823-3/3, de relatoria do Desembargador Raul Motta, reconheceu a nulidade ocorrida em ação penal devido a interpretação equivocada do Provimento n. 32 da Corregedoria Geral de Justiça do mesmo estado.

“é direito do réu saber o nome das testemunhas de acusação, tanto que o artigo 187, §2º, V do CPP impõe que o juiz dele indague se as conhece e se tem o que alegar contra elas” (TJSP – 1ª CC – HC 454.823-3/3 – rel. Raul Motta – j. 12.04.2004 – acórdão n. 688457).

O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, ao tratar sobre o Provimento do Estado de São Paulo, aceitou o testemunho anônimo desde que os dados de qualificação, arquivados em apartado com acesso restrito, fiquem disponíveis ao magistrado, acusação e defesa (STF – 2a T – HC 112811 – rel. Min. Cármen Lúcia – j. 25/06/2013 – DJe 09/08/2013).

Em decisão recente, a 5a Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que apesar da necessidade de proteção à testemunha, o Provimento 14/2003 de Santa Catarina:

“não preservou inteiramente as garantias do devido processo legal, da ampla defesa, do contraditório, da publicidade dos atos processuais constitucionalmente previstas, porque não há qualquer previsão de acesso aos dados pessoais da testemunha pelo defensor do réu, elemento essencial para se viabilizar o direito de confronto, por meio da contradita” (STJ – 5a T. – HC 157997 – rel. Min. Ribeiro Dantas – j. 13/10/2015 – DJe 21/10/2015).

Em decisão de HABEAS CORPUS 124.614 SÃO PAULO, cujo relator do o ministro Celso de Melo, considera-se o enunciado da seguinte Ementa:

EMENTA: TESTEMUNHA “SEM ROSTO” (Lei nº 9.807/99, art. 7º, n. IV, c/c o Provimento CGJ/SP nº 32/2000). PRESERVAÇÃO DA IDENTIDADE, IMAGEM E DADOS PESSOAIS REFERENTES À TESTEMUNHA PROTEGIDA. POSSIBILIDADE, CONTUDO, DE PLENO E INTEGRAL ACESSO DO ADVOGADO DO RÉU À PASTA QUE CONTÉM OS DADOS RESERVADOS E PERTINENTES A MENCIONADA TESTEMUNHA. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO DIREITO DO RÉU À AUTODEFESA, EMBORA ASSEGURADO O RESPEITO À SUA DEFESA TÉCNICA. CARÁTER GLOBAL E ABRANGENTE DA FUNÇÃO DEFENSIVA: DEFESA TÉCNICA E AUTODEFESA. PRETENDIDA TRANSGRESSÃO À PRERROGATIVA CONSTITUCIONAL DA PLENITUDE DE DEFESA. POSIÇÃO PESSOAL DO RELATOR (MINISTRO CELSO DE MELLO) FAVORÁVEL À TESE DA IMPETRAÇÃO. ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL DE AMBAS AS TURMAS DO SUPREMO TRIBUNAL Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil. O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 6927814. HC 124614 MC / SP FEDERAL QUE SE FIRMOU EM SENTIDO CONTRÁRIO A TAL ENTENDIMENTO. PRECEDENTES. OBSERVÂNCIA, PELO RELATOR, DO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. MEDIDA CAUTELAR INDEFERIDA.

“’HABEAS CORPUS’. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. NULIDADE DO INTERROGATÓRIO. SIGILO NA QUALIFICAÇÃO DE TESTEMUNHA. PROGRAMA DE PROTEÇÃO À TESTEMUNHA. PROVIMENTO N. 32/2000 DA CORREGEDORIA DO HC 124614 MC / SP TRIBUNAL DE JUSTIÇA PAULISTA. ACESSO RESTRITO À INFORMAÇÃO. NULIDADE INEXISTENTE. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DE FATO EM ‘HABEAS CORPUS’. ORDEM DENEGADA. 1. Não se comprova, nos autos, a presença de constrangimento ilegal a ferir direito dos Pacientes, nem ilegalidade ou abuso de poder a ensejar a concessão da presente ordem de ‘habeas corpus’. 2. Não há falar em nulidade da prova ou do processo-crime devido ao sigilo das informações sobre a qualificação de uma das testemunhas arroladas na denúncia, notadamente quando a ação penal omite o nome de uma testemunha presencial dos crimes que, temendo represálias, foi protegida pelo sigilo, tendo sua qualificação anotada fora dos autos, com acesso exclusivo ao magistrado, à acusação e à defesa. Precedentes. 3. O ‘habeas corpus’ não é instrumento processual adequado para análise da prova, para o reexame do material probatório produzido, para a reapreciação da matéria de fato e também para a revalorização dos elementos instrutórios coligidos no processo penal de conhecimento. Precedentes. 4. Ordem denegada.” (HC 112.811/SP, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – grifei) Embora respeitosamente dissentindo dessa diretriz jurisprudencial, devo ajustar o meu entendimento a essa orientação, em respeito ao princípio da colegialidade, motivo pelo qual, em atenção à posição dominante na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, indefiro o pedido de medida liminar, sem prejuízo, contudo, de ulterior reapreciação da matéria quando do julgamento final do presente “writ” constitucional.

Em vigor no Estado de Minas Gerais a RESOLUÇÃO CONJUNTA Nº 185 de 03 de abril de 2014. Regulamenta as medidas de proteção às vítimas, informantes e testemunhas que sofrerem coação ou grave ameaça em razão de colaboração em investigação ou processo criminal.

“(…) CONSIDERANDO que a segurança pública c dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas;

CONSIDERANDO que a lei determina a adoção de medidas de proteção às vítimas e testemunhas, especialmente aquelas expostas a grave ameaça ou que estejam coagidas em razão de colaborarem com investigação ou processo criminal;

CONSIDERANDO que a lei restringe a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem;

RESOLVEM:

Art. 1° O Juiz de Direito, o Promotor de Justiça e a Autoridade Policial, Civil e Militar, no uso de suas competências, estão autorizados a proceder de acordo com esta Resolução Conjunta quando vítimas, informantes ou testemunhas sofrerem coação ou grave ameaça, ou quando houver, em relação a essas pessoas, qualquer indício de risco resultante de declarações, informações ou depoimentos formalmente prestados ou que venham a prestar, em investigação ou processo criminal.

Art. 2°. As vítimas, informantes ou testemunhas coagidas ou submetidas a grave ameaça não terão quaisquer de seus endereços e dados qualificativos lançados nos termos de declarações, informações ou depoimentos, nem tampouco nos autos que tramitarão na Justiça e na Administração Pública, os quais serão apenas rubricados por elas.

§1°. As declarações, informações ou depoimentos colhidos de vítimas, informantes ou testemunhas serão impressos cm duas vias. Na primeira via constará o endereço e os dados qualificativos, com as respectivas assinaturas, e será arquivada em pasta própria, sob a guarda e responsabilidade do Escrivão Policial ou Judicial, no âmbito de suas atribuições, e pelo servidor indicado pela autoridade competente pelo procedimento criminal, nas demais instituições. A segunda via será elaborada na forma do caput deste artigo.

§2°. Na capa do feito, serão afixadas duas tarjas pretas indicativas de que se trata de Inquérito Policial, Procedimento ou Processo Criminal em que vítimas, informantes ou testemunhas postularam o sigilo quanto à preservação de dados qualificativos e endereços, o que será certificado pelo servidor referido no §1° deste artigo, na contracapa do feito.

§ 3°. A autoridade competente realizará as comunicações necessárias para impedir o acesso de terceiros às informações constantes no Registro de Evento de Defesa Social (REDS) referentes às vítimas, informantes e testemunhas de que trata esta Resolução Conjunta.

§ 4°. A autoridade competente providenciará o desentranhamento do REDS original, nos termos do § 1° deste artigo, c cópia do REDS que será juntada aos autos, sem nenhuma identificação da pessoa a ser preservada.

Art. 3°. O acesso às declarações, informações e depoimentos referidos no § 1° do art. 2°deste instrumento é garantido ao Ministério Público, ao Defensor Público nomeado, ao Defensor constituído e ao Curador, com controle de vistas, certificadas pelo Escrivão na data do ato, sendo vedada a extração de cópia reprográfica.

Art. 4°. Os mandados de intimação, notificação e requisição das pessoas mencionadas nesta Resolução Conjunta serão expedidos individual e sigilosamente. Sendo destacados com as tarjas pretas a que se refere o § 2° do art. 2° deste instrumento.

Parágrafo Único – Após o cumprimento do mandado, será juntada aos autos apenas a correspondente certidão lavrada pelo encarregado de seu cumprimento, sem identificação de endereços, entregando o original do mandado e/ou requisição cumprida ao servidor referido no §1° do artigo 2°, que o arquivará na pasta própria, juntamente com os dados pessoais da vítima, informante ou testemunha.

Art. 5°. Os deslocamentos de vítimas, informantes ou testemunhas para o cumprimento de atos decorrentes da investigação ou do processo criminal, assim como para compromissos que impliquem exposição pública, serão precedidos das providências necessárias à proteção, incluindo, conforme o caso, escolta policial, uso de colete à prova de balas, disfarces e outros artifícios capazes de dificultar sua identificação.

Art. 6°. O Corregedor-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais baixará recomendação aos magistrados com competência criminal para viabilizar a aplicação desta Resolução Conjunta. Art. 7°. Esta Resolução Conjunta entra em vigor na data de sua publicação. Belo Horizonte, 03 de abril de 2014 (…)”

DAS REFLEXÕES FINAIS

Após estudos levantados acerca da previsão ou não da testemunha sem rosto no processo penal brasileiro, pode-se afirmar que o Código de Processo Penal em seção destinada a obtenção da prova testemunha, artigo 202 e seguintes do CPP, não há previsão expressa para a adoção da preservação dos seus direitos de imagens e dados pessoais.

Existe tão somente um dispositivo no artigo 217 do CPP, que aduz se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação, temor, ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do depoimento, fará a inquirição por videoconferência e, somente na impossibilidade dessa forma, determinará a retirada do réu, prosseguindo na inquirição, com a presença do seu defensor.

A meu sentir, não basta tirar o réu na sala de audiência para levar segurança para quem presta depoimento. Existem casos, em que o réu paga caro para quem venha a desvendar a identidade da testemunha.

Noutro sentido a Lei de Proteção a testemunhas, vítimas, acusados ou condenados, Lei nº 9.807/99, em seu artigo 7º, inciso IV, determina a preservação da identidade, imagem e dados pessoais.

As decisões enfrentadas até aqui por nossos Tribunais Superiores, Resoluções Conjuntas e Provimentos de órgãos de persecução criminal apenas se esforçam para preservação da identidade e dados pessoas das testemunhas.

Entretanto, o direito à imagem das testemunhas ainda ninguém disciplinou a respeito.

Exemplo importante sobre ocultação da testemunha ou com distorção de sua voz, temos a Lei nº 93 de 14 de julho de 1999, de Portugal, em seu artigo 4º que aduz:

 1 – Oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, do arguido, do assistente ou da testemunha, o tribunal pode decidir que a prestação de declarações ou de depoimento que deva ter lugar em acto processual público ou sujeito a contraditório decorra com ocultação da imagem ou com distorção da voz, ou de ambas, de modo a evitar-se o reconhecimento da testemunha.

2 – A decisão deve fundar-se em factos ou circunstâncias que revelem intimidação ou elevado risco de intimidação da testemunha e mencionará o âmbito da ocultação da sua imagem ou distorção de voz.

Acredito, sinceramente, que no Brasil deveria existir legislação clara a esse respeito, a fim de possibilitar a preservação e ocultação da imagem das testemunhas nas investigações e processos criminais em casos mais complexos, a exemplo daquilo que ocorre nas legislações portuguesa e espanhola e fazer constar expressamente a existência do procedimento atinente à adoção da testemunha sem rosto premiada na Legislação brasileira, especialmente, para construção probatória, nos casos de crimes praticados por organizações criminosas e cometidos por agentes públicos, cujas modificações e adaptações poderiam ser levadas à efeito na própria Lei de Proteção à testemunha, Lei nº 9.807/99, adotando-se o mesmo sistema exitoso criado pela Polícia Civil de Minas Gerais na Comarca de Teófilo Otoni-MG, por volta de 2005, tempos de ouro da Segurança Pública do Estado, onde o orgulho batia no peito e rasgava o coração para jorrar o sangue do patriotismo, conforme exposição meticulosa no item 6. deste ensaio jurídico, insofismavelmente uma medida de extraordinária importância para o fortalecimento da prova em atividades complexas com estrita e rigorosa obediência ao devido processo legal, a teor do artigo 5º, inciso LIV da Constituição da República de 1988.

Destarte, aguarda-se ansiosamente por algum parlamentar que tenha efetivo compromisso com a sociedade e com o sistema de justiça, sem implicações e envolvimento com tramoias, possa abraçar a ideia de apresentar um projeto de lei que crie a figura da testemunha sem rosto premiada para ajudar a proteger os bens da sociedade e recuperar o erário do povo, prendendo bandidos e fazendo justiça neste país de desencontros e aberrações onde vagabundos exercem até presidência de CPIs e arrotam princípios éticos que nunca foram preservados por eles.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GALVÃO. Danielle da Silva. O depoimento de testemunha anônima é válido no Processo Penal? Disponível em https://canalcienciascriminais.com.br/o-depoimento-de-testemunha-anonima-e-valido-no-processo-penal/. Acesso em 10 de fevereiro de 2019, às 12h48min.

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