Anuário 2021: retrato dos feminicídios no Brasil no ano pandêmico

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Juliana Lemes da Cruz.
Doutoranda em Política Social – UFF.
Pesquisadora GEPAF/UFVJM.
Coordenadora do Projeto MLV.
Contato: julianalemes@id.uff.br

O Anuário Brasileiro no ano pandêmico de Segurança Pública 2021 explicitou, mais uma vez, o quão importante são as informações que dão conta do percentual de crimes de feminicídio quantificados de forma qualificada a partir dos homicídios femininos. Estes, por sua vez, contemplam uma série de outras motivações, que não a violência doméstica ou discriminação/ menosprezo pela condição de sexo feminino, que tiveram por consequência a violência letal intencional de mulheres. Os dados fornecidos pelas secretarias de segurança pública dos estados da federação compilam informações das polícias civil, militar e federal, além de outras fontes oficiais associadas à área de segurança pública.

Em meio ao primeiro ano de enfrentamento da pandemia da Covid-19 – 2020, as informações revelaram que houve redução das notificações oficiais de crimes relacionados à violência contra meninas e mulheres, ao passo que, no mesmo período, houve acréscimo do número de Medidas Protetivas de Urgência deferidas pelos Tribunais de Justiça, se comparado ao ano anterior – 2019. Além disso, os chamados telefônicos de violência doméstica para a Polícia Militar, via 190 cresceram.

Vale lembrar que a legislação sobre o crime de feminicídio no Brasil é relativamente recente (2015). Sendo que, no âmbito das polícias e do sistema de justiça criminal como um todo, há entraves no que tange à interpretação do que deve ser considerado um feminicídio. É sabido que, embora haja a produção de dados em proporção importante, eles não são tratados de forma qualificada de modo a permitir a aproximação da realidade brasileira dos casos que decorrem de situações que envolvam o crime de feminicídio, uma vez que os estados da federação tratam essas informações de formas distintas.

Por meio do Anuário 2021 foi possível destacar alguns aspectos-chave para a compreensão do cenário atual dos crimes de feminicídio:

1) A proporção de homicídios femininos classificados como feminicídio varia entre estados – A média nacional dá conta de que 34,5% dos homicídios são qualificados como crimes de feminicídio. No entanto, alguns estados encontram-se bastante acima dessa média. Como exemplo, Mato Grosso (59,6%), Roraima (56,3%), e Santa Catarina (55,3%). Minas Gerais qualificou 51,7% dos homicídios femininos como feminicídio. Dentre os estados que menos qualificaram feminicídios estão: Ceará (8,2%), Rio Grande do Norte (17,3%) e Espírito Santo (20,3%). Essa oscilação percentual ocorre, de certa forma, em razão das diferenças de interpretação das instituições que alimentam os bancos de dados dos respectivos estados;

2) A maioria dos feminicídios no Brasil são feminicídios íntimos – Grande parte desse tipo de crime é cometido pelo parceiro íntimo da vítima, companheiro ou ex-companheiro. Em 2020, isso ocorreu em 81,5% dos casos;

3) As mulheres que mais são vitimadas por feminicídios têm/tinham entre 18 e 24 anos – Dentre as vítimas de diferentes faixas etárias, as negras assumiram a maior fatia dos crimes de feminicídio (61,8%). Nos demais crimes, elas chegam a representar 71% das vítimas.

4) O local da morte violenta foi a residência e ela aconteceu entre 18h e 24h – Mais da metade das vítimas sofreu a violência letal dentro de casa durante a noite.

5) O instrumento utilizado foi, principalmente, a arma branca – “Por ser um crime de ódio e perpetrado por alguém próximo, muitas vezes em casa e após uma série de outras violências, o autor utiliza-se do que encontra a frente para o feminicídio (p.99)”. Isso explica porque mais da metade desse tipo de crime (55%) ocorreu por meio de instrumentos diversos, dentre os quais “[…] facas, tesouras, canivetes, pedaços de madeira […]”. O Anuário reforça ainda que, neste ano, houve a escalada de acesso aos registros de posse de armas de fogo (100,6%) que alerta sobre sérios riscos de desfechos trágicos no que tange a esta modalidade de violência.

Referência: A violência contra meninas e mulheres no ano pandêmico. BUENO, Samira; ENBERGER, Marina B.; SOBRAL, Isabela. In: Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2021. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2021/07/6-a-violencia-contra-meninas-e-mulheres-no-ano-pandemico.pdf

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