Juliana Lemes da Cruz. Doutoranda em Política Social – UFF. Pesquisadora GEPAF/UFVJM. Coordenadora do Projeto MLV. Contato: julianalemes@id.uff.br
Aos 26 anos de idade Marília, cantora e compositora, mãe do Léo, de quase dois anos, faleceu em um acidente aéreo na tarde de 05 de novembro. Momentos antes do embarque, ela chegou a ligar de surpresa para alguns fãs. Estava animada com a retomada da sua agenda de shows presenciais. A aeronave em que a Marília e mais quatro pessoas estavam caiu na zona rural do município de Piedade de Caratinga – MG, bem próximo do destino de pouso. Sua morte prematura gerou grande repercussão e comoção no país e não apenas para os que gostavam do estilo sertanejo.
Tamanho lamento deve-se ao legado deixado por Marília Mendonça. Desde seu início de carreira como cantora trouxe por meio de suas composições, mensagens importantes e intensas sobre mulheres e para as mulheres. A cantora conseguiu reunir temas bastante presentes no universo feminino e que não eram tão enfatizados nas músicas cantadas por homens. Ela compôs a partir das próprias experiências sobre traição, desilusões amorosas, angústias, amor, desavenças conjugais, embriaguez feminina, conquistas amorosas, saudade, superação, amor próprio, autoestima, respeito, paixão, relacionamentos abusivos e aprendizado com os próprios erros.
Ela não trouxe apenas essa perspectiva de forma intensa, demonstrou mais. Até pouquíssimo tempo, Marília desafiava os padrões estéticos, considerada acima do peso, era vítima de comentários preconceituosos e gordofóbicos. Até após sua morte, essas manifestações não deram trégua. Foi julgada por críticos, como não boa o bastante para cantar. Apesar dos desafios associados também ao machismo, tornou-se o ícone do que se convencionou chamar de feminejo. A “rainha da sofrência” inspirou outras mulheres a protagonizarem o espaço sertanejo, historicamente dominado por homens.
Enfrentando os entraves impostos por este universo musical, posicionou-se de forma firme, altiva e destemida diante das opressões cotidianas. Marília foi a referência que conseguiu influenciar toda uma geração feminina e materializou em suas músicas, mensagens à sociedade sobre o quão violento e limitador pode ser a realidade para as mulheres. Cantando suas próprias experiências, mobilizou outras cantoras a se embrearem por este caminho e representou a esperança de fortalecimento da identidade feminina nos palcos do sertanejo, como iniciou, há décadas, a cantora Roberta Miranda. Uma mulher que abre caminho para outras mulheres precisa ser lembrada. Marília deixou mensagens de força e inspiração que permaneceram vivas por meio de suas músicas. Foi um exemplo, mesmo que breve, e intenso. (Imagem: Marília Mendonça no programa Lady Night – 2018).
