Novíssima Lei cria o crime de estelionato de ativos virtuais

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Jeferson Botelho Pereira – Professor de Direito Penal e
Processo Penal. Especialização em Combate à corrupção,
Antiterrorismo e combate ao crime organizado pela
Universidade de Salamanca – Espanha. Mestrando em
Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES.
Advogado e autor de obras jurídicas. Palestrante.

A vida, sem dúvidas é um processo dinâmico, evolutivo, é muito mais rica que a previsibilidade normativa. Viver em sociedade é um risco permanente, o ser humano é sagaz e interesseiro, portanto, viver exige-se cuidado e zelo, atenção e discernimento, de maneira que as relações intersubjetivas devam ser asseguradas minimamente pelo complexo sistema jurídico, tendente a se viver numa sociedade eticamente justa e equânime.

RESUMO. O presente texto tem por finalidade precípua analisar sem efeitos exaurientes a novíssima Lei nº 14.478, de 2022, que dispõe sobre diretrizes a serem observadas na prestação de serviços de ativos virtuais e na regulamentação das prestadoras de serviços de ativos virtuais; altera o Código Penal, para prever o crime de fraude com a utilização de ativos virtuais, valores mobiliários ou ativos financeiros; e altera a Lei nº 7.492, de 16 de junho de 1986, que define crimes contra o sistema financeiro nacional, e a Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998, que dispõe sobre lavagem de dinheiro, para incluir as prestadoras de serviços de ativos virtuais no rol de suas disposições.

Publicada hoje, 22 de dezembro de 2022, a novíssima Lei nº 14.478/2022, que trata de algumas matérias importantes no país, dentre elas, cria um novo crime no Código Penal: estelionato envolvendo ativos virtuais ou valores mobiliários. A nova lei tem um prazo de 180 dias de vacatio legis para entrada em vigor.

Destarte, o novo comando normativo traz o marco legal para o setor de criptoativos. Como o presidente da República não se manifestou sobre o projeto, ocorreu a sanção tácita, ou seja, considera-se que o presidente aprovou o projeto, sem vetos.

A novíssima lei dispõe sobre diretrizes a serem observadas na prestação de serviços de ativos virtuais e na regulamentação das prestadoras de serviços de ativos virtuais.

As prestadoras de serviços de ativos virtuais somente poderão funcionar no País mediante prévia autorização de órgão ou entidade da Administração Pública federal. Para os efeitos da Lei, considera-se ativo virtual a representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizada para realização de pagamentos ou com propósito de investimento, não incluídos:

I – moeda nacional e moedas estrangeiras;

II – moeda eletrônica, nos termos da Lei nº 12.865, de 9 de outubro de 2013;

III – instrumentos que provejam ao seu titular acesso a produtos ou serviços especificados ou a benefício proveniente desses produtos ou serviços, a exemplo de pontos e recompensas de programas de fidelidade; e

IV – representações de ativos cuja emissão, escrituração, negociação ou liquidação esteja prevista em lei ou regulamento, a exemplo de valores mobiliários e de ativos financeiros.

A determinação da lei em apreço é que o Poder Executivo determine o órgão que fará a regulação do mercado cripto.

Os agentes do setor projetam que as atribuições serão divididas entre o Banco Central (BC) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

A norma estabelece diretrizes gerais para a prestação de serviços de ativos virtuais. Traz detalhamentos sobre crimes de fraude com a utilização de ativos virtuais, valores mobiliários ou ativos financeiros e altera a lei que dispõe sobre lavagem de dinheiro.

A modificação de maior impacto é a nova figura criminosa denominada fraude com a utilização de ativos virtuais, valores mobiliários ou ativos financeiros, inserida no artigo 171-A do Código Penal Brasileiro, in verbis:

Art. 171-A. Organizar, gerir, ofertar ou distribuir carteiras ou intermediar operações que envolvam ativos virtuais, valores mobiliários ou quaisquer ativos financeiros com o fim de obter vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento.

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

A lei ainda institui o § 4º, no artigo 1º da Lei de lavagem de dinheiro, para prever que a pena será aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se os crimes definidos nesta Lei forem cometidos de forma reiterada, por intermédio de organização criminosa ou por meio da utilização de ativo virtual.

Analisando de forma perfunctória o preceito penal introduzido pelo artigo 171-A do CP, percebe-se, claramente, que trata-se de crime de ação múltipla ou conteúdo misto alternativo, formado por 05(cinco) verbos nucleares, ou seja, organizar, gerir, ofertar ou distribuir carteiras ou intermediar operações que envolvam ativos virtuais, valores mobiliários ou quaisquer ativos financeiros com o fim de obter vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento.

A pena é de reclusão de 04 a 08 anos, além da multa. Portanto, não cabe arbitramento de fiança durante o flagrante na Unidade Policial pela Autoridade Policial, nem tampouco suspensão condicional do processo. Aqui não há lugar para aplicação da Lei 9.099, de 95.

Outrossim, não há cabimento do Acordo de não persecução penal, a teor do artigo 28-A do Código de Processo Penal, considerando que a pena mínima não é inferior a 04 anos.

Pode-se afirmar que o novo crime é unissubjetivo, plurissubsistente, cabe tentativa, crime material, se consumando com a causação do prejuízo alheio, presente o dolo específico, com o fim de obter vantagem ilícita, em prejuízo alheio.

A sociedade evolui numa velocidade assustadora, uma rapidez incrível, num piscar de olhos tudo se transforma, o raio passa e a vida muda, um processo de mutação acelerado, sendo certo que com ela deve a ciência jurídica se adaptar a essas profundas mudanças, de forma que as relações sociais sejam sólidas e marcadas pela segurança jurídica.

A vida, sem dúvidas é um processo dinâmico, evolutivo, é muito mais rica que a previsibilidade normativa. Viver em sociedade é um risco permanente, o ser humano é sagaz e interesseiro, portanto, viver exige-se cuidado e zelo, atenção e discernimento, de maneira que as relações intersubjetivas devam ser asseguradas minimamente pelo complexo sistema jurídico, tendente a se viver numa sociedade eticamente justa e equânime.

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