Dia 28 de janeiro, é a data escolhida para lembrar o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo. Essa data foi estabelecida no Brasil em homenagem aos mortos na chacina de Unaí. No dia 28 de janeiro de 2004, os auditores-fiscais do Trabalho Nélson José da Silva, João Batista Soares Lage, Eratóstenes de Almeida Gonçalves e o motorista Aílton Pereira de Oliveira foram executados com tiros de fuzil durante uma fiscalização de rotina na zona rural de Unaí (MG).
Na época, um inquérito da Polícia Federal apontou que o crime foi motivado por multas que haviam sido aplicadas pelos auditores a dois fazendeiros locais, devido ao descumprimento de leis trabalhistas. Dezenove anos depois da chacina de Unaí, ambos foram condenados, mas ainda recorrem em liberdade. Desde 2009, a data passou a reafirmar a luta de trabalhadores, de organizações da sociedade civil e do poder público pela erradicação do trabalho escravo no Brasil.
De acordo com o artigo 149 do Código Penal, quatro elementos podem definir escravidão contemporânea no Brasil: trabalho forçado (que envolve cerceamento do direito de ir e vir), servidão por dívida (um cativeiro atrelado a dívidas, muitas vezes fraudulentas), condições degradantes (trabalho que nega a dignidade humana) ou jornada exaustiva (completo esgotamento do trabalhador devido à intensidade da exploração, colocando em risco a saúde e a vida).
Quando tomamos uma xícara de café, nem sempre paramos pra pensar que essa bebida tradicional e saborosa pode ser produto de trabalho escravo. É o que demonstram as estatísticas recentes. Dados oficiais divulgados pelo Ministério do Trabalho e Emprego na terça-feira (24/01) apontam que o Brasil encontrou 2575 pessoas em situação análoga à de escravo em 2022. De acordo com as informações divulgadas nesta semana, Minas Gerais foi o estado com mais operações de combate ao trabalho escravo em 2022, com 117 empregadores fiscalizados e o maior número de resgatados: 1070.
Casos de trabalho em condição análoga à de escravo em fazendas de café são recorrentes na Justiça do Trabalho mineira. Acompanhe, a seguir, um caso recente julgado no TRT de Minas:
A Justiça do Trabalho determinou o pagamento de indenização por danos morais, no total de R$ 260 mil, aos 13 trabalhadores que foram localizados em condição análoga à de escravo na colheita de café em duas fazendas localizadas na zona rural das cidades de Machado e Paraguaçu, na região do Sul de Minas Gerais. A medida faz parte da ação coletiva movida pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Assalariados e Agricultores Familiares do Município de Machado e Carvalhópolis contra a empregadora. Para a desembargadora Maria Stela Álvares da Silva Campos, relatora do recurso na Nona Turma do TRT-MG, ficou demonstrado pelas provas dos autos o descumprimento de inúmeras obrigações trabalhistas.
A fiscalização foi realizada, entre 21/07/2020 a 20/08/2020, pela Superintendência Regional do Trabalho em Minas Gerais, em equipe composta por agentes fiscais do Ministério da Economia, procuradora e técnico do Ministério Público do Trabalho e agentes da Polícia Rodoviária Federal. Foi constatado que, em razão do ajuste por produção, os trabalhadores extrapolavam os horários regulares de trabalho e suprimiam o horário de intervalo.
Verificou-se ainda que os empregados realizavam as necessidades fisiológicas no mato e faziam as refeições sentados no cafezal, já que não havia abrigo, sanitários e água potável e filtro. Segundo a fiscalização, cabia a eles providenciar o próprio suprimento diário de água e o recipiente para acondicioná-la.
Ficou demonstrado também que era transferido aos trabalhadores o risco do negócio. Segundo os profissionais, o empregador não fornecia botina ou qualquer equipamento de proteção individual, como luvas, bonés e óculos. “E as ferramentas de trabalho foram adquiridas pelo empregador para posterior desconto ao término da safra”.
A força-tarefa não constatou o treinamento de segurança no trabalho e a disponibilização de um conjunto básico de materiais para o primeiro socorro adequado às atividades desenvolvidas no ambiente rural. Os integrantes da auditoria fiscal depararam ainda com alojamento inadequado, com estrutura que contribuía para o ingresso de poeiras, ventos frios e até animais peçonhentos. “A proximidade com o curral expunha os trabalhadores ao barulho dos animais e ao odor da urina e fezes, além do risco de exposição a agentes biológicos”.
Concluída a verificação da fiscalização, “o entendimento unânime foi o de que as condições presenciadas se amoldavam à tipificação legal prevista no artigo 149 do Código Penal, estando os trabalhadores assistidos reduzidos à condição análoga à de escravo, em razão das condições degradantes de trabalho e moradia”. Com as irregularidades constatadas na diligência pela equipe, foi realizada a lavratura de vários autos de infração.
A autoria da ação trabalhista foi do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Assalariados e Agricultores Familiares do Município de Machado e Carvalhópolis contra o empregador. O juízo da 1ª Vara do Trabalho de Alfenas julgou procedentes, em parte, os pedidos formulados, para condenar a contratante ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 20 mil para cada um dos substituídos, no total de 13 trabalhadores.
A empresária rural interpôs recurso, no qual não questionou os valores ou fundamentos da condenação ao pagamento de indenização por danos morais, mas apenas se disse “afrontada pela decisão que a impediu de comprovar o que realmente aconteceu no dia da fiscalização através de testemunhas e que não analisou as escrituras públicas declaratórias juntadas, tampouco deferiu seu pedido de ofício aos órgãos administrativos para informar os procedimentos atuais do inquérito civil”. Ela reiterou o pedido de cassação da sentença por cerceamento de defesa e ofensa a princípios elementares do direito, ou a reforma, para julgar improcedentes os pedidos feitos pelo sindicato.
Para a desembargadora relatora, o caso é de ausência de dialeticidade, sendo certo que a pena de confissão aplicada à empregadora foi confirmada na instância revisora e todas as questões resumidas foram analisadas e rejeitadas. “Tal como registrado no parecer ministerial, a empregadora não impugnou a condenação sofrida por impingir aos trabalhadores condições degradantes de trabalho, limitando-se a alegar suposto cerceamento de defesa”.
No entendimento da desembargadora, o extenso relatório apresentado veio acompanhado de inúmeros documentos, além de vários registros fotográficos ilustrando a situação fática das declarações prestadas pelos substituídos, dispensando, segundo ela, a produção de prova oral da forma como requerida pela empregadora. Por essas razões, a julgadora manteve a condenação imposta pelo juízo de primeiro grau de pagamento da indenização por danos morais para cada trabalhador. O processo foi remetido ao TST para julgamento de recurso de revista interposto pela empregadora. Processo: PJe: 0010582-88.2020.5.03.0086 (Fonte: TRT3/ Seção de Imprensa/ Foto: Sérgio Carvalho/MTE).