Repercussões legais no ordenamento jurídico brasileiro
RESUMO: Trata-se de ensaio jurídico com possível abrangência que tem por finalidade precípua analisar sem pretensão exauriente, as inúmeras questões sobre o uso de bebidas alcoólicas, bem assim, a embriaguez, com repercussões jurídicas em diversas passagens pelo ordenamento jurídico pátrio, seja na esfera penal, civil ou administrativamente.
Palavras-chave: Bebidas; álcool; embriaguez; repercussões; jurídicas; ordenamento; pátrio.
1. INTRODUÇÃO
O presente ensaio pretende discorrer sobre bebidas alcoólicas, drogas ilícitas, embriaguez e suas repercussões no ordenamento jurídico brasileiro. É certo que a regra geral é pela licitude na comercialização, uso e distribuição de bebidas alcoólicas no país, inclusive, como binômio de movimentação importante no fomento e aquecimento da economia brasileira, inclusive sendo comemorado o Dia Nacional da Cachaça, em 13 de dezembro, por decisão da rainha Luísa Maria Francisca de Gusmão, em 1661, que liberou a comercialização e produção da bebida no Brasil[1], e lado outro, uma abordagem nas sérias consequências precipuamente para o Direito Penal, e para a saúde pública.
É sabido que a bebida alcoólica é tema de letras de músicas, até de muito sucesso no Brasil. São letras que retratam frustrações no amor, perdas, paixões não correspondidas, entusiasmos na chamada do final de semana, e tantas outras emoções. Assim, o saudoso Reginaldo Rossi, já disparava:
“(….) Saiba que o meu grande amor
Hoje vai se casar
Mandou uma carta pra me avisar
Deixou em pedaços meu coração
E para matar a tristeza
Só mesa de bar
Quero tomar todas
Vou me embriagar
Se eu pegar no sono
Me deite no chão (…)”
[1] Saiba por que o dia 13 de setembro é o Dia Nacional da Cachaça. Disponível em agênciabrasil.ebc.com.br
O cantor mineiro Eduardo Costa, numa de suas letras, insiste em diferenciar o cachaceiro do consumidor, ensinando:
“(….) Dizem que eu sou cachaceiro
Cachaceiro eu não sou
Cachaceiro é quem fabrica a pinga
Eu sou só consumidor (…)”
Na vida há sempre uma tendência de lembrarmos das flores e das pétalas, do perfume que exala, do néctar, da leveza e da beleza. Tudo isso é muito bom, viver com intensidade, respeitar o ar da atmosfera, sentir o valor do calor humano. Apreciar a leveza do sol, o brilho lunar, os estilhaços das estrelas, o chilreio dos pássaros, a inocência dos animais, contemplar a beleza das ondas do mar, a força das correntezas dos rios, encantar com a beleza da Lagoa da Pampulha em Belo Horizonte, a majestosa pista de caminhada na Ilha dos Araújos em Governador Valadares, a encantadora fonte luminosa e musical da Praça Tiradentes em Teófilo Otoni, jorrando suas águas ao infinito, a praça da Jaboticaba em Contagem, e tantas outras belezas naturais que enchem nossos olhos de brilho. Mas diante de tudo isso, não se pode negar a existência dos espinhos da vida, a arrogância dos homens que somado ao uso imoderado do álcool pode conduzir a humanidade às sarjetas da ignorância.
E desta forma, na esfera penal o uso da bebida alcoólica com alteração da coordenação motora, a ponto de reduzir ou anular a capacidade de entendimento e discernimento pode levar a inúmeras consequências legais, a saber: repercussões na Lei das Contravenções Penais, no Estatuto da Criança e do Adolescente, as graves consequências previstas no Código de Trânsito Brasileiro, no Direito Penal Militar, na Lei sobre drogas, no Código Penal, a depender como circunstância genérica agravante, ora como causa de exclusão da imputabilidade, e ainda a temática da ingestão do álcool no Código Aeronáutico Brasileiro, repercussões no Estatuto do Índio e na CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, em vigor por meio do Decreto-Lei 5452, de 1º de maio de 1943.
Como se percebe, trata-se de tema de extrema relevância social e jurídica para a sociedade brasileira, onde o legislador fez constar em diversas previsões no ordenamento jurídico, com nefastas consequências penais, administrativas, para a saúde pública, as relações de trabalho, na proteção integral de crianças, adolescentes, povos originários, além de outras.
2. Bebidas alcoólicas na Lei das Contravenções Penais
A lei das Contravenções Penais, decreto-Lei nº 3.688, de 03 de outubro de 1941, no capítulo VII, destinado à polícia de costumes, em seus artigos 62 e 63, define duas importantes condutas contravencionais vinculadas às bebidas alcoólicas.
Assim, o comando normativo do artigo 62, consiste em apresentar-se publicamente em estado de embriaguez, de modo que cause escândalo ou ponha em perigo a segurança própria ou alheia, com pena de pena de prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa. Se habitual a embriaguez, o contraventor é internado em casa de custódia e tratamento.
Percebe-se aqui que a conduta deve ocorrer em lugar de público, onde o autor em razão de seu estado de embriaguez, provoque escândalo, por exemplo, com gritarias, algazarras, às vezes se despindo a ponto de deslocar a sua conduta para o ato obsceno, ou ainda em razão da embriaguez venha a colocar em risco concreto a sua própria segurança ou de terceiros.
Por sua vez, o artigo 63 da LCP prevê as condutas de servir bebidas alcoólicas a quem se acha em estado de ebriez, ou a pessoa que o agente sabe sofrer das faculdades mentais ou a pessoa que o agente sabe estar judicialmente proibida de frequentar lugares onde se consome bebida de tal natureza, prevendo pena de prisão simples, de dois meses a um ano, ou multa.
3. Bebidas alcoólicas no Estatuto da Criança e do Adolescente
Durante muito tempo o fato de servir bebidas alcoólicas a menor de 18 anos era considerada conduta contravencional prevista no artigo 63, I, até a entrada em vigor da lei nº 13.106, de 2015, que alterou o ECA, lei 8.069, de 90, e revogou o artigo 63, I, da LCP. Assim, servir bebidas alcoólicas atualmente é crime previsto no artigo 243 do ECA, que contém conduta humana mais abrangente.
Doravante, a conduta criminosa consiste em vender, fornecer, servir, ministrar ou entregar, ainda que gratuitamente, de qualquer forma, a criança ou a adolescente, bebida alcoólica ou, sem justa causa, outros produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica, com pena de detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa, se o fato não constitui crime mais grave.
Essa conduta de servir, fornecer, vender, ministrar ou entregar ainda que gratuitamente bebida alcoólica a criança ou adolescente, também configura infração administrativa prevista no artigo 81, II, agora com multa de R$ 3.000,00 (três mil reais) a R$ 10.000,00 (dez mil reais), além da medida Administrativa de interdição do estabelecimento comercial até o recolhimento da multa aplicada.
4. A embriaguez no Código de Trânsito Brasileiro
A embriaguez também pode ter sérias consequências previstas na Lei nº 9.503, de 97. Assim, o crime de trânsito previsto no artigo 306 consiste em conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência. A pena é de detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
No tocante à matéria provatória da embriaguez, essa poderá ser constatada pela concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar; ou sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora.
A verificação do estado de ebriez poderá ser obtida mediante teste de alcoolemia ou toxicológico, exame clínico, perícia, vídeo, prova testemunhal ou outros meios de prova em direito admitidos, observado o direito à contraprova. Os procedimentos adotados pelas autoridades de trânsito na fiscalização do consumo de álcool são definidos na Resolução nº 432, de 23 de janeiro de 2013, notadamente, na inteligência do seu artigo 3º, in verbis:
Art. 3º A confirmação da alteração da capacidade psicomotora em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência dar-se-á por meio de, pelo menos, um dos seguintes procedimentos a serem realizados no condutor de veículo automotor:
I – exame de sangue;
II – exames realizados por laboratórios especializados, indicados pelo órgão ou entidade de trânsito competente ou pela Polícia Judiciária, em caso de consumo de outras substâncias psicoativas que determinem dependência;
III – teste em aparelho destinado à medição do teor alcoólico no ar alveolar (etilômetro);
IV – verificação dos sinais que indiquem a alteração da capacidade psicomotora do condutor.
Os sinais de alteração da capacidade psicomotora poderão ser verificados por exame clínico com laudo conclusivo e firmado por médico perito ou constatação, pelo agente da Autoridade de Trânsito, dos sinais de alteração da capacidade psicomotora. Os sinais que devem ser observados pelo agente de trânsito dizem respeito, à sonolência, olhos vermelhos, vômito, soluços, desordem nas vestes, odor de álcool no hálito, agressividade, arrogância, exaltação, ironia, falante, dispersão, dificuldade no equilíbrio, fala alterada, além de outras características.
5. O crime de embriaguez no Código Penal Militar
A legislação castrense define os crimes praticados contra o serviço militar e dever militar. Assim, o artigo 202 do CPM, Decreto-Lei 1.001/69, define o crime de embriaguez em serviço, cuja conduta é embriagar-se o militar, quando em serviço, ou apresentar-se embriagado para prestá-lo, pena de detenção, de seis meses a dois anos.
6. A lei sobre Drogas e a embriaguez
Sobre a temática em testilha, a lei sobre drogas não define a embriaguez pelo uso de bebidas alcoólicas, mas pela ingestão de drogas ilícitas, definidas na Portaria 344, de 98, da Agência Nacional de Violência Sanitária – ANVISA. Nesse sentido, o artigo 39 da lei Nº 11.343, de 2006, define a conduta criminosa de conduzir embarcação ou aeronave após o consumo de drogas, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem.
A pena de detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, além da apreensão do veículo, cassação da habilitação respectiva ou proibição de obtê-la, pelo mesmo prazo da pena privativa de liberdade aplicada, e pagamento de 200 (duzentos) a 400 (quatrocentos) dias-multa.
7. A embriaguez no Código Penal Brasileiro
O Código Penal brasileiro em seu artigo 28 define que não excluem a imputabilidade penal a emoção ou a paixão e a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos análogos. De outro lado, a legislação do mineiro Hungria preceitua que é isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, por embriaguez, proveniente de caso fortuito ou força maior, não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Nesse mesmo sentido, a Lei sobre Drogas, 11.343, de 2006, estabelece nos artigos 45, 46 e 47 causas de exclusão da imputabilidade, a saber:
Art. 45. É isento de pena o agente que, em razão da dependência, ou sob o efeito, proveniente de caso fortuito ou força maior, de droga, era, ao tempo da ação ou da omissão, qualquer que tenha sido a infração penal praticada, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Parágrafo único. Quando absolver o agente, reconhecendo, por força pericial, que este apresentava, à época do fato previsto neste artigo, as condições referidas no caput deste artigo, poderá determinar o juiz, na sentença, o seu encaminhamento para tratamento médico adequado.
Art. 46. As penas podem ser reduzidas de um terço a dois terços se, por força das circunstâncias previstas no art. 45 desta Lei, o agente não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Art. 47. Na sentença condenatória, o juiz, com base em avaliação que ateste a necessidade de encaminhamento do agente para tratamento, realizada por profissional de saúde com competência específica na forma da lei, determinará que a tal se proceda, observado o disposto no art. 26 desta Lei.
8. Bebidas alcoólicas e o Estatuto do Índio
O Estatuto do Índio, Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973, define os crimes contra os índios. Assim, o artigo 58, inciso III, define os crimes contra os índios e cultura indígena, consistente na conduta de propiciar, por qualquer meio, a aquisição, o uso e a disseminação de bebidas alcoólicas, nos grupos tribais ou entre índios não integrados, pena de detenção de seis meses a dois anos. A pena é agravada de um terço, quando o crime for praticado por funcionário ou empregado do órgão de assistência ao índio.
9. A embriaguez como justa causa no Contrato de Trabalho
A CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, em vigor por meio do Decreto-Lei 5452, de 1º de maio de 1943, também elenca no artigo 482, alínea “f”, a embriaguez habitual ou em serviço como causa de imputação de justa causa, capaz de autorizar a rescisão do contrato de trabalho pelo empregador, a saber:
Art. 482 – Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:
f) embriaguez habitual ou em serviço.
REFLEXÕES FINAIS
O álcool tem a potencialidade de alterar a atividade biológica e psicomotora do homem. Sob efeito do álcool cada ser humano pode apresentar comportamentos diversos. Para alguns, após a ingestão, vem a inibição; outros, um comportamento extrovertido; é certo que o álcool pode alterar a sua capacidade de entendimento, aflorando a regressão ao tempo, alguns relembrando de amores perdidos, desilusões, quedas, frustrações, perdas, tudo em nome do passado, nada em nome de futuros desafios. Sob efeito do álcool o homem cria asas e ensaia voos longínquos, tudo é romantismo, a estrela brilha mais, a meiga senhorita do poeta é mais efervescente nos exórdios da noite de clima frio no Vale do Mucuri.
Inebriado pelo som da musicalidade romântica, vindo de Rodeiro, que solta estilhaços no céu de tua glória, de progresso e paz na sua história, de um belo sábado, no Alto do Iracema, nas colinas do Vale do Mucuri, eis que o poeta lírico que desperta ciúmes, amado e odiado, exaltado e criticado, se inspira como vaga-lume na escuridão da noite para clarear a ignorância dos chacais e imbecis, e convidar a todos para se unir a beleza do inverno e ao silêncio da noite, para aclamar moradia e aconchego, tudo em nome do amor desmedido que questiona sobre o silêncio e as luzes das estrelas, e o medo do fraco e a força da imaginação.
Internado numa comunidade terapêutica, restaurado, revigorado, agora curado da ebriez, eis que aparece com lucidez, para enxergar a luminosidade profunda do tempo, e afirmar que a obscuridade passou, a traição passou, a ilusão morreu, a falsa sensação de prazer esvaiu, agora tenho fé em Deus e na vida, um novo tempo se vislumbra para espantar a estupidez da inveja e do desejo de substituir a posição do outro.
Definitivamente, o caminho é mais leve, a atrocidade não existe mais, o assédio moral não existe mais, o constrangimento ficou bem distante, a arrogância passou, o narcisismo nojento ficou bem diante, os braços hão de ficar cruzados, em posições estáticas, cruéis e nojentas, senhores da tortura e da boçalidade, da frontal violação dos direitos humanos, nas trincheiras da eternidade, com sintomas de arbitrariedades, nojo de hipocrisias, de gente arrogante, esterco de hortaliças, larvas cadavéricas, curva de rio, dejetos atômicos, que se julgam superiores a todos, um lixo de humano, fétido, descartável, um mundo imundo de fantasias, de ilusões, um az da soberba, restos mortais de abutres famintos, e agora depois dos devaneios, volto ao mundo da realidade, para ilustrar o presente ensaio, do lente que pensa e tem equilíbrio de homem do bem e da razão, para expurgar as impurezas da mediocridade, da lagoa que não é santa, da nova lima de monstros sociais, de falsos atores, de enganadores, de vermes que sobrevivem de rótulos, de engodos, de falsos profetas.
Não de recomenda o uso de álcool, porque algumas revelações podem aparecer, sem filtros e sem censura. Assim, é melhor descrever as farras da vida sob o domínio da lucidez, isso porque a imundície deste mundo deve ser depositada nos canteiros dos resíduos sólidos, onde a sujeira social deve ficar nos campos dos descartes, sem gazes tóxicos capazes de contaminar a quem procura pautar sua conduta na ética e na honradez.
Voltando ao estado de lucidez, diga-se que conforme exposição antanho, a bebida alcoólica pode levar a pensamentos transcendentais, a ponto de retroceder ao tempo bem distante, mas o seu uso pode acarretar consequências imensuráveis, a ponto do seu uso causar escândalos, exposição de riscos próprios e alheios. Também aquele que sobrevive do comércio de bebidas não pode se valer de fatores econômicos para angariar riquezas a quem já esteja visivelmente embriagado, não podendo o comerciante, por exemplo servir bebidas alcoólicas a quem já esteja aparentemente bêbado, ou a quem apresente visíveis problemas de deficiência mental, podendo ser enquadrado nas iras do artigo 63, inciso III, da LCP.
Noutro sentido, o artigo 243 do ECA define a conduta criminosa de vender, fornecer, servir, ministrar ou entregar, ainda que gratuitamente, de qualquer forma, a criança ou a adolescente, bebida alcoólica ou, sem justa causa, outros produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica, com pena de detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa, se o fato não constitui crime mais grave.
Pela gravidade do fato, considerando que o Brasil adota a teoria da proteção integral em relação à criança e ao adolescente, o delito em tela não se admite suspensão condicional do processo, art. 89 da Lei nº 9.099/95, mas em caso de autuação em flagrante delito, a autoridade policial deverá, via de regra, arbitrar um valor da fiança, observando as normas do artigo 325 e seguintes do Código de Processo Penal.
Por sua vez, a Lei nº 9.503, de 97, que define os crimes de trânsito, traz em seu artigo 306 a conduta de conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência. A pena é de detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. Trata-se de delito de perigo abstrato, não se exigindo a potencialidade lesiva do comportamento do autor, conforme precedente do Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual “o crime de embriaguez ao volante é de perigo abstrato, não sendo necessária a demonstração da potencialidade lesiva da conduta ou a existência de dano efetivo à incolumidade de outrem” (HC 364.006/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 22/11/2016, DJe 25/11/2016).[2]
A legislação castrense define o crime de embriaguez em serviço. Assim, o artigo 202 do Código Penal Militar, define a conduta de embriagar-se o militar, quando em serviço, ou apresentar-se embriagado para prestá-lo, pena de detenção, de seis meses a dois anos.
Ainda sobre o tema em pauta, a Lei sobre drogas, Lei nº 11.343, de 2006, traz uma conduta semelhante, em seu artigo 39, definindo a conduta criminosa de conduzir embarcação ou aeronave após o consumo de drogas, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem.
[2] Ministério Público de Minas Gerais. Julgados Criminais organizados por assuntos. Página 122. Novembro de 2021.
A pena de detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, além da apreensão do veículo, cassação da habilitação respectiva ou proibição de obtê-la, pelo mesmo prazo da pena privativa de liberdade aplicada, e pagamento de 200 (duzentos) a 400 (quatrocentos) dias-multa.
Neste caso, não se pode fazer interpretação expansiva em sede de direito penal. A conduta se refere a drogas ilícitas, aquelas previstas na Portaria 344, de 12 de maio de 1998, da ANVISA.
Mas se o piloto conduz aeronave ou embarcação sob efeito de bebidas alcoólicas? Qual seria a conduta criminosa? No tocante a condução de embarcação sob influência de álcool, a tipicidade é prevista no artigo 34 da LCP, cuja conduta consiste em dirigir veículos na via pública, ou embarcações em águas públicas, pondo em perigo a segurança alheia, com pena de prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa.
Em se tratando de piloto que conduz aeronave sob influência de álcool, qual seria o enquadramento do comportamento do autor? Bem, antes de enfrentar a questão em testilha, é relevante frisar que a Lei nº 7565, de 19 de setembro de 1986, dispõe sobre o Código Brasileiro de Aeronáutica, e a partir do artigo 299 são definidas as infrações administrativas, cujas providências administrativas podem resultar em multa, suspensão de certificados, de licenças ou de autorizações, cassação de certificados, de licenças ou de autorizações e detenção, interdição ou apreensão de aeronave, ou do material transportado, a depender da gravidade da conduta.
A autoridade aeronáutica poderá requisitar o auxílio da força policial para obter a detenção dos presumidos infratores ou da aeronave que ponha em perigo a segurança pública, pessoas ou coisas, nos limites do que dispõe o Código Aeronáutico.
Toda vez que se verifique a ocorrência de infração prevista no referido Código ou na legislação complementar, a autoridade aeronáutica lavrará o respectivo auto, remetendo-o à autoridade ou ao órgão competente para a apuração, julgamento ou providência administrativa cabível. Quando a infração constituir crime, a autoridade levará, imediatamente, o fato ao conhecimento da autoridade policial ou judicial competente.
O artigo 302 do Código Aeronáutico define as infrações que podem ser aplicadas pena de multa, dentre as quais, aquelas infrações imputáveis a aeronautas e aeroviários ou operadores de aeronaves que venham operar a aeronave em estado de embriaguez, consoante inciso II, alínea q), artigo 302, do CA.
O piloto que conduz uma aeronave sob influência de álcool, a meu sentir, comete conduta gravíssima, pois atenta contra a incolumidade pública, por violar as normas de segurança dos meios de transportes e serviços públicos, podendo caracterizar o crime previsto no artigo 261 do Código Penal, consistente em expor a perigo embarcação ou aeronave, própria ou alheia, ou praticar qualquer ato tendente a impedir ou dificultar navegação marítima, fluvial ou aérea. A pena será de reclusão, de dois a cinco anos. É certo que essa conclusão pode chegar a uma incongruência, ou seja, o piloto que conduz aeronave sobre efeito de drogas ilícitas, como maconha ou cocaína responde pelo artigo 39 da Lei sobre Drogas, com pena de detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos. Se pilota aeronave sobre influência de álcool, o delito seria o previsto no artigo 261 do CP e a pena prevista é reclusão de dois a cinco anos.
O Código Penal comum também deu tratamento ao tema embriaguez em seu cerne, na dogmática do art. 28, que logo se incumbiu de estabelecer que a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos análogos não exclui a imputabilidade penal. De outro lado, a legislação do mineiro Hungria preceitua que é isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. O mesmo estatuto repressivo classifica a embriaguez preordenada como causa agravante na dogmática da aplicação da pena, consoante artigo 61, II, alínea l) do CP.
Na onda atual de proteção aos povos originários, imperioso é afirmar que os índios recebem tratamento especial por meio do Estatuto do Índio, Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973. Destarte, o artigo 58, inciso III, define os crimes contra os índios e cultura indígena, dentre as condutas típicas, tipifica a conduta de propiciar, por qualquer meio, a aquisição, o uso e a disseminação de bebidas alcoólicas, nos grupos tribais ou entre índios não integrados, pena de detenção de seis meses a dois anos. A pena é agravada de um terço, quando o crime for praticado por funcionário ou empregado do órgão de assistência ao índio.
Tema de relevância social é a embriaguez nas relações trabalhistas. Nesse sentido, a Consolidação das Leis do Trabalho, em vigor por meio do Decreto-Lei 5452, de 1º de maio de 1943, também elenca no artigo 482, alínea “f”, a embriaguez habitual ou em serviço como causa de imputação de justa causa, capaz de autorizar a rescisão do contrato de trabalho pelo empregador.
Por fim, enumeradas as diversas repercussões da bebida alcoólica no cenário jurídico, penal, civil e administrativamente, é possível afirmar que dificilmente se alcança a plenitude de toda previsão legal, dado a magnitude do tema. Aqui tão somente a apresentação de algumas balizas básicas sobre o inquietante tema, na certeza da mais profunda admiração social e compromisso comunitário para a contínua construção de uma sociedade melhor para se viver.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 01 de julho de 2023.
BRASIL. Lei das Contravenções Penais. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3688.htm. Acesso em 01 de julho de 2023.
BRASIL. Lei sobre Drogas. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm. Acesso em 01 de julho de 2023.
BRASIL. Código Penal. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em 01 de julho de 2023.
BRASIL. Código Penal Militar. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del1001.htm. Acesso em 01 de julho de 2023.
BRASIL. Estatuto da Criança e Adolescente. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em 01 de julho de 2023.
BRASIL. Estatuto do Índio. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6001.htm. Acesso em 01 de julho de 2023.
BRASIL. Código Aeronáutico Brasileiro. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7565compilado.htm. Acesso em 02 de julho de 2023.
COSTA. Eduardo. Cachaceiro. Disponível em https://www.letras.mus.br/eduardo-costa/1304109/. Acesso em 02 de julho de 2023.
ROSSI. Reginaldo. Garçom. Disponível em https://www.letras.mus.br/reginaldo-rossi/48346/. Acesso em 02 de julho de 2023.