Já passa das quatro da madrugada desta quarta-feira, dia 12 de Agosto. A hora passa por mim quase sem deixar nenhum vestígio, tão discreta como um padre ouvindo as confissões dos fiéis no confessionário. Quase todos dormem, agasalhados confortavelmente pelos repousantes desejos de seus inconscientes. Um silêncio quase total e absoluto domina inteiramente a casa. Pois é, todos dormem, menos eu, que permaneço insone com meus olhos de coruja arregalados diante da tela do computador. Afora isso, restam em mim todos os sonhos do mundo, todos os desejos que jamais concretizei, seja lá em Coroaci ou aqui em Teófilo Otoni. Ou porque não pude, não me foi possível por inúmeras razões e matizados motivos que nem mesmo valeria a pena enumerar em um inútil rol de omissões e de frustrações sem conta. Melhor guardá-los só para mim em algum recôndito vão das gavetas da memória deste matuto.
O telefone permanece em deliciosa mudez, pelo menos até agora. Confesso que, por ora, encontro-me mergulhado num profundo tédio. Não, de forma alguma posso afirmar que esteja dominado por um tédio da vida. Claro que, vez ou outra, o existir me parece tão tedioso quanto um longo discurso de político, um filme chato passando na TV, um jogo reprisado da seleção brasileira. Longe de mim sentir tédio da vida. Mais que sessentão não posso mais me dar a este luxo. Sentir tédio da existência é para os jovens, que ilusoriamente pensam já haverem vivido tudo, mas na verdade não viveram nada, porque o tempo conspira sempre a favor da juventude. Depois dos sessenta, quando se está do meio dia para a tarde, vê-se que o buraco é muito mais embaixo do que a gente costumava pensar.
É nesses momentos de noturna e incompartilhável solidão que me vem mais forte e mais intensa a vontade de escrever. Aliás, eu tenho que escrever, mesmo se não me der vontade. Apesar de tantos anos de cotidiana convivência, eu ainda não consegui dominar os vastos e incontáveis segredos da palavra. E nem seria verdadeiro dizer que não tentei. Os mistérios da palavra, que misturam o sagrado com o profano, permanecem os mesmos desde quando comecei a descobrir os seus insondáveis, indefiníveis caminhos. Ah, como queria eu ser o rei do palavreado e escrever, para mim, fosse uma tarefa mais fácil do que voar é para os pardais. Entanto, se voar é com os pardais, escrever deve ser comigo. Ou não será? A pergunta fica pairando no ar carente de respostas que não tenho para dar com toda a clareza do meu pensamento.
Escuto o bater violento da porta de um carro se fechando, depois partindo em alta velocidade pela rua Epaminondas Otoni afora. Pronto. Quebrada foi a calma da noite à minha revelia. A perturbação da ordem enfim parou. A noite voltou a ficar silenciosa e calma não sei até quando. A vida é singular, penso. E recomeço a dedilhar, sem pressa, as teclas do computador.
Aníbal Gonçalves é pedagogo, graduado em Administração Escolar, ex-diretor da Escola Estadual de Coroaci – MG [hoje Dona Sinhaninha Gonçalves] e professor de Filosofia, Sociologia e História da Educação. Foi chefe do Departamento de Educação Cooperativista da CLTO. Atualmente, jornalista e radialista da 98 FM (Teófilo Otoni).