Sobre participação e apartação

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Aníbal Gonçalves – Pedagogo

Neste último sábado, ao elaborar o programa “Aníbal Gonçalves” (98 FM, aos domingos, das 8 às 10 da manhã), andei matutando sobre a possibilidade de mudar-me de Teófilo Otoni para outras plagas porque aqui já não nos oferece mais qualidade de vida, tamanho o descaso dos gestores públicos e das ditas “otoridades”, coniventes com uma poluição sonora em altíssimos decibéis, dentre outros males que assolam a saúde pública local. A bem da verdade verdadeira tô sendo tangido tal qual boi na antiga estrada de Araçuaí à Coroaci. Primeiro vamos de caminhão… depois é casco no chão. Isso lá pelos idos da década de 80.

Digo isso e assim porque neste momento me sinto meio apartado, dissociado dos bons prazeres, das boas amizades. É só ferro no fogo e quase nada mais…

Não sou apenas queixume, mas também avalio…

Hoje, neste século XXI, estamos vivendo, creio piamente, imersos em uma sociedade da dissociação.

A lógica destrutiva da expansão do capital não conhece limites, atinge o mundo do trabalho, o mundo da vida e a vida do mundo. É uma “civilização” que, com cínica indiferença, transforma uma parte considerável da população em coisa supérflua que tenta manter-se sem uma rede de proteção social – no fio da navalha das exclusões e inclusões precárias e indecentes. No culto ao dinheiro – verdadeiro deus de nosso cotidiano – reatualizam-se a mercantilização, o individualismo, a insegurança.

Somos aprisionados e seduzidos nos circuitos da compulsão do consumo que parece penetrar na nossa pele, como forma de existência social.

A cultura do descartável encarna o espírito do nosso tempo: é a descartabilidade das mercadorias, das pessoas, das relações, dos sentimentos e afetos.

No Brasil e na Teófilo Otoni dos nossos dias, esta civilização do capital encarna-se em uma sociedade de apartação onde as “fraturas estão expostas”, revelando um tecido social que se rasga, em meio ao agravamento das desigualdades. Uma síntese perversa deste padrão excludente da vida brasileira é a situação dos jovens nas periferias da vida, desta outrora Capital Mundial das Pedras Preciosas, destituídas do acesso a direitos, em meio à banalização das mortes. É fato inconteste a mortalidade juvenil que se dissemina nas periferias, sob o olhar indiferente, naturalizante de uma sociedade que parece restringir o campo da violência a assaltos, roubos, esquecendo das estruturas e instituições que violentam os que estão oprimidos pelas múltiplas apartações…

É preciso romper esta anestesia que nos conforma e nos imobiliza. É tempo de recusa, colocando-nos em uma perspectiva de crítica e de denúncia desta sociedade estruturalmente desigual. Impõe-se, com urgência, o exercício da indignação, fecundando a resistência em processo nas mais diferentes formas de luta. É exigência histórica do nosso tempo fortalecer a vida que brota nessa aridez das exclusões pela força dos movimentos sociais na sua diversidade e riqueza. São experiências que fazem circular energias emancipatórias.

Esta pandemia do novo Coronavírus parece ter vindo em “boa hora”, pois está nos deixando claro o horizonte da nossa caminhada: uma nova civilização fundada na partilha, na igualdade, no respeito às diferenças, na justiça.

Queremos e lutamos por uma sociedade de indivíduos sociais onde homens e mulheres possam viver e participar da plenitude dos saberes e fazeres, da beleza, da arte e do amor. Sem apartação.

Aníbal Gonçalves é pedagogo, graduado em Administração Escolar, ex-diretor da Escola Estadual de Coroaci – MG [hoje Dona Sinhaninha Gonçalves] e professor de Filosofia, Sociologia e História da Educação. Foi chefe do Departamento de Educação Cooperativista da CLTO. Atualmente, jornalista e radialista da 98 FM (Teófilo Otoni) e colunista do Jornal Diário Tribuna.

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