O Feminicídio da Juíza de Direito no Rio de Janeiro reacende as discussões no Brasil

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Jeferson Botelho Pereira – Professor de Direito
Penal e Processo Penal. Especialização em Combate
à corrupção, Antiterrorismo e combate ao crime organizado
pela Universidade de Salamanca – Espanha. Mestrando em
Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES.
Advogado e autor de obras jurídicas. Palestrante.

Para um país onde cinco mulheres são agredidas a cada dois minutos. E quinze mulheres são assassinadas diariamente, é preciso sim mudar a cultura do seu povo e buscar meios de proteção integral aos diretos da mulher, considerado que tais providências coadunam com a política de promoção de direitos humanos.

Lamentavelmente, há casos na legislação brasileira que nem mesmo o integrante do sistema de defesa social não está nem aí para a Lei Maria da Penha, a vítima é revitimizada nos próprios órgãos de persecução criminal, numa verdadeira negação de direitos, agentes públicos despreparados, mal-humorados, sinecuras da Administração Pública sem noção de garantia efetiva.

Não existe uma fórmula pronta e acabada. Mas a prevenção passa necessariamente pela mudança da cultura de um povo, mutação de uma sociedade machista, aprimoramento do sistema de persecução penal, e aí, todos ficam assustados quando um Juiz de Direito recentemente anunciou num julgamento que não está nem aí para a Lei Maria da Penha, agentes da Justiça afirmando que a Lei Maria da Penha é um conjunto de regras diabólicas, agentes públicos despreparados para o exercício da função, às vezes recebem as vítimas em Unidades Policiais sem camisas, mal-humorados, de cara virada, como se tivessem fazendo um favor, se for no Plantão no final de ano, a situação se agrava mais ainda, a temática da inversão da culpa, a vítima quando procura atendimento numa unidade policial muitas das vezes, é claro que isso não é uma regra, é revitimizada, recebem cantadas, gracejos, e mundo vira de perna para o ar. Assim, conclui-se que transgredir direitos da mulher é violar normas de direitos humanos.

A Lei nº 13.104/2015 instituiu o crime de feminicídio no ordenamento jurídico brasileiro no Brasil.

A lei foi oriunda do Projeto de Lei do Senado nº 8305/2014, levado a sanção em 03/03/2015, numa terça-feira, definindo-o como sendo aquele praticado contra mulher por razões da condição de sexo feminino, considerando que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve violência doméstica e familiar ou menosprezo e discriminação à condição de mulher.

O crime praticado nessas condições agora é considerado homicídio qualificado, acrescentando-se o inciso VI, do § 2º, do artigo 121 do Código Penal, com previsão de pena de 12 a 30 anos de reclusão.

O texto fixa no § 7º, causa de aumento de pena, de 1/3(um terço) até a metade,  se o crime for praticado:

I – durante a gestação ou nos três meses posteriores ao parto;

II- contra pessoa menor de 14 anos, maior de 60 ou pessoa com deficiência;

III-  e na presença de descendente ou ascendente da vítima.

Grandes polêmicas serão levantadas na doutrina e na jurisprudência em torno da compatibilidade da nova causa de aumento de pena, § 7º, II, com a causa já prevista no § 4º, segundo parte, do Código Penal, assim descrito:

“(…) sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/3(um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14(quatorze) anos ou maior de 60(sessenta) anos”.

Afinal, para o feminicídio, poderia aplicar o § 7º, II, por ser uma causa de aumento sobre fato especial, ou se aplicaria o § 4º, por ser mais benéfico para o acusado?

A meu sentir, aplica-se a causa de aumento do § 7º, II, por ser uma norma que mais protege a mulher, tendo-se em vista o princípio do constitucionalismo fraternal.

Crime Hediondo:

A Lei nº 13.104/2015 também inclui o feminicídio no rol dos crimes hediondos, com a consequente modificação do artigo 1º da Lei nº 8.072/1990, assim definido:

I – homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e o homicídio qualificado (art. 121, § 2º, I, II, III, IV, V e VI );

Assim, sendo classificado como crime hediondo, segundo o descrito no artigo 5º, inciso XLIII, da Constituição da República de 1988, a lei proíbe a concessão de fiança, graça ou indulto, além de outras restrições legais.

XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura  o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem.

A bancada feminina defendeu o projeto em dados apresentados pelo relatório da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Violência contra a Mulher, de 2013, que apontou o assassinato de 43,7 mil mulheres no país entre 2000 e 2010 — 41% delas mortas em suas próprias casas, muitas por companheiros ou ex-companheiros.

Compromissos Internacionais:

A proteção cada vez mais aos direitos da mulher atende a compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, em especial a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, composta de 30 artigos, adotada pela Resolução 34/180 da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 18.12.1979 e  ratificada pelo Brasil em 01.02.1984, além da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, de 25 artigos, de 09 de junho de 1994 – em Belém do Pará, tendo o Brasil depositou Carta de Ratificação pelo Decreto 1973/96.

Também é importante mencionar que o Brasil depositou Carta de Ratificação do Pacto de São José da Costa Rita, em 1992, por meio do Decreto 678/92, ingressando em nosso ordenamento jurídico como normas de direitos humanos.

O referido Pacto em seu artigo 17, protege o direito da Família, segundo o qual a família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e deve ser protegida pela sociedade e pelo Estado.

Direito Comparado:

Os dados estatísticos apontam aumento do feminicídio na América Latina. Na Guatemala 658 mulheres foram assassinadas no ano de 2012. Já na Colômbia, somente em 2001, 52 mulheres foram vítimas, diariamente.

Na Itália em 2012, 137 mulheres foram assassinadas, mais da metade pelas mãos de seus parceiros.

No mundo, o feminicídio já foi tipificado como crime em países como México, Chile, Guatemala, Costa Rica, El Salvador, Espanha e Peru, segundo dados do Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem).

Aqui no Brasil, país que ocupa o 7° lugar no ranking dos países com maior número de feminicídios (o primeiro é El Salvador), o crime pode estar a um passo de ser tipificado e inserido no Código Penal. 

Outrossim, não se desconsidere que a Constituição Federal de 1988, possui normas de defesa da mulher, em especial, o artigo 226, §§ 5º e 8º, conforme abaixo:

§ 5º – Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

§ 8º – O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.

Inconstitucionalidade:

Já há manifestações que entendem pela inconstitucionalidade da futura lei, assim como aconteceu na época com a Lei Maria da Penha, Lei nº 11.340/2006.

Na oportunidade, o Supremo Tribunal Federal em controle concentrado julgou pela Constitucionalidade da Lei Maria da Penha, com base em dois argumentos, quais sejam, sistemas de proteção, um geral e outro especial, sendo que no âmbito do sistema especial, as ações devem ser afirmativas, e portanto, a proteção maior a mulheres constitui fator de proteção aos direitos humanos e constitui uma forma de igualar os direitos entre homens e mulheres.

Tipos de Feminicídio:

A doutrina costuma dividir o feminicídio em íntimo, não íntimo e por conexão.

Por feminicídio íntimo entende aquele cometido por homens com os quais a vítima tem ou teve uma relação íntima, familiar, de convivência ou afins.

O feminicídio não íntimo é aquele cometido por homens com os quais a vítima não tinha relações íntimas, familiares ou de convivência.

O feminicídio por conexão é aquele em que uma mulher é assassinada porque se encontrava na “linha de tiro” de um homem que tentava matar outra mulher, o que pode acontecer na aberratio ictus.

Classificação:

Quanto à classificação do crime, pode dizer que trata-se de crime doloso, aquele que o agente praticado o delito de forma livre e consciente. É crime plurissubsistente, podendo ser praticado por vários atos.

Constitui-se crime material que exige resultado naturalístico, crime de forma livre, aquele que pode ser praticado por qualquer meio eleito pelo autor. É crime comissivo, porque demanda uma ação, e excepcionalmente comissivo por omissão. É crime instantâneo, que ocorre com o resultado morte. É crime de dano, porque consuma apenas com uma efetiva lesão. É considerado crime unissubjetivo, porque pode ser praticado por uma só pessoa. Admite-se tentativa.

Autoria:

Pode dizer que trata-se de crime comum, que pode ser praticado por qualquer pessoa, inclusive por outra mulher, na condição de relação familiar, já que a lei não demanda sujeito ativo qualificado ou especial.

Questões polêmicas:

Algumas questões já podem ser levantadas e definidas segundo o entendimento da Lei Maria da Penha, sem que se fale em adoção do princípio da analogia in malam partem, definitivamente proibida sua utilização no direito penal brasileiro.

Reafirma-se o entendimento de se aplicar a nova Lei nº 13.104/2015 aos casos abaixo, mesmo porque o legislador previu as causas de aumento de pena no § 7º, dentre as quais quando o crime for praticado contra pessoa menor de 14 anos ou maior de 60 anos, e aqui disse enfaticamente, pessoa e não mulher, menor de 14 anos e maior de 60 anos.

Transexualismo: Diante das recentes decisões da Lei nº 11.340/2006, em relação à Lei Maria da Penha, em especial o TJGO, acredito que o transexual pode figurar como autor ou vítima do delito de feminicídio.

Homossexualismo masculino: Também em função dos precedentes dos Tribunais Superiores, em havendo papel definido na relação, é possível o homossexual masculino figurar como vítima do feminicídio.

Homossexualismo feminino: Acredito não haver nenhum óbice também para figurar tanto como autor ou vítima do crime de feminicídio.

Ex-namorada. Aplica-se a Lei Maria da Penha, segundo o STJ – 3ª Seção.

Instrumentos de Proteção em Minas Gerais

Em Minas Gerais, como parte da política de proteção dos interesses da Mulher, existe um Departamento de Orientação e Proteção a Família, com sede em Belo Horizonte.

Por força da Resolução nº 7.510, de 03 de abril de 2013, foram criadas em todas as Delegacias Regionais de Polícia Civil, no Estado de Minas Gerais, as Delegacias Especializadas em Atendimento a Mulheres, definindo subordinação, competência e circunscrição de atuação como forma de implementação do atendimento especializado para a defesa efetiva dos direitos das Mulheres.

Conclusões finais

A Lei Maria da Penha foi importante instrumento de busca da valorização e implementação do direito da Mulher no Brasil.

É claro que várias outras normas foram criadas ao longo do tempo, isto é, depois de 2006, modificando a Lei Maria da Penha ou instituindo outras ferramentas normativas autônomas, a exemplo da criação da Lei nº 13.104/2015, que instituiu a qualificadora do feminicídio na estrutura do art. 121, § 2º, do Código Penal brasileiro.

Para um país onde cinco mulheres são agredidas a cada dois minutos. E quinze mulheres são assassinadas diariamente, é preciso sim mudar a cultura do seu povo e buscar meios de proteção integral aos diretos da mulher, considerado que tais providências coadunam com a política de promoção de direitos humanos.

A morte brutal da Juíza de Direito, Viviane Vieira do Amaral Arronenzi, de 45 anos, ato repulsivo e cruel, esfaqueada pelo ex-marido em uma avenida da Barra da Tijuca, na frente das filhas, causou grandes repercussões junto à sociedade brasileira, chamando a atenção de todos justamente porque a vítima fazia parte da estrutura do Poder Judiciário, tinha segurança e escolta institucional, medidas de proteção decretadas, o autor já tinha histórico de agressividade.

E agora fica a pergunta. O que fazer para prevenir esse tipo de delito?

Não existe uma fórmula pronta e acabada. Mas a prevenção passa necessariamente pela mudança da cultura de um povo, mutação de uma sociedade machista, aprimoramento do sistema de persecução penal, e aí, todos ficam assustados quando um Juiz de Direito recentemente anunciou num julgamento que não está nem aí para a Lei Maria da Penha, agentes da Justiça afirmando que a Lei Maria da Penha é um conjunto de regras diabólicas, agentes públicos despreparados para o exercício da função, às vezes recebem as vítimas em Unidades Policiais sem camisas, mal-humorados, de cara virada, como se tivessem fazendo um favor, se for no Plantão no final de ano, a situação se agrava mais ainda, a temática da inversão da culpa, a vítima quando procura atendimento numa unidade policial muitas das vezes, é claro que isso não é uma regra, é revitimizada, recebem cantadas, gracejos, e mundo vira de perna para o ar.

Não obstante, a norma de proteção aos direitos das mulheres tem sido aprimorada desde a edição da Lei Maria da Penha, em 2006, como por exemplo, a tipificação da conduta de descumprimento da medida de proteção, a mudança de entendimento da ação penal, em muitos casos, agora ação penal pública incondicionada, a proibição de conduzir autor agressor e vítima no mesmo comportamento da viatura policial, fato que deu origem à Lei Laís Fonseca fato gravíssimo registrado do Vale do Jequitinhonha quando foi assassinada dentro de uma viatura policial, e tantas outras. O povo precisa se insurgir contra seus parlamentares para que estes possam criar normas e instrumentos de proteção efetiva em favor do povo, notadamente, protegendo os direitos e interesses das mulheres. É preciso não esquecer que transgredir direitos da mulher é violar normas de direitos humanos, conduta de lesa-humanidade.

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