A Megafesta do jogador Neymar Santos em tempos de pandemia do coronavírus e o descumprimento a determinações do poder público

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Jurista sugere a prisão do jogador Neymar e de todas as autoridades públicas que permitiram a realização da megafesta com risco real e potencial para a saúde pública

Jeferson Botelho Pereira
Professor de Direito Penal e Processo Penal. Especialização
em Combate à corrupção, Antiterrorismo e combate ao crime
organizado pela Universidade de Salamanca – Espanha.
Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de
Vitória/ES. Advogado e autor de obras jurídicas. Palestrante

Análise da tipicidade penal

“… Anunciaram e garantiram que o mundo ia se acabar
Por causa disto a minha gente lá em casa começou a rezar
Até disseram que o sol ia nascer antes da madrugada…”

                                        (E o mundo não se acabou – Assis Valente)

Vai, pois, povo meu, entra nos teus quartos, e fecha as tuas portas sobre ti; esconde-te só por um momento, até que passe a ira. Porque eis que o Senhor sairá do seu lugar, para castigar os moradores da terra, por causa da sua iniquidade, e a terra descobrirá o seu sangue, e não encobrirá mais os seus mortos.

                                                                          (Isaías 26:20,21)

RESUMO. O presente texto tem por finalidade precípua analisar as consequências jurídicas em face do descumprimento de medidas preventivas determinadas pelo Poder Público, notadamente, ao estudo da tipicidade penal. Visa ainda analisar a situação da megafesta de final de ano anunciada pelo jogador de futebol Neymar Santos, com aglomeração de pessoas no Rio de Janeiro.

Palavras-Chave. Direito penal. Coronavírus. Medidas preventivas. Descumprimento. Tipicidade penal.

1. NOTAS PRELIMINARES.

Como é de sabença geral, o mundo parou subitamente em razão da pandemia do coronavírus que já contaminou e matou milhares de pessoas no mundo.

Imagens aviltantes de caminhões enfileirados carregando caixões, cerimônia de cremação de corpos diante da ausência de cemitérios para sepultar corpos, proibição de velórios, hospitais improvisados, um cenário desolador, de tristeza, angústia, sofrimento, súplicas, algo que marca uma geração.

As autoridades sanitárias buscam a todo instante adoção de medidas preventivas para conter os horrores do vírus, tentando evitar a superação dos nefastos números deixados pela Gripe Espanhola em 1918, que matou perto de 100 milhões de pessoas no mundo.

Até o fechamento deste texto, informações dão conta que até o presente momento há ao menos 1.765.049 mortos em todo o mundo – desde que o gabinete da OMS na China anunciou a existência da doença em dezembro de 2019 – de acordo com um balanço elaborado pela France-Presse.

No Brasil, há registros de casos confirmados em todos os estados da Federação, sendo Roraima o último a registrar, aparecendo São Paulo com os maiores índices de casos confirmados e de mortes, números subnotificados em face da escassez de recursos sanitários.

Há no Brasil mais de 191 mil mortes registradas desde o início da pandemia em março de 2019. A doença atingiu 7.465.806. As autoridades sanitárias e todo Poder Público buscam adotar medidas de urgências a fim de conter a pandemia.

Decretos de estado de calamidade pública, exercício do poder de polícia, restrições a bens e direitos, nova disciplina na prestação de serviços públicos, intervenção na propriedade privada, fechamento de fronteiras, determinação de prisão domiciliar a presos de regimes semiaberto e aberto, leis publicadas, e inúmeros outros atos normativos a fim de estancar a enxurrada de casos que ameaçam aumentar nos próximos dias no país a ponto de as autoridades sanitárias ventilarem a possiblidade de um verdadeiro colapso.

Em plena pandemia, o jogador Neymar da Silva Santos Júnior, faz réveillon de sete dias para 500 pessoas, em Mangaratiba, no Rio de Janeiro, evento que começaria no dia 25 de dezembro e seguiria até o dia 1º de janeiro, segundo informações de fontes abertas.  Importante ressaltar que o Rio de Janeiro é o segundo estado do país em número total de casos e mortes, com 420.075 e 24.905, respectivamente, mas é o que apresenta a maior taxa de letalidade desde o início da pandemia, com 5,9% – mais do que o dobro da média nacional, que é de 2,6%. A festa contaria com a participação de artistas, bandas e muitos convidados.

Entretanto, sabe-se visando frear a propagação da covid-19, a Prefeitura de Mangaratiba cancelou todas as festividades públicas de réveillon na cidade. Queimas de fogos também estarão expressamente proibidas no período de 29 de dezembro de 2020 a 4 de janeiro de 2021, entre outras medidas autorizadas pela Normativa n° 001, que acaba de ser publicada no Diário Oficial do Município.

2. DA LEI FEDERAL Nº 13.979/20

A fim de estabelecer disciplina sanitária acerca do rumoroso caso, foi publicada a Lei nº 13.979/20, que entrou em vigor dia 07 de fevereiro de 2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019, com o objetivo de proteger a sociedade.

Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, dentre outras, as seguintes medidas:                

I – isolamento;

II – quarentena;

III – determinação de realização compulsória de:

Quanto ao isolamento, a própria lei em apreço fornece a chamada interpretação autêntica contextual, segundo o qual, isolamento é a separação de pessoas doentes ou contaminadas, ou de bagagens, meios de transporte, mercadorias ou encomendas postais afetadas, de outros, de maneira a evitar a contaminação ou a propagação do coronavírus; e quarentena, a restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam doentes, ou de bagagens, contêineres, animais, meios de transporte ou mercadorias suspeitos de contaminação, de maneira a evitar a possível contaminação ou a propagação do coronavírus.

Por sua vez, o mesmo comando legal, adotou as seguintes determinações de realização compulsória, segundo art. 3º, III, in verbis:

III – determinação de realização compulsória de:

a) exames médicos;

b) testes laboratoriais;

c) coleta de amostras clínicas;

d) vacinação e outras medidas profiláticas; ou

e) tratamentos médicos específicos;

IV – estudo ou investigação epidemiológica;

V – exumação, necropsia, cremação e manejo de cadáver;

VI – restrição excepcional e temporária, conforme recomendação técnica e fundamentada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, por rodovias, portos ou aeroportos de:                

a) entrada e saída do País; e            

b) locomoção interestadual e intermunicipal;     

VII – requisição de bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas, hipótese em que será garantido o pagamento posterior de indenização justa; e

VIII – autorização excepcional e temporária para a importação de produtos sujeitos à vigilância sanitária sem registro na Anvisa, desde que:

a) registrados por autoridade sanitária estrangeira; e

b) previstos em ato do Ministério da Saúde.

A referida Lei nº 13.979/20 foi regulamentada pelo Decreto nº 10.282, de 20 de março de 2020, que se aplica às pessoas jurídicas de direito público interno, federal, estadual, distrital e municipal, e aos entes privados e às pessoas naturais, além de definir os serviços públicos e atividades essenciais como sendo aqueles indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, assim considerados aqueles que, se não atendidos, colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população.

O Congresso Nacional aprovou o decreto que reconhece o estado de calamidade pública e o Senado Federal nos termos do parágrafo único do art. 52 do Regimento Comum e do inciso XXVIII do art. 48 do Regimento Interno do Senado Federal, promulgou o Decreto Legislativo nº 06/2020, que reconhece, para os fins do art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a ocorrência do estado de calamidade pública, nos termos da solicitação do Presidente da República encaminhada por meio da Mensagem nº 93, de 18 de março de 2020.

Destarte, fica reconhecida, exclusivamente para os fins do art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, notadamente para as dispensas do atingimento dos resultados fiscais previstos no art. 2º da Lei nº 13.898, de 11 de novembro de 2019, e da limitação de empenho de que trata o art. 9º da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a ocorrência do estado de calamidade pública, com efeitos até 31 de dezembro de 2020, nos termos da solicitação do Presidente da República encaminhada por meio da Mensagem nº 93, de 18 de março de 2020.

3. DO ESTADO DE CALAMIDADE PÚBLICA

Inúmeros Estados da Federação decretaram estado de calamidade pública, a exemplo de Minas Gerais, que o fez também de forma proativa por meio do Decreto nº 47.891, de 20 de março de 2020, conforme artigo 1º, a saber:

Art. 1º – Fica decretado, para fins de aplicação do art. 65 da Lei Complementar Federal nº 101, de 4 de maio de 2000, estado de calamidade pública no âmbito de todo o território do Estado, com efeitos até o dia 31 de dezembro de 2020, em razão dos impactos socioeconômicos e financeiros decorrentes da pandemia causada pelo agente Coronavírus (COVID-19).

Ainda em Minas Gerais, foi editada a DELIBERAÇÃO DO COMITÊ EXTRAORDINÁRIO COVID-19 Nº 8, DE 19 DE MARÇO DE 2020, que dispõe sobre medidas emergenciais a serem adotadas pelo Estado e municípios enquanto durar a SITUAÇÃO DE EMERGÊNCIA em Saúde Pública no Estado.

De acordo com o ato normativo, ficam proibidos, para fins de enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do Coronavírus:

I – a realização de eventos e reuniões de qualquer natureza, de caráter público ou privado, incluídas excursões e cursos presenciais com mais de trinta pessoas;

II – práticas comerciais abusivas, pelos produtores e fornecedores, em relação aos bens ou serviços essenciais a saúde, higiene e alimentação, em decorrência da epidemia causada pelo agente Coronavírus (COVID-19).

O artigo 6º estabelece as medidas emergenciais no âmbito dos municípios, quais sejam:

Art. 6º – Para enfrentamento da SITUAÇÃO DE EMERGÊNCIA em Saúde Pública no Estado, nos termos do Decreto NE nº 113, de 2020, e com interesse de resguardar a coletividade, devem os municípios:

I – suspender serviços, atividades ou empreendimentos, públicos ou privados, que necessitem de alvará de localização e funcionamento de competência dos municípios, com circulação ou potencial aglomeração de pessoas, a exemplo de:

a) eventos públicos e privados de qualquer natureza com público superior a trinta pessoas; b) atividades em feiras, inclusive feiras livres;

c) shopping centers e estabelecimentos situados em galerias ou centros comerciais;

d) cinemas, clubes, academias de ginástica, boates, salões de festas, teatros, casas de espetáculos e clínicas de estética;

e) museus, bibliotecas e centros culturais.

II – determinar aos restaurantes, bares e lanchonetes que adotem, no mínimo, as seguintes medidas, cumulativas: 

a) higienizar, após cada uso, durante o período de funcionamento e sempre quando do início das atividades, as superfícies de toque, tais como cardápios, mesas e bancadas, preferencialmente, com álcool setenta por cento ou outro produto adequado;

b) higienizar, preferencialmente após cada utilização ou, no mínimo, a cada três horas, durante o período de funcionamento e sempre quando do início das atividades, os pisos, paredes, forro e banheiro com água sanitária ou outro produto adequado; 

c) manter à disposição, na entrada no estabelecimento e em local de fácil acesso, produto de assepsia para a utilização dos clientes e funcionários do local; 

d) dispor de protetor salivar eficiente nos serviços que trabalham com buffet; 

e) manter locais de circulação e áreas comuns com os sistemas de ar condicionado limpos e, obrigatoriamente, manter pelo menos uma abertura para a renovação do ar; 

f) manter disponível kit completo de higiene de mãos nos sanitários de clientes e funcionários, utilizando sabonete líquido, álcool em gel setenta por cento, ou produto de assepsia similar, e toalhas de papel não reciclado; 

g) manter os talheres higienizados e devidamente individualizados de forma a evitar a contaminação cruzada; 

h) diminuir o número de mesas no estabelecimento de forma a aumentar a separação entre elas, reduzir o número de pessoas no local e garantir a distância mínima recomendada de dois metros lineares entre os consumidores;

i) fazer a utilização, se necessário, do uso de senhas ou de outro sistema eficaz, a fim de evitar a aglomeração de pessoas dentro do estabelecimento enquanto aguardam mesa;

III – determinar que os estabelecimentos comerciais e industriais adotem sistemas de escalas, revezamento de turnos e alterações de jornadas, para reduzir fluxos, contato e aglomeração de trabalhadores, bem como implementem medidas de prevenção ao contágio pelo agente Coronavírus (COVID-19), disponibilizando material de higiene e orientando seus empregados de modo a reforçar a importância e a necessidade de

a) adotar cuidados pessoais, sobretudo lavagem das mãos, utilizar produtos assépticos durante o trabalho, como álcool em gel setenta por cento, e observar a etiqueta respiratória;

b) manter a limpeza dos instrumentos de trabalho;

IV – suspender as atividades escolares e educacionais públicas e privadas presenciais;

V – suspender a visitação a parques e demais locais de lazer e recreação;

VI – informar à população do município sobre higienização e cuidados para a prevenção da COVID-19;

VII – suspender visitas a pacientes diagnosticados com a COVID-19, internados na rede pública ou privada de saúde;

VIII – restringir visitas a centros de convivência de idosos;

IX – reduzir a lotação dos transportes públicos e privados e, quando possível, manter as janelas destravadas e abertas de modo que haja plena circulação de ar nos ônibus, barcas, trens e metrôs, observando as seguintes práticas sanitárias:

a) realização de limpeza minuciosa diária dos veículos e, a cada turno, das superfícies e pontos de contato com as mãos dos usuários, com utilização de produtos que impeçam propagação do vírus;

b) higienização do sistema de ar-condicionado; 

c) fixação, em local visível aos passageiros, de informações sanitárias sobre higienização e cuidados para prevenção, enfrentamento e contingenciamento da epidemia de doença infecciosa viral respiratória causada pelo agente Coronavírus (COVID-19);

X – solicitar aos concessionários e permissionários do serviço de transporte coletivo, bem como a todos os responsáveis por veículos do transporte coletivo e individual, público e privado, de passageiros, que instruam e orientem seus empregados, em especial motoristas e cobradores, de modo a reforçar a importância e a necessidade de: 

a) adoção de cuidados pessoais, sobretudo da lavagem das mãos ao fim de cada viagem realizada, utilização de produtos assépticos durante a viagem e da observância da etiqueta respiratória; 

b) manutenção da limpeza dos veículos;

c) adequado relacionamento com os usuários de transporte público no período de SITUAÇÃO DE EMERGÊNCIA.

XI – proibir a realização de eventos e reuniões de qualquer natureza, de caráter público ou privado, incluídas excursões e cursos presenciais com mais de trinta pessoas.

§ 1º – Os estabelecimentos comerciais de que trata o inciso I deverão manter fechados os acessos do público ao seu interior.

§ 2º – O disposto neste artigo não se aplica às atividades internas dos estabelecimentos comerciais, nem à realização de transações comerciais por meio de aplicativos, internet, telefone ou outros instrumentos similares, nem aos serviços de entrega de mercadorias.

XI – proibir a realização de eventos e reuniões de qualquer natureza, de caráter público.

4. DA TIPICIDADE PENAL

Em face do decreto de estado de calamidade pública, alguns desses atos administrativos têm determinado o fechamento de estabelecimentos comerciais, estabelecendo o isolamento social como medida preventiva ao coronavírus.

Quem descumpre as medidas impostas pelo Poder Público pode responder criminalmente? Afinal de contas, o descumprimento das medidas impostas pelo Poder Público pode caracterizar crime de infração de medida sanitária preventiva, exposição de perigo ou crime de desobediência?

Diante da enorme discussão que se instalou no país acerca desta questão, notadamente, no âmbito jurídico, determinou-se, neste contexto, enfrentar as possibilidades jurídicas na esfera penal, evidentemente, sem caráter exauriente.

4.1. Do crime de infração de medida sanitária preventiva

O Título VIII do Código Penal prevê os Crimes contra a Incolumidade Pública. Por seu turno, o capítulo III, são definidos os crimes contra a Saúde Pública.

Trata-se a incolumidade de substantivo feminino, a significar qualidade ou condição de incólume. Isenção de perigo, de dano; segurança. Em Direito Penal é a situação do que está protegido e seguro (falando de bens que se quer proteger).

Especificamente, no artigo 268, o legislador criou a figura típica de Infração de medida sanitária preventiva, a saber:

Art. 268 – Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa:

Pena – detenção, de um mês a um ano, e multa.

Parágrafo único – A pena é aumentada de um terço, se o agente é funcionário da saúde pública ou exerce a profissão de médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro.

Consiste a conduta criminosa em infringir, que significa desrespeitar, transgredir, determinação do Poder Público, destinada a impedir a introdução ou propagação de doença contagiosa.

Analisando a conduta descrita no artigo 268 do CP, logo se verifica que trata-se de crime de menor potencial ofensivo, de competência do Juizado Especial Criminal, Lei nº 9.099/95, com previsão de pena privativa de liberdade e pena de multa, portanto, pena cumulativa.

O Parágrafo único do artigo 268 do CP prevê causa de aumento de pena, em fração fixa de um terço, se o agente é funcionário da saúde pública ou exerce a profissão de médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro.

O delito em apreço é classificado como unissubjetivo, porque pode ser praticado por uma única pessoa, é crime comum, porque pode ser praticado por qualquer pessoa, não demandando condições especiais em relação ao sujeito ativo, é crime formal, porque se contenta tão somente com a conduta, não se exigindo resultado naturalístico, sujeito passivo é a coletividade, a sociedade, e objeto jurídico é a saúde pública. O delito em apreço é de ação pública incondicionada. A tentativa é admissível, dado a possibilidade de fracionamento da conduta.

Trata-se de conduta dolosa, onde o autor por livre vontade e consciência infringe a determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa, configurando o crime com o mero comportamento doloso, por se tratar de crime de perigo abstrato, comum, ou se seja, capaz de colocar em risco um número indeterminado de pessoas, perigo que a lei presume, não havendo necessidade de contaminação de pessoas.

É certo que o crime em apreço exige que haja determinação do Poder Público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa, porque o artigo 268 do CP é norma penal em branco, que segundo Binding, a lei penal em branco é um corpo errante em busca de alma.

Assim, além da determinação do Poder Público, é preciso que haja documento normativo da autoridade sanitária definido o coronavírus em rol de doença contagiosa, porque o preceito primário do crime em testilha é incompleto, e desta forma, somente se configura o delito se houver determinação do Poder Público no âmbito federal, não bastando determinações de governos estaduais ou municipais, porque o artigo 268 emana de um comando federal, e logo, seu complemento deve ser também de autoridade sanitária federal, em razão da simetria constitucional, constituindo-se, assim, uma norma penal em branco, em sentido heterogêneo.

Analisando o teor da Lei nº 13.979/20, percebe-se a norma não comtempla todas as restrições preventivas, mas tão somente aquelas vinculadas às medidas eminentemente sanitárias, e aí sim, havendo violação a essas normas, caracterizada estará o crime do artigo 268 do CP.

Se na hipótese em que do crime de infração de medida sanitária preventiva resultar lesão corporal de natureza grave, a pena privativa de liberdade é aumentada de metade; se resultar morte, é aplicada em dobro (art. 258 do Código Penal). Trata-se de hipótese de crime preterdoloso (dolo no antecedente e culpa no consequente). Discute-se a questão da revogação da norma complementar do Poder Público.

Há divergência doutrinária a respeito do tema. Entendeu Guilherme de Souza Nucci (Código Penal Comentado, pág. 776) que caso o poder público revogue a medida, por considerá-la, por exemplo, inócua para o efetivo resultado pretendido, não há razão para punir o agente. No entanto, se a revogação se der porque já foi contida a doença, é preciso aplicar o artigo 3º do Código Penal, considerando ultrativo o complemento, mantendo-se a punição do agente.

FOUREAUX assevera com autoridade de sempre que qualquer pessoa poderá figurar como sujeito ativo. Caso o sujeito ativo seja funcionário da saúde pública ou exerce a profissão de médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro, a pena é aumentada de um terço, em razão da maior reprovabilidade da conduta por parte daqueles que têm, como profissão, a obrigação de zelar pelo cumprimento das normas que visam o cuidado com a saúde, além de serem detentores de conhecimentos técnicos (art. 268, parágrafo único, do CP)[1]

CONSIDERAÇOES FINAIS

Diante de tudo que foi exposto, é possível afirmar que ninguém discorda que a humanidade corre sério risco de um flagelo social. Registro de 1.765.049 mortes em tudo o mundo. Somente no Brasil, já são mais de 190 mil mortes registradas, uma catástrofe para a humanidade. É tempo de unir forças em prol de um objetivo maior, salvar o maior número de pessoas, envidar esforços na busca do bem comum.

É certo que no conjunto de medidas adotadas pelo Poder Público, em especial pelas autoridades sanitárias, estão algumas relacionadas com o isolamento social mesmo porque a Ciência ainda busca soluções medicamentosas para o perigoso e devastador coronavírus, sendo o isolamento social a medida preventiva mais eficaz contra o vírus.

Sabe-se que o Direito Penal é instrumento eminentemente repressor e somente deve ser utilizado em última circunstância. E nesse contexto, algumas medidas restritivas foram importas às pessoas e a comerciantes, como o fechamento de estabelecimentos comerciais com grande impacto na economia brasileira.

Nesse sentido, havendo descumprimento das medidas adotadas pelo Poder Público, é prudente que inicialmente sejam aplicadas sanções administrativas, como aplicação de multa, suspensão temporária do estabelecimento ou até medida extrema de interdição total das atividades comerciais, mas sendo improdutivas essas medidas, o comportamento arredio do autor pode caracterizar crime de infração de medida sanitária preventiva, art. 268 do Código Penal, em caso de existência de determinações de autoridades sanitárias, de âmbito federal, conforme exposição alhures.

Não havendo determinações de autoridades públicas sanitárias, da esfera federal, no sentido de impedir a introdução ou propagação de doença contagiosa, a conduta recalcitrante do autor também não pode configurar crime perigo para a vida ou saúde de outrem do artigo 132 do Código Penal, consistente em expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente, considerando que esse delito se encontra rotulado no rol dos crimes contra a periclitação da vida e da saúde, crime de perigo abstrato, presumido e individual.

Desta feita, em não configurando as condutas criminosas dos artigos 132 e 268 do Código penal, nos termos da exposição anterior, resta a conduta prevista no artigo 330 do Código penal, delito de desobediência consistente em desobedecer a ordem legal de funcionário público, pena de detenção, de quinze dias a seis meses, e multa.

[1] FOUREAUX. Rodrigo. O descumprimento de determinações do Poder Público e o coronavírus: consequências criminais. Disponível https://jus.com.br/artigos/80119/o-descumprimento-de-determinacoes-do-poder-publico-e-o-coronavirus-consequencias-criminais. Acesso em 22 de março de 2020, às 11h37min.

Deve-se pontuar que todos, indistintamente, devem colaborar com as medidas preventivas determinadas pelo Poder Público na construção da paz universal, na incessante busca de valores humanitários, que pode ser exarada pela União, Estado, Distrito Federal ou Municípios e pode decorrer de lei ou de um ato administrativo, como deliberação, decreto, regulamento e portaria, mas para a configuração do crime previsto no artigo 268 do Código Penal, deve a determinação ser exarada exclusivamente, pelo Poder Público federal, caso contrário, chegaríamos a um absurdo de um prefeito baixar um decreto municipal disciplinando preceito primário vazio de competência da União, em sede de direito penal, o que contraria, veementemente, a estrutura legislativa pátria, sendo que a tão sonhada alma de Binding, fugaz e temporariamente perdida no tempo e no espaço, não pode ser objeto de apropriação legislativa senão pelas mãos da União, consoante artigo 22, I, da Constituição da República de 1988.

Diante de tudo isso, um simples jogador de futebol, que nada representa para o Brasil, além de um futebol medíocre, passa a violar todas as normas das autoridades públicas, sanitárias e de segurança, e de direitos humanos. E aqui fica muito claro. Nenhuma autoridade judiciária, nem mesmo aquela amante do ativismo judicial, ou administrativa poderá permitir que o jogador faça festa com aglomeração de pessoas, causando risco e perigo comum a um número indeterminado de pessoas, isto porque estaria violando o artigo 11 da Lei de Improbidade Administrativa, Lei nº 8.429/92, por grave transgressão do princípio da legalidade. E mais que isso. Quem assim proceder, responderá ainda pelo crime de prevaricação, previsto no artigo 319 do Código penal. E se o jogador Neymar Santos insistir em violar as normas legais, qualquer do povo poderá prender em flagrante o infrator e as autoridades públicas devem prender em flagrante o transgressor da lei, segundo dicção do art. 301 do CPP, que preceitua que qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito, incursando o autor do crime nas sanções do artigo 330, 132 e 268, todos do Código penal, em concurso material de crime, cujas penas serão somadas.

Assim, é preciso unir forças para vencer o inimigo invisível, e uma das medidas mais proativas no campo da prevenção é ficar em casa no sistema de isolamento, cumprindo com fidelidade as determinações das autoridades sanitárias. O mundo comemora a vacinação contra a COVID- 19. No último dia 27 de dezembro de 2020, os 27 países da União Europeia começaram a vacinação. Já são mais de 4 milhões de pessoas vacinadas no mundo. Um piloto alemão de 20 anos desenhou a imagem de uma seringa nos céus numa rota traçada com a utilização de um GPS, ato simbólico que representa um momento grandioso e histórico. Enquanto por aqui, autoridades públicas em conflito num jogo político desnecessário em detrimento da sociedade. A incidência de efeitos colaterais no mundo é bem pequena se considerar o número de pessoas vacinadas. Há pessoas que tem sintomas leves até mesmo com a vacina da gripe. O Brasil assiste de camarote a vacinação de mais de 40 países, inclusive na América do Sul, como Chile e Argentina, acho que as nossas autoridades pensam que todos os países estão errados e somente o Brasil está correto. Desconhecer outra civilização é meio caminho para atrofiar a mente acerca de um juízo de valor das políticas públicas no Brasil. Vivemos um verdadeiro QG da Incompetência!!! A Ciência protege vidas, a Política vocifera agressões, fomenta intolerância e constrói monstros sociais, além de enterrar sonhos!

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 22 de março de 2020, às 12h22min.

BRASIL. Código Penal Brasileiro. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em 22 de março de 2020, às 17h27min.

BRASIL. Lei nº 13.979/20. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Lei/L13979.htm. Acesso em 22 de março de 2020, às 11h42min.

FOUREAUX. Rodrigo. O descumprimento de determinações do Poder Público e o coronavírus: consequências criminais. Disponível https://jus.com.br/artigos/80119/o-descumprimento-de-determinacoes-do-poder-publico-e-o-coronavirus-consequencias-criminais. Acesso em 22 de março de 2020, às 11h37min.

NUCCII, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo. 2002.

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