Confesso que já faz algum tanto tempo que esse estresse desta pandemia do Novo Coronavírus não me permite entabular uma conversazinha com Deus, a sós, pedindo ajuda, tirando minhas dúvidas, que são muitas, ou mesmo para agradecer, genuflexo, as pequenas e grandes graças que tenho recebido pela vida afora.
O Deus, no qual creio e socorro suplico, é bastante diferente Daquele em que algumas outras pessoas costumam acreditar. Ai de mim, que não perco essa tola mania de querer ser sempre original. Do meu Deus não tenho um pingo de medo sequer, mas um amoroso respeito e com todo o respeito, Senhor, igual ao que eu sinto por meu pai. O meu Deus também não me ameaça com os mais terríveis castigos nem me tiraniza com ordens de um cruento ditador. Deixa que eu cultive as minhas opiniões, embora eu pense que Ele considere algumas delas estapafúrdias. Sempre que converso com Ele, parece até que estou batendo um papo descontraído com um velho e querido amigo, como creio que devem ser O Criador e sua criatura.
E quando conversamos, meu Deus e eu, jamais Ele me fala em céu ou inferno, em graças e castigos, em fiéis e infiéis, em hereges e santos, inocentes e culpados. Nosso assunto preferido é sempre a bondade que reside no fundo da alma de cada ser humano e que nos faz ser verdadeiramente humanos.
E aproveitando dessa intimidade que Ele me concede, como sei que concederia a qualquer outro, fiz ao Senhor alguns poucos pedidos, na ansiosa espera de me serem concedidos e que tornarão a minha existência mais leve e mais aliviada das chatices do dia a dia e às quais todos nós estamos indefesamente sujeitos, seja lá quem formos ou deixemos de ser.
Livrai-me, Senhor, dos que ferem a espontaneidade anárquica do botequim, querendo impor regras e limites burocráticos aos seus frequentadores, insistindo em filosofar a sério sobre mulher, futebol e vida alheia. Pois o botequim é sinônimo de espontaneidade, do imprevisível, do inusitado, do quando menos se espera é que acontece.
Livrai-me, Senhor, dos que, ao invés de contarem piadas, “causos” e lérias, teimam em discutir política com acirrado fanatismo ideológico. Livrai-me, Senhor, da presença dos falsos amigos, esses Judas do afeto, esses fariseus do bem-querer.
Livrai-me, Senhor, do imposto de renda, do bolso vazio, da firma reconhecida e dos credores inoportunos.
Livrai-me, Senhor, da fila dos bancos, dos juros do cartão de crédito, da promissória vencida e do salário parcelado pelo governo. Por via das dúvidas, Senhor, livrai-me precipuamente das pragas de ex-mulher rancorosa, que são piores do que praga de mãe e atormentam os infelizes pela vida afora.
Dos maus poetas, Senhor, livrai-me urgentemente, que deles a poesia quer distância por uma questão de sobrevivência.
Livrai-me, Senhor, dos assassinos de árvores, que as trucidam em Teófilo Otoni, transformando-a num deserto de cimento armado por onde os hunos contemporâneos passeiam as suas patas.
Livrai-me, Senhor, dos políticos safados, das baratas, das traças, dos cupins que infernizam o existir daqueles que amam os livros.
Livrai-me, Senhor, das desilusões paternas e da ideia besta de que os filhos nunca crescem. Das mulheres que não sabem fazer cafuné e caldo de caridade, livrai-me, Senhor, pelo amor de Deus.
Livrai-me, Senhor, de todos os relógios que me escravizam ao tempo. E se não for pedir muito, Senhor, livrai-me jamais dessa capacidade infinita de sonhar e que me faz sublimemente humano, à Vossa imagem e semelhança.
Aníbal Gonçalves é pedagogo, graduado em Administração Escolar, ex-diretor da Escola Estadual de Coroaci – MG [hoje Dona Sinhaninha Gonçalves] e professor de Filosofia, Sociologia e História da Educação. Foi chefe do Departamento de Educação Cooperativista da CLTO. Atualmente, jornalista e radialista da 98 FM (Teófilo Otoni) e colunista do Jornal Diário Tribuna.