Nós, o poder e os políticos…

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Aníbal Gonçalves – Pedagogo

Certa feita, li um texto de Frei Betto, intitulado “Eleição: Por que falta emoção?”, em que ele fez referência ao fato de que, nas eleições municipais, falta emoção aos candidatos, pois “a emoção é filha da utopia, do sonho que alenta, da paixão que encoraja, do desejo que se projeta”, falta, portanto, projeto.

Ora, essa percepção do frade tem a ver com uma questão muito mais profunda e central, que é a crise do sistema representativo moderno. Nas eleições, o que de fato constatamos é que a sociedade trata o candidato como um produto e o candidato, os partidos vêem o eleitor como um consumidor.

Sabendo que este é um debate profundo e que não é possível fazê-lo no curto espaço deste texto, restrinjo-me aqui a dizer que é urgente e inadiável enfrentá-lo, e que muitos políticos profissionais, partidos e intelectuais não o fazem porque ele implica assumir que vivemos uma conjuntura, a partir das últimas duas décadas, em que cada vez mais se aprofundam o esvaziamento e a descredibilidade da política e do espaço do político.

Este processo se expressa no desencanto com a política institucional; no questionamento da forma-partido, com a afirmação de que ela não é mais uma mediação importante e eficiente de participação política; crescimento da “personalização” da política partidária; afirmação de direitos (formais) e não de ideologias e projetos, dentre outros aspectos. No fundo, estamos diante da irrelevância do político na sociedade.

É claro que estamos falando da concepção (neo) liberal do sistema representativo, predominante em nossa sociedade, que não se constituiu no resultado histórico de um aperfeiçoamento das instituições políticas e da democracia. O sentido de povo e soberania, tão centrais para este sistema, sofreu uma transfiguração. Povo passou a ser entendido como uma soma de indivíduos, entidade abstrata, sempre considerado atomisticamente, portanto sem poder, identidade, cultura, etc.

A ideia de soberania, enquanto vontade e poder do povo, foi esvaziada e relativizada. O poder não é mais o núcleo político do social, é apenas uma instância que exerce uma função determinada, tornou-se uma formalização, algo abstrato que despersonalizou o poder, esconde quem realmente o tem e o exerce; portanto, tornou invisível a instância e o lugar da soberania: o povo, a sociedade civil.

Aníbal Gonçalves é pedagogo, graduado em Administração Escolar, ex-diretor da Escola Estadual de Coroaci – MG [hoje Dona Sinhaninha Gonçalves] e professor de Filosofia, Sociologia e História da Educação. Foi chefe do Departamento de Educação Cooperativista da CLTO. Atualmente, jornalista e radialista da 98 FM (Teófilo Otoni).

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