As malícias de Lázaro e as benesses da justiça criminal

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A fuga de um serial killer que desafia o sistema de persecução criminal

Jeferson Botelho Pereira – Professor de Direito Penal e Processo
Penal. Especialização em Combate à corrupção, Antiterrorismo e
combate ao crime organizado pela Universidade de Salamanca –
Espanha. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida
de Vitória/ES. Advogado e autor de obras jurídicas. Palestrante.

O Brasil assiste atônito a maior caçada a um criminoso nos últimos dias, perseguição policial que ocupa os horários nobres no noticiário nacional das grandes redes de televisão, a um desalmado delinquente, acusado de ter cometido uma série de crimes no Distrito Federal e Goiás desde o dia 9 de junho, entre eles o assassinato de cinco pessoas.

O criminoso Lázaro Barbosa é apontado como muito perigoso, sociopata que desafia o sistema de justiça criminal, aflora o sentimento de revolta do povo e nas redes sociais, serve de chacotas, produção de memes, gozações em cima de coisa muito séria, equipes de jornalistas transmitindo ao vivo as buscas da polícia, um filme de terror que se desenha e aterroriza moradores da zona rural de Goiás, moradores de Brasília, todos em sobressalto, angústia, medo, e um elenco de sentimentos que tomam conta da sociedade brasileira. Um forte esquema policial se formou para a captura do serial killer, com todo o aparato logístico, cães farejadores, helicópteros, uso de drones com sensor térmico, cerca de 300 agentes policiais de diversas agências de segurança pública.

O criminoso é acusado da prática de inúmeros delitos, como roubos, homicídios, estupros, sequestros e cárcere privado, porte ilegal de armas, tráfico de drogas, constrangimento ilegal, além de outros. Praticou uma série de crimes violentos, desde o dia 09 até 17 de junho, fez um passeio metafórico e cruel na legislação penal, em concurso material, deixando um rastro de maldades, sofrimento incrível, marcas e cicatrizes, crimes com requintes de crueldade, criminoso agressivo, estúpido e extremamente violento.

Em processo judicial, de 2009, ele foi condenado a 15 anos de prisão. Em 2016, ele fugiu do Centro de Progressão Penitenciária (CPP). Foi recapturado em 2018 em Águas Lindas. Quatro meses depois ele fugiu por um buraco no teto do presídio.

Lázaro foi diagnosticado como psicopata imprevisível, com comportamento agressivo, impulsivo, instabilidade emocional e falta de controle e equilíbrio. Dono de uma ficha criminal extensa, com prática de crimes violentos, deixando rastro de violência e dor. Estava foragido, segundo divulgação em fontes abertas, desde o saidão da Páscoa.

O Brasil é uma verdadeira disneylândia para os sociopatas, transitam serenamente sem serem molestados pelo sistema penal. Para fazer jus a concessão de benefícios processuais, houve a recomendação por submissão a cursos, para que o delinquente pudesse ter direito de passar do regime fechado para o semiaberto, em 2014, quando ele cumpria pena pelos crimes de roubo e estupro cometidos em 2009.

Entre os cursos feitos por Lázaro estão: empatia, sexualidade, para se colocar no lugar das vítimas e sobre o uso de drogas. Nas capacitações, constam ensinamentos sobre a Lei Maria da Pena e sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Até aqui nada de novidade. Cenas do filme de terror que se repete. O criminoso destrói a vida de famílias, avilta a sociedade e assim, o sistema de persecução criminal entra em cena. A polícia prende, a justiça condena e o sistema prisional realiza a custódia do apenado. Mas nem tudo é tão simples assim. Durante a execução da pena entram em cena os institutos processuais de concessão de benefícios, um insofismável aparato da liberdade de criminosos. Progressão de regimes de cumprimento de penas, saídas temporárias, livramento condicional, sursis, remição da pena pelo trabalho, pelos estudos e até pela leitura, indulto, além de tantos outros.

Além de todo esse aparato liberatório, também entra em cena os garantistas monoculares, que só enxergam benefícios em favor dos delinquentes e em detrimento da sociedade.

Para se defender efetivamente a nossa sociedade dos assassinos, estupradores, sequestradores, traficantes de drogas, seja ele delinquente habitual ou profissional, é preciso sim refletir sobre a aplicação de penas alternativas. No entanto, as penas a esses criminosos devem-se alternar, data vênia, não entre medidas restritivas de direitos, mas seguramente aplicação de pena de 40 anos de reclusão, art. 75 do Código Penal, sem direito a benefícios processuais, porque normalmente se mantém os criminosos os seus vínculos associativos.

Sabe-se, obviamente, que a Constituição Federal, em seu artigo 5º, XLVII, “b” veda a aplicação de pena de caráter perpétuo. Todavia, faz-se necessário convocar, até mesmo, uma nova Assembleia Nacional Constituinte com o fim de estancar a crescente criminalidade deste país, cuja administração, muitas vezes, faz-se conivente com os altos índices de violência que, cada vez mais, assustam nossa sociedade. Essa violência demasiada vem transformando o povo brasileiro numa grande população carcerária em suas casas, as chamadas enxovias populares, enquanto bandidos desalmados andam por aí desafiando a estrutura arcaica do aparato estatal.

E assim, é muito difícil aceitar, mas a nossa sociedade está gravemente enferma, vivemos numa paralisia sem igual. Parece que a legislação penal é construída somente para destruir a paz que deve reinar entre os seres humanos. O processo de descarcerização do delinquente implantando como modelo legal no Brasil destrói a nossa sociedade que é condenada à morte por tortura, ainda que de forma paulatina.

Por melhor que seja a política de segurança pública, a polícia jamais conseguirá alcançar seu desiderato em alguns modelos liberais. A polícia funciona bem numa sociedade em que o crime é visto como exceção, com a consequente economia de repressão policial pelo controle individual. Se assim não o for, corre-se o risco de se transformar o comportamento das pessoas naquilo que chamamos de desnormatização do individualismo.

Não é tarefa fácil ensinar ao jovem iniciante na carreira jurídica os preceitos do Direito Penal, definindo-o como a parte do ordenamento jurídico que tem por escopo definir as normas gerais em relação as condutas típicas, estabelecendo, desta forma, o modelo de fato criminoso, prevendo como consequência a aplicação da sanção penal, entendida como pena, medida de segurança, medidas de proteção ou socioeducativas.

Ensinam os doutrinadores que Direito Penal é o conjunto de normas e disposições jurídicas que regulam o exercício do poder sancionador e preventivo do Estado, estabelecendo o conceito de crime como pressuposto da ação estatal, assim como a responsabilidade do sujeito ativo, e associando à infração da norma uma pena finalística ou uma medida de segurança, nas palavras de Luís Jiménez de Asúa. Ainda de acordo com Mezger, o Direito Penal seria o conjunto de normas jurídicas que regulam o poder punitivo do Estado, associando ao delito, como pressuposto, a pena como consequência. Direito Penal torna-se, assim, no senso comum, o grande responsável pela “limpeza social” e, obviamente, não consegue cumprir tal mister, mesmo porque esse não pode ser o seu papel primordial.

Não sejamos ingênuos e até irresponsáveis de defender o cárcere como a solução de estancamento da criminalidade. Todavia, o que não se admite é que criminosos continuem circulando livremente entre nossos jovens e até crianças, em face de lhes serem aplicadas as benevolentes penas alternativas, causando prejuízos cada vez maiores a toda uma sociedade.

Portanto, que o avanço desenfreado da tendência descarcerizadora desde a edição do Código Penal de 1940 faz-se prejudicial para a segurança pública e para a paz social. Enquanto a Polícia, no legítimo exercício de sua atividade profissional, considerada de alto risco, prende o delinquente, em face dos institutos descarcerizadores elencados, logo estará ele novamente em liberdade, ofendendo novos bens jurídicos da sociedade.

Essa situação de desprisionalização institui um forte esquema de vulnerabilidade e lampejo de impunidade. As pessoas em geral e até mesmo o delinquente não confiam no atual sistema penal. Esse sistema não amedronta, não pune, não recupera, mas tão somente libera o delinquente, demonstrando-se falido e sepultado serenamente nos luxuosos ataúdes das grandes necrópoles.

Por fim enquanto as forças de segurança pública se mobilizam e se esforçam para novamente prender o criminoso Lázaro Barbosa, e colocá-lo a disposição da Justiça, de outro lado, existem outros atores de plantão discutindo soluções mirabolantes, falsos especialistas, comentaristas, uns apontando alternativas, ensinando receitas prontas de soluções milagrosas, mercadores de fumaça, comerciantes de bazófia, outros esperando ansiosamente para apreciar o pedido de habeas corpus, ou liberdade provisória do autor ou pela aplicação de outras medidas alternativas da prisão consoante artigo 319 do Código de Processo Penal, na decantada audiência de custódia nas próximas 24 horas, e ainda prontos para a formatação dos quesitos orientados pela Resolução 213, de 2015 do CNJ, em especial, cumprindo todo o ritual do seu artigo 8º, notadamente, o inciso VI, querendo saber se foi bem tratado por todos os lugares em que esteve com a Polícia, além de outras perguntas que demonstram o exacerbado garantismo penal em favor de delinquentes, perguntando sobre o tratamento recebido em todos os locais por onde passou antes da apresentação à audiência, questionando sobre a ocorrência de tortura e maus tratos e adotando as providências cabíveis.

Como defensor ferrenho do estado democrático de direito, é claro que nunca se pode advogar a violência estatal ou qualquer outro tipo de violência, mas o que não se admite jamais é querer transformar a Polícia em instrumento rotulado de repressão, afirmar que a Polícia é sinônimo de violência, de truculência, presunção de arbitrariedades, quando na verdade ela é hoje ferramenta de proteção dos direitos sociais, é o primeiro instrumento de tutela dos interesses do povo, é aquela que nos acolhe em qualquer hora do dia ou da noite, sem ela não existe paz social, sem a Polícia não existe controle social, sem ela, haverá retrocesso ao estado natural, em que se vigora a lei do mais forte, restabelecendo os rigores do estado de natureza, que para Hobbes, os homens podem todas as coisas e, para tanto, utilizam-se de todos os meios para atingi-las, os homens são maus por natureza (o homem é o lobo do próprio homem), pois possuem um poder de violência ilimitado. Um homem só se impõe a outro homem pela força. Não é por nada, apenas tenho que admitir, a Polícia é necessária e imprescindível como oxigênio para a vida, e no mais, com o devido eco, apraz-me gritar, viva o trabalho da Polícia!

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